segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Notícias cada vez mais esquisitas...

Sabiás "urbanos" passam a cantar mais cedo para atrair fêmeas
Noelle Marques
Do UOL, em São Paulo 30/09/2013


A luz e os barulhos de grandes cidades, como São Paulo, atrapalham e incomodam não só as pessoas, mas também as aves.

O biólogo Marcos Melo, da Divisão Técnica de Medicina Veterinária e Manejo da Fauna Silvestre de São Paulo, diz que alguns estudos apontam para uma mudança de comportamento dos pássaros, como o do sabiá-laranjeira, que acaba cantando mais cedo para que a fêmea consiga escutá-lo.

Segundo Melo, o hábito de cantar durante a madrugada já é uma característica típica da espécie, mas o sabiá-laranjeira também antecipa seu canto por conta do aumento da iluminação nas cidades.

Para quem não gosta ou não consegue dormir com a cantoria das aves, resta apenas poder contar com algumas invenções humanas, como a janela anti-ruídos ou o tampão de ouvidos.
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*Colaborou Bruno Landim Pedersol

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Em primeiro lugar, me preocupa o desconforto dos pássaros. Estão cantando mais cedo por causa  (ai, que não gosto mesmo do "por conta")  do excesso de iluminação.
Depois, penso na intolerância das pessoas. Não imaginei que o  canto dos passarinhos pudesse ser considerado ruído.

Grandes cidades, almas pequenas.


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domingo, 29 de setembro de 2013

Arcanjos


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Marisa Monte e Arnaldo Antunes - Sem você



Sem Você
Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown

Pra onde eu vou agora, livre mas sem você?
Pra onde ir? O que fazer? Como eu vou viver?
Eu gosto de ficar só
Mas gosto mais de você
Eu gosto da luz do sol
Mas chove sempre agora
Sem você
Sem você
Sem você
Sem você

Às vezes acredito em mim, mas às vezes não
Às vezes tiro o meu destino da minha mão
Talvez eu corte o cabelo
Talvez eu fique feliz
Talvez eu perca a cabeça
Talvez esqueça e cresça
Sem você
Sem você
Sem você
Sem você

Talvez precise de colchão, talvez baste o chão
Talvez no vigésimo andar, talvez no porão
Talvez eu mate o que fui
Talvez imite o que sou
Talvez eu tema o que vem
Talvez te ame ainda
Sem você
Sem você
Sem você
Sem você

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sábado, 28 de setembro de 2013

Sonoridades linguísticas


Costumo ter cuidado, admiração e mesmo uma espécie de reverência pela Língua Portuguesa.
Adoro ler, saboreio os vocábulos e internamente crio diversas maneiras de lidar com eles tentando não ofender estruturas.

Desde muito pequena - dizem meus parentes - eu me divertia lendo em voz alta ou soletrando palavras que me chamavam a atenção pela sonoridade, ainda que não conhecesse seu significado; elas ficavam pipocando (acho uma graça a palavra pipoca) na minha língua e eu as degustava atenta, classificando-as segundo o meu paladar.
Ainda hoje, em certas ocasiões tenho uns surtos desses.

Um exemplo interessante é o que aconteceu logo que comecei as aulas de pintura em tela.
Na fase da cópia (hoje o pessoal diz "releitura", talvez um eufemismo para plágio), todos os alunos pintavam flores...(gosto de flores, nada contra, mas eu queria pintar outras coisas - eu sou impossível mesmo...) e foi aquela enxurrada de copos-de-leite, acho horrível pronunciar ou mesmo escrever isso, sei lá por quê. Não gosto do nome e não pintei as tais flores. Fiz outras - tulipas, margaridas, rosas, lírios, violetas.

Há outros nomes que me incomodam - fronha, chupeta, bolacha, catapulta (esse eu acho engraçado) e, acredito, muitos mais que não conseguirei lembrar agora.
E ainda alguns modismos em expressões verbais: "meio que", "até porque", "por conta disso"...que também me afligem um pouco.

Recentemente descobri que não gosto do som da palavra inimigo e aqui não sei se tem a ver com semântica. Acho esquisito, i-ni-mi-go associada a pregação religiosa. Quase um paradoxo, embora haja paradoxos interessantes...

E não gosto da palavra sonho, esta pelo desgaste, pelo clichezão, de tanto ser usada em lugar de desejo, plano, ou qualquer outra similar. Do "sonho doce" - aquele de padaria, sem trocadilhos, por favor - desse eu gosto e não me importa o nome.

Que coisa...esse papo besta.  Deve ser "porque hoje é sábado".

Quer ver outra coisa que detesto? Aqui não se trata de palavra, mas do gesto da moda:  esse coraçãozinho feito com as mãos...



Noossa! Detesto isso.  Credo!

Notinha: Fique bem claro que o tratado aqui  é de cunho pessoal. Não me incomoda, em absoluto, que as pessoas gostem e usem o que citei.

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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

RUBEM BRAGA já antevia...

Rubem Braga

São Cosme e São Damião
Rubem Braga

Escrevo no dia dos meninos. 
Se fosse escolher santos, escolheria sem dúvida nenhuma São Cosme e São Damião, que morreram decapitados já homem feitos, mas sempre são representados como dois meninos, dois gêmeos de ar bobinho, na cerâmica ingênua dos santeiros do povo.

São Cosme e São Damião passaram o dia de hoje visitando os meninos que estão com febre e dor de cabeça por causa da asiática, e deram muitos doces e balas aos meninos sãos. E diante deles sentimos vontade de ser bons meninos e também de ser meninos bons. E rezar uma oração.

"São Cosme e São Damião, protegei os meninos de Brasil, todos os meninos e meninas do Brasil.
Protegei os meninos ricos, pois toda a riqueza não impede que eles possam ficar doentes ou tristes, ou viver coisas tristes, ou ouvir ou ver coisas ruins.
Protegei os meninos dos casais que não se separam e se dizem coisas amargas e fazem coisas que os meninos vêem, ouvem, sentem.
Protegei os filhos dos homens bêbados e estúpidos, e também os meninos das mães histéricas ou ruins.
Protegei o menino mimado a quem os mimos podem fazer mal e protegei os órfãos, os filhos sem pai, e os enjeitados.
Protegei o menino que estuda e o menino que trabalha, e protegei o menino que é apenas moleque de rua e só sabe pedir esmola e furtar.
Protegei ó São Cosme e São Damião! - protegei os meninos protegidos pelos asilos e orfanatos, e que aprendem a rezar e obedecer e andar na fila e ser humildes, e os meninos protegidos pelo SAM, ah! São Cosme e São Damião, protegei muitos os pobres meninos protegidos!

E protegei sobretudo os meninos pobres dos morros e dos mocambos, os tristes meninos da cidade e os meninos amarelos, e barrigudinhos da roça, protegei suas canelinhas finas, suas cabecinhas sujas, seus pés que podem pisar em cobra e seus olhos que podem pegar tracoma - e afastai de todo perigo e de toda maldade os meninos do Brasil, os louros e os escurinhos, todos os milhões de meninos deste grande e pobre e abandonado meninão triste que é o nosso Brasil, ó Glorioso São Cosme, Glorioso São Damião!"

Setembro, 1957.
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In: "200 crônicas escolhidas", Record, 2002,  p. 328-329.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ah, Dona Adélia...


Adélia Prado
Aula magna - Programa "Sempre um papo" (trechos)

(...)
"Quando eu falo de poesia, não é apenas da poesia que, eventualmente, nem sempre nós encontramos nos poemas.
Falo do fenômeno poético de natureza epifânica, reveladora, do que confere a uma obra de arte o estatuto de obra de arte;  pode ser música, pode ser escultura, pintura, teatro, dança, cinema e literatura que é onde eu me coloco.
Tudo isso que foi nomeado, tudo aquilo que eu chamo de arte se justifica pela poesia que ela contém. Se não tiver poesia não é cinema, não é teatro, não é pintura, não é literatura. Não tendo, ela é tudo  menos obra de arte.
(...)
É muito estranho falar do ser das coisas, esse ser, ele é inapreensível, eu não dou conta de pegar o ser de uma rosa, de um rio, de uma paisagem ou de um rosto, mas quando a arte ela faz isso, ela apreende a coisa mais alta que está atrás das coisas, ela nos revela, nos remete à beleza suprema se nós estivermos despidos do orgulho, da razão e da lógica.
Então, para que esse fenômeno de revelação da arte possa acontecer temos que estar desnudos de todo o orgulho, a razão tem que abrir mão desse poder, a lógica tem que abrir mão desse poder para que a obra seja apreendida no único lugar para qual ela quer ir que é o centro da pessoa, aquilo que nós chamamos, o sentimento, os nossos afetos.
Aquilo que nos constitui felizes ou infelizes, não é o que nós sabemos, mas é o que nós sentimos.
Arte é para o sentimento, é para a sensibilidade, é para a inteligência do coração e não para a nossa inteligência lógica.
(...)
A arte fala de absolutamente tudo porque qualquer coisa é a casa da poesia. Ela não escolhe tema nem enredo, nem assunto. Ela pousa onde lhe apraz e é esse o momento que é apreendido pelo poeta, pelo artista.
(...)
Agora nós podemos perguntar: “Por que a arte nos humaniza?
Porque mostra não a aparência, mas nos induz por causa da emoção que ela nos causa.
Ela nos induz à intimidade, à alma das coisas, à nossa própria intimidade e é por isso que ela nos comove; porque mexe. Não em nossos pensamentos, mas em nossos afetos, naquilo que nós sentimos – e toda obra me oferece um espelho. A obra é um espelho. Ela faz com que eu me reconheça nela.
Se você diante de um livro diz: “como esse autor pôde tocar nisso? Eu achava que só eu sentia isso, só eu sabia disso”. Aí é que está o nosso equívoco, e aí mora a universalidade da obra verdadeira.

Qualquer obra feita na China, Japão, Canadá, no Brasil – verdadeira – ela tem o dom de espelhar a humanidade, aquilo que nos é comum. E nada mais comum em nós do que nosso desejo, do que nossos afetos.
Queremos ser felizes e temos medo, temos compaixão, temos ódio, temos ira, temos bondade, todas as boas e más paixões que nos habitam. É esse material que faz a obra de arte. Ela não é um pensamento filosófico. Ela expressa aquilo que nós sentimos, aquilo que é humano e só por isso ela me alimenta porque ela dá significação e sentido na minha vida.
Isso é muito interessante porque nós todos padecemos de uma angústia imensa; uma das primeiras angústias humanas, que é a angústia do tempo, da finitude, nós começamos e acabamos, somos finitos, nós passamos.
A obra de arte não sofre esse desgaste, ela está fora do tempo.
Uma emoção muito profunda que você teve, uma paisagem muito bela que você viu, qualquer coisa que te comoveu, comoveu e passou. Mas, quando aquilo é apreendido num quadro ou numa poesia, qualquer forma de arte, essa obra segura o tempo pra mim. Ela não apenas segura o tempo, mas ela tem uma qualidade que nós perseguimos sempre, que é a unidade do nosso ser, a unidade da nossa experiência, porque nós vivemos de maneira fragmentada.
Quantas coisas nós já fizemos hoje? Tudo fragmentado! Uma hora é tomar café, uma hora é tomar banho, uma hora é se vestir… Tem fragmentos de tempo e nós queremos uma coisa eterna, unidade, na unidade que dure, que perdure e que não sofra essa solução de continuidade.
Então a coisa mais próxima disso que nós temos enquanto estamos vivos é a arte.
Você contempla um quadro, escuta uma música, aquilo está inteiro e porque está inteiro ele me dá sentido, me dá um eixo, me dá alegria.

A arte consola, conforta, é pão espiritual.
Há uma fome em nós que nenhuma prosperidade material, que nenhum sucesso material pode saciar, você continua faminto, faminto de transcendência, algo que me diga “você é mais que seu corpo, você é mais do que suas necessidades básicas, você é mais do que essa coisa quantitativa, você é aquilo que está presente no seu desejo, no seu sentimento e na sua alma.
A gente vê pessoas, por exemplo, que não são capazes – por uma série de motivos -  ou que nem pensam nisso, em articular esse desejo, só falam assim: “ah, mas que coisa boa que tem isso”.
Tem algo mais nos acenando – nos acenando de onde? Não é a religião que inventou, não é a filosofia que inventou, está acenando de dentro do nosso próprio ser. É um desejo profundo que nós experimentamos na nossa orfandade original, e nós já nascemos órfãos de ter sentido na vida, de ter significado e de ter perenidade. Não pode acabar. Esse é o desejo que nós temos.
E isso tudo significa- a pessoa que tem essa experiência, que tem esse desejo – nós dizemos que é uma pessoa que tem vida interior, vida simbólica.
Nós podemos dissecar um corpo, abrir um cadáver e nós não vamos achar onde está isso, mas essa pessoa viva nos diria desse desejo, desse sentimento, capacidade de sofrer, de ter frustrações, dores profundas, depressões indescritíveis e alegrias indescritíveis.
De onde vem isso, de onde nasce isso a não ser da própria profundidade da nossa alma e de nosso sentimento?
Então, a arte nasce daí e produz a partir daí, o autor não tem poder sobre sua obra nesse sentido, ela é dada e oferecida como um dom para a alegria de toda comunidade humana.
Imagine nós sem isso!
Mas quando a gente procura a arte é tão maravilhoso, porque sem saber e sem querer nós estamos procurando as coisas espirituais, aquilo que não tem peso, nem tempo, nem medida…
Mas, que sem isso, a gente está regredindo à pura barbárie, nós nos tornaríamos bárbaros.
A arte nesse sentido, ela consola, conforta, alegra e às vezes com muito choro.
Há obras que nos deixam prostrados, às vezes falando sobre nada.
Tem um poema que é impossível não falar, do Drummond que se chama “Tarde de Maio”. É um dos poemas mais maravilhosos, pra mim, que ele escreveu. É um poema longo, mas ele é constrangedor, tal é a beleza dele. Ele fala sobre o Sol se escondendo no acaso, uma tarde luminosa de Maio, aquela luz própria de Maio. É isso, ele fala sobre isso, sobre nada quase, e no entanto, esse é o puro alimento do espírito, porque só o homem pode se comover com o Sol que se esconde no horizonte, com a árvore florida, com as coisas mais mínimas, mais cotidianas, que escondem em si mesmas a beleza – e é essa beleza que toda arte procura. É tão forte que há pessoas que começam a olhar flores depois que viram flores no poema.
Então, foi a força movedora e comovedora da arte – que faz com que abramos os olhos para a maravilha da criação, a maravilha da experiência humana que nos aguarda.

Qual o papel da obra de arte? Nenhum, ela é expressão pura.
Você encontra um pintor, por exemplo, desenhando e apagando desenhando e apagando… Até se comprazer e falar “agora ficou bom”. Agora o quê? Um ramo, uma fruta, um perfil… coisas que não valem absolutamente nada.
É dessa matéria imponderável sem valor quantitativo que é feita a obra de arte.
Um quadro valer milhões é o mesmo que não valer nada, porque não tem como medir a importância, a magnitude daquilo que está expresso numa obra.
Então, os artistas – apesar de si mesmos – o que funciona é a obra, ela estar dizendo ou não.
(...)
A fome de beleza é universal.
Nós não podemos achar que alguém não entenda isso, todos entendem!
Há pessoas que têm vergonha de entrar na livraria; não é porque não queiram, é vergonha.
Isso eu acho que é culpa do nosso sistema de educação que não coloca o ensino da língua via literatura brasileira.
Nós precisamos da beleza, beleza não é luxo, é necessidade.
Quando Jesus estava comendo na casa do fariseu, Madalena derramou bálsamo caríssimo nos pés de Cristo. Judas falou: “Que desperdício, onde já se viu fazer uma coisa dessa, dinheiro que podia dar comida aos pobres.” Cristo respondeu: “Pobres vocês sempre terão convosco, mas ela (Madalena) está me ungindo para a sepultura”.
Nós precisamos disso!
A Arte não é econômica, ela é generosa.
É muito difícil a pessoa se dar conta de que todos nós, artistas ou não, pobres ou ricos, só temos o cotidiano, o cotidiano de todo mundo é absolutamente ordinário.
A cada um de nós, cabe a vida comum, o cotidiano. E eu tenho a absoluta convicção de que é atrás e é através do cotidiano que se revela a metafísica.
A beleza, está na criação, já está na nossa vida.
Drummond tem um poema que, por outras vias ele fala assim: “Eu não sabia que a minha vida era mais bonita que a de Robinson Crusoé”. Essas vidas ficaram encantadoras depois que passaram.
O mais bacana é a gente tirar o nosso heroísmo do nosso cotidiano.

Só a morte é que dá um perfil para nós. Depois que a pessoa morre, falamos: “coitado”.
Às vezes é heroico.
Pra mim, cotidiano é o grande tesouro!
Ortega y Gasset: “Admirar-se daquilo que é natural é que é o bacana”.
A alma, criadora, criativa, sensível, um belo dia se admira de algum ser como a água.
A vida é extraordinária.
Admirar-se de um Bezerro de duas cabeças qualquer débil mental se admira. Admirar-se do que é natural, só quem está cheio do Espírito Santo. É outro olhar.
O mundo é magnífico!
Todos nós queremos no nosso “currículo da vida” um ato heroico; às vezes o ato mais heroico da nossa vida é o mais anônimo, é o mais silencioso, que só Deus sabe. Isso que é a maravilha!
O cotidiano pra mim tem esse aspecto de maravilha, de tesouro.

“Há mulheres que dizem: meu marido se quiser pescar pesque, mas que limpe os peixes. Eu não, qualquer hora da noite me levanto, ajudo a descamar, abrir, retalhar, dessalgar. É tão bom a gente sozinhos na cozinha. De vez em quando os cotovelos esbarram e ele diz coisas como: esse foi difícil, dando rabanadas e faz o gesto com a mão. O silêncio de quando nos vimos a primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo, por fim os peixes na travessa, vamos dormir. Coisas prateadas espocam, somos noivo e noiva."
Não tem coisa mais ordinária do que limpar peixe, mas é um ato humano, o que é humano já está combinado que é maravilhoso.

"Louvado sejas Deus meu Senhor porque o meu coração está cortado a lâmina, mas sorrio no espelho ao que à revelia de tudo se promete, porque sou desgraçado como um homem tangido para a forca, mas me lembro de uma noite na roça, o luar nos legumes e um grilo, minha sombra na parede. Louvado sejas porque eu quero pecar  contra o afinal sítio aprazível dos mortos, violar as tumbas com o arranhão das unhas, mas vejo tua cabeça pendida e escuto o galo cantar três vezes em meu socorro. Louvado sejas porque a vida é horrível, porque mais é o tempo que eu passo recolhendo os despojos. Velho é o fim da guerra como macabra, mas limpo os olhos, do muco do meu nariz, por um canteiro de grama. Louvado sejas porque eu quero morrer, mas tenho medo e insisto em esperar o prometido. Uma vez quando eu era menina quando abri a porta de noite, a horta estava branca de luar e acreditei sem nenhum sofrimento, louvado sejas.”

Mas agora uma boa notícia, no céu, os militantes, os padecentes, os triunfantes seremos só amantes.

Muito obrigada!

Arte em fotografia

Final da tarde em Resende
Resende, RJ - Foto de João Saboia

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Coincidência... de novo!

Pois é, do jeito que ando arredia e desconfiada, tenho evitado interagir no mundo, mas continuo com a leitura que, de alguma forma, supre esse afastamento voluntário e temporário. Daí que vou ao blog Vigilantes da autoestima (hehehe) e encontro mais uma pérola da Gisela Rao - gosto muito da escrita dela.
Lá vai:


Vazio existencial é "Feitiço do tempo"
Gisela Rao - blog Vigilantes da autoestima, em 25/9/2013

Eu nem vou falar das pessoas no metrô, com o olhar congelado em algum lugar como se tivessem perdido a casa no último vendaval. Vou falar de gente perto de mim e até de mim. 

Ontem uma amiga me disse que anda desanimada e desmotivada com as coisas. Entendo ela, nossa se entendo. Tem dias que acordo assim e até a minha postura muda, fico com o dorso jogado pra frente como se todo mundo tivesse corrido e só eu sobrei pra carregar o mundo.

Algumas pessoas chamam isso de tristeza, melancolia, depressão, tédio, vazio existencial…
Foto: Laura Williams

É nada, é “Feitiço do Tempo”. Já falei várias vezes desse filme aqui, com o Bill Murray, onde todos os dias são exatamente iguais. E por que os nossos dias estão exatamente iguais? Porque somos como a minha gata Cinza, que só brinca com a bola careca. O monte de outras coisas que comprei pra ela fica colorindo todos os cantos da casa e ela nem tchuns, só quer a praga da bolinha careca. E, aí, quando não acha, fica murcha e desanimada.

Sim, a gente faz mil coisas, mas já reparou que são as mil coisas de sempre? E que essas mil coisas acabam cansando a gente tremendamente e não temos energia pra fazer mais uma ou outra novidade? E, quando temos pique, desistimos logo da coisa nova porque não temos tempo ou dimdim? Acho que todo mundo deveria comprar uma máquina fotográfica, de qualquer preço, e fazer um curso de fotografia como minha irmã Adriana fez.




A vida dela mudou completamente porque ela desmanchou o seu “Feitiço do Tempo” existencial. E eu sempre vou ao face dela pra me inspirar, já que nem sempre consigo desmanchar o meu. Ai, e por favor, me poupe de ouvir os “você deveria gradecer Deus por…”, só tô expressando meus sentimentos e se você tiver feito um curso no CVV (Centro de Valorização da Vida) vai apenas validar esse sentimento sem botar Deus no meio hehe.

Vai, bola careca. Sai de mim, sai da gente! ;)

Para o alto e avante!

“Quero ser tudo aquilo que posso vir a ser” -  Katherine Mansfield

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terça-feira, 24 de setembro de 2013

Desapego geral...


Estive lendo uma reportagem sobre pessoas que tiveram profissões interessantes, carreiras bem sucedidas, vidas glamourosas e que, de repente, resolvem se afastar da badalação, do sucesso - às vezes até do dinheiro - e vão viver de forma simples, geralmente em cidadezinhas do interior do país.
No caso de alguns ex-famosos, os julgamentos das pessoas se dividem em prós e contras, como se isso interferisse na escolha deles...

No que me diz respeito, não me enquadro na situação porque nunca vivi nada disso: fama, sucesso, dinheiro. Concordo, entretanto, com a opção por uma vida mais sossegada, que nos solicite menos.

Não me vejo mais obrigada a frequentar o que não gosto, onde não me sinta bem ou que me faça esconder minhas origens. Não venho de família pobre em termos financeiros, não. Tive oportunidades e aproveitei-as da maneira que soube e pude. Estudei, viajei um pouco, enfim, conheci pessoas de vários níveis sociais e me mantenho, até hoje, com o pé atrás para o que considero exagero em qualquer sentido.

O que tem me afastado um pouco das pessoas de um modo geral - até mesmo família - é a cantilena nos meus ouvidos de que o mundo mudou e que eu preciso sair mais, viver mais... e coisas assim. Entendo isso como uma preocupação carinhosa (será?) com a minha inadequação ao tal mundo que mudou.
A mais recente tentativa é dizer que eu sou nova ainda - como se eu não soubesse minha idade, minha vivência e minhas possibilidades - para ficar afastada do que consideram viver. E citam exemplos dos macrobióticos esportistas, artistas - esses que estão aí se apresentando em público com o mesmo ou maior talento de quando eram jovens. Acho tudo isso louvável, acho mesmo. Convenhamos que falando de arte, principalmente, os velhinhos continuam mandando muito bem (vide recentíssimo Rock in Rio).

Por favor, por favor, eu vivi muita coisa bonita também e guardo apenas para mim mesma.

Entendo tanto a tal mudança no mundo que não gostaria de passar por idiota ou já começando a caducar. É assim que nos veem hoje se não somos alguém renomado, talentoso. Idiotas ou caducos. Não preciso e não dependo desse olhar moderníssimo e tecnologicamente correto. Mas agradeço a preocupação.
Acredito estarem seguindo apenas a cartilha do politicamente correto: esse embuste de dizer que ninguém é velho, e sim que está na terceira idade, melhor idade, feliz idade, enfim, a moda de usar esses trocadilhos infelizes.

Na verdade, isso tudo é para dizer que, se depender de mim - o que acho difícil - espero não ocupar ou preocupar os mais jovens com o processo de envelhecimento. Ele é natural e virá para todos, estejam certos disso.  E o mundo continuará mudando, né não?

"Roda mundo, roda gigante,
rodamoinho, roda pião...
O mundo rodou num instante
nas voltas do meu coração".  

(Agradecida, Chico Buarque de Holanda)

Sueli
Itatiaia, 24/9/2013
*            *            *


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

No "Drops da Fal" - essa moça sabe...


Da FAL VITIELLO DE AZEVEDO

"Porque uma boa história é a melhor coisa que pode nos acontecer em qualquer dia da semana, em qualquer semana do ano.

Porque é uma delícia poder acreditar, ainda que no escurinho do cinema, ainda que só por algumas horinhas, que o talento será recompensado, que o amor existe, que alguém vai gostar da gente porque sim, que a vida tem solução e que teremos coragem de tacar a lagosta viva na panela com água fervendo.

Porque há manteiga derretendo na frigideira, nalgum lugar do mundo, nalguma frigideira da galáxia.

Porque a beleza nos cerca e tomará conta de nós, se nós tivermos coragem.

Porque nossa falta de rumo também nos paralisa.

Porque cremos, raspadas as várias camadas de dor e ceticismo, que um dia vamos encontrar nossa vocação.

Porque nunca é tarde demais para outra garfada no cheesecake.

Porque os nossos cubículos também nos desesperam, sejam eles quais forem.

Porque gastamos uma grana que não tínhamos em queijo.

Porque nós vamos ver esse filme juntos no cinema (não vamos?).

Porque não somos as únicas a entender os usos terapêuticos do vinho na culinária.

Porque o Stanley Tucci tem olhos encantadores.

Porque enquanto o chocolate derrete num banho maria lerdo, revelações metafísicas nos assaltam.

Porque nós sentimos saudades e choramos enquanto preparamos o molho de tomate do zero.

Porque não estamos sós no nosso desespero quando a maionese desanda e a massa craquela.

Porque, de muitas formas, não estamos sós."

*            *            *
Coluna do jornal Cruzeiro do Sul, 23-08-2013

domingo, 22 de setembro de 2013

Inverno 2013... Uffa!!

Texto recebido de Therezinha Almeida, em página do facebook

Afora os ataques de nervos do mercado financeiro – notícia enguiçada de uma estação que começou com o dólar a R$ 2,245 e termina amanhã com a moeda americana cotada a R$ 2,21 –, o brasileiro não pode se queixar de falta de assunto no inverno de 2013.

Não bastasse ter nevado simultaneamente em mais de 100 lugares diferentes, foi um inverno com 3.353 protestos de rua, uma visita de papa, dois réveillons em Copacabana, um passeio de moto da presidente Dilma em Brasília, um Rock in Rio, mais um recall de ketchup, outro de absorvente higiênico e sei lá quantas cirurgias de próstatas em mulheres realizadas pelo SUS.

Não à toa o gigante acordou! Vai dormir com o barulho do julgamento do mensalão, da espionagem do Obama, do desvio de verbas no metrô de São Paulo, da conquista da Copa das Confederações, das acaloradas discussões sobre direito autoral na casa da Paula Lavigne, do mico de Anderson Silva no octógono, dos voos da alegria em jatinhos da FAB, do sucesso do ‘Porta dos Fundos’, do selinho do Sheik, do “soft power” da Marta Suplicy…

Foi o inverno em que Eike Batista deixou de ser bilionário e Marcelo Adnet, engraçado. Neymar operou as amígdalas, José Serra colocou ‘stent’, Ronaldinho Gaúcho foi ao dentista e Chiquinho Scarpa ressuscitou, diga-se de passagem que sem a ajuda dos médicos cubanos recém-chegados ao País.

Foi o inverno da Mídia Ninja, do Amarildo, do coletivo Fora do Eixo, do Capilé, do nu frontal da atriz Nanda Costa nas páginas da ‘Playboy’ e do goleiro Diego Cavalieri no instagram do Hulk.
Foi o inverno em que Abílio Diniz deixou o Pão de Açúcar, Felipe Massa a Ferrari, Bell Marques a banda Chiclete com Banana e Wagner Canhedo a cadeia. Saíram do noticiário a cachirola do Carlinhos Brown, a cura gay do Marco Feliciano e o plebiscito da Dilma para a reforma eleitoral.

Foi o inverno de Félix, a bicha má da novela das 9, e de Esquerdinha, o massagista que, por amor à camisa, entrou em campo para evitar o gol que eliminaria seu time, o Aparecidense, da série D do Brasileirão.

Num segundo plano, vale destacar a desfaçatez de Sérgio Cabral no chamado “voo das babás”, farra de helicópteros que o governador promovia nos fins de semana em família, e a cara de pau do sujeito que tentou pagar uma prostituta na Bahia com cartão do Bolsa Família.

Enfim, tirando uma coisinha ou outra, convenhamos, foi um inverno padrão Fifa! Dificilmente a primavera, que começa oficialmente com o casamento do funkeiro Naldo com a Mulher Moranguinho, conseguirá manter tal nível de acontecimentos!
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Que venha a Primavera!  Estamos "curtidos'!!

Foto: Bom Dia!Namastê!

A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la.~


Cecília Meireles

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