quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O humor ácido de JOÃO UBALDO RIBEIRO

Importante não esquecer o contexto da época em que foi escrito, há alguns anos.

Halloween é o c...!            
João Ubaldo Ribeiro in "Viva o povo brasileiro"

Chega! Chega dessa hipocrisia que se instaurou em nossa cultura e no nosso aceitar. Não podemos mais, sob nenhuma circunstância, deixar que se arrombe a cultura tipicamente brasileira e venhamos a comemorar as datas de um outro grupo, de uma outra concepção.
Agora é mais do que a hora de dizer um basta, de gerar uma contra-resposta a esse geracionismo babaca de comercialização mundana. Juremos, a partir desse momento, que não viremos mais a corroborar com esses atos falhos de nossa população e mostrar sinceramente o que somos, o que devemos ser. Se continuarmos assim, que palavras terei de usar daqui para frente para poder me mostrar e dizer o que quero? Fashion ou não. Ainda sou eu. Bumba-meu-boi.

Nas grandes proporcionalidades brasileiras, aceitar tal fato é ferir a genética básica de nossa identidade mais simplória.
O grande fato de, nós, brasileiros mais do que natos e fatos de sermos sangue latino, virmos a comemorar halloween –  que p...– o dia das bruxas dos americanos, é uma falta de respeito com o que meu avô foi para a grande segunda guerra, para o sotaque da minha avó na minha educação e para o que nós todos somos para a festa dos caipiras, das formas típicas, das nossas datas e do que somos. Latinos brasileiros que dançam o candomblé, buscamos Deus ou uma entidade do bem, nunca poderíamos pensar em conceber tal comemoração em nosso outubro. Nosso outubro tem a comemoração do vestibular, o desespero das praias, o rubro gosto das decisões de futebol e nada mais do que isso. E se vier algo a mais, que fervorecemos o que somos na prática.

Não senti tão grande pesar na minha vida quando, ao chegar do trabalho pesado do dia-a-dia e me deparar com uma propaganda que mostra nada mais nada menos do que fantasias para o dia das bruxas. Que a comemoração seja feita em cursos de cultura americana, mas mesmo assim, que estes cursos não extrapolem além de seu espaço. O mundo não precisa de vocês, carnicentos da vulgarização de si próprios. Por isso mesmo eu fui totalmente a favor do que aconteceu às Torres Gêmeas.
Fiquei triste ao ver pessoas morrendo por um ato de crueldade, mas pensemos bem. A cultura daqueles foi massacrada por filmes e questionamentos. Hoje em dia, falar que alguém come carne de cachorro ou que as mulheres são tratadas do jeito que são, para nós, os portentosos ocidentais, isso é uma crueldade. Mas já parou para pensar que o grande fato da Fraternidade, o ponto desse questionamento, não foi posto em prática, que o fato de que devemos ajudar independentemente de raça, credo, cor, saúde, status não foi feito!?
Que recebemos mensagens sobre as Florestas Brasileiras serem mal cuidadas por esse povo brasileiro irresponsável, de que somos inferiores e de que não devemos nunca, em momento algum, deixar que a nossa idiossincrasia seja questionada, posta à prova por um povo que se diz, por mera ignorância, superior, posto que não temos condições financeiras e por isso somos menos favorecidos de inteligência e capacidade de pura administração até mesmo pessoal de cultura e arte?
Por que, mas por que, somos tão estúpidos em aceitar tal fato?! Não e nunca são bons advérbios de negação que  combinam com a pergunta.

Respiremos.

Não consegui nenhum índice de pesquisa sobre as vendagens daquelas fantasias – babaquices seria a palavra mais correta para tal –, mas temos que ser sinceros, essa cópia boba e idiota dessa marca da cultura americana não nos levará a nada.
Somos frevo e carnaval – que esse sim, tentaram levar lá para fora, mas não levaram a nossa essência –  somos pelourinho e rock maracatu. Somos nós. E em nenhum momento podemos levar em consideração o que se vê à frente da televisão.
Já sou contra de carteirinha (não somente de professor de português por diploma, mas por carioca de certidão) o fato de repórteres da Globo falarem a palavra recorde - sem acento e paroxítona - tal qual estivessem falando gravação em inglês – récorde, em questão – pois não podemos aceitar nem mesmo a fonética estrangeira se nós já temos uma palavra que supre o nosso significado e pronto.
Shopping center, até mesmo na deturpação do significado deles, deveria ser modificado. É aceitável, mas agora, insight, por que não átimo?! O que temos de tão errado nas nossas palavras? São feias! São estranhas! São cafonas ou não são fashion? O que é ser fashion? É um ato hitleriano tudo isso. Estendamos as mãos  (à moda hitleriana).

Devemos seguir os bons exemplos sempre. Enquanto que babacamente estamos fundindo-nos a uma contracepção de nós mesmos, deveríamos era realmente dizer o que somos - vide site MV - Brasil. Ora, esses caras sabem muito bem do que eu tô falando . Deixar um pouco da vergonha de lado, a mesma vergonha que esquecemos nos nossos bons carnavais e parar em frente ao espelho e dizer : nos vendemos. Nos vendemos por ninharia.
Mas eu ainda acredito que temos volta. Que ainda somos uma nação que pode crescer e buscar a sua essência. Temos mesmo é que combater o mal pela raiz.
A priori, mandar email desaforado não basta. Temos é que incutir na mentalidade de nossa nação, principalmente daqueles que serão massa pensante – ou vulgarmente reprodutora de conceito –  dessa nova juventude, que não viu os males da aids como doença assassina, que não viu a guerra do Golfo ou que ainda acha que boa música é o grunge americano – nada contra o grunge, mas contra o que ele fez à cabeça dessa molecada de 14 anos de agora –  e que devemos, mesmo, parar e analisar o que se está acontecendo.
Que estamos vivendo uma era de pura aceitação, isso é real. Que estamos vivendo uma era de gente molenga, isso é verdade. Mas ainda temos um pouco do espírito revolucionário dentro de nós e o que falta mesmo é um pensamento mais norteador. Isso está faltando ao povo e à juventude brasileira.
Nossos pais estacionaram no tempo da violência. Nossos irmãos deitaram-se no travesseiro e dele não tiraram mais os fones do rádio do ouvido e nossa juventude está se esvaindo em mídia de resposta feita. Temos mesmo é que mostrar a esses nossos moleques e molecas, massa pensante do futuro – ou simplesmente reprodutor de idéias de mídia, já pré-fabricadas – que estarão no poder ou onde for, acima do bem e do mal, o que sinceramente somos, pois estes estão se perdendo em lutas e combates cotidianos, racionalização do homem de crommaignon, o homem das cavernas. Pura reprodução de detalhes. Somos um povo de idéias fashion. Nos falta um bom líder. Será que um dia teremos um bom líder para isso?

Yes, nós temos Banana? Certo, toda e qualquer forma de divulgação de nossa cultura, sim, devemos aceitar. Porém temos que tomar todo o cuidado para não sofrermos com as nossas próprias razões.
Um ícone pode sempre nos mostrar algum caminho. Mas há sempre que tomar um cuidado peculiar antes de tudo.
Quando se chega e se fala de Brasil, pensa-se em terra de bananas, sempre. Penso que desde aquela época, se tem a certeza de que somos uma nação de bananas mesmo. Falsificação pura de nós mesmos. Imaginem só, daqui a alguns anos, ao invés de cantar uma música de Tieta, falarmos doçura ou travessura!?
Sinceramente, ainda não acredito que Lula da Silva possa vir a ser o ideal, mas, agora, tenho fé que ele possa vir a endereçar um bom gosto por essa nação desacreditada e burocratizada na Simpsonização – ato de ver o mundo como Homer, achar que a Marge faz tudo, enquanto tem alguém nos comendo pelas beiradas – dos pensares, que ele possa realmente indicar um bom caminho para as coisas! Mas, como disse, ainda tenho somente fé. Espero ver mesmo.

O que precisamos, mesmo, em princípio, é nos conhecer. Saber quem somos na base de nossa construção, do que viemos e de que fomos feito. Precisamos de uma Darwinização da nossa ideologia, e criar um caminho para chegarmos e entender que somos bumba-meu-boi sim, que temos escritores como Antônio Torres e Afonso Romano de Sant´Anna, que já escreveram sobre "Essa Terra" e "Que País é Esse?", que temos aqui tudo que nós precisamos. Tudo que quisermos está aqui.
Leiam, e leiam bem. Temos que entender o verdadeiro gosto por essa terra brasileira, leiam "Essa Terra" e sua continuação com "O Cachorro e o Lobo", de Antônio, e depois "Meu Querido Canibal", do mesmo autor, para saberem o que é ser realmente um brasileiro.

Precisamos, então, saber do que realmente todo esse continente Brasil é feito para criar esse verdadeiro sentimento de Brasil – terra de gigantes.
Um grande povo se faz não com suas grandes proporções, mas com as suas bases, as suas preconizações. Aí sim, seremos brasileiros mesmos. E dos bons.

*            *            *

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Domingo animadinho...segunda idem!

Gente... tô falando que nossa família é uma comédia... As fotos aí embaixo mostram uma espécie de torpor que acomete os que vêm passar o domingo por aqui. (Que pena! Esquecemos de bater uma foto do meu cunhado João, esticadão, no varandão...roncando!)

O Marcos, (segunda foto) literalmente cai no sofá e cochila na posição mais incrível e improvável para se descansar.  E olhem que almoçamos fora... portanto, não foi nada com a comida da vó.

Até o quadro (primeira foto) fica torto na parede sem ninguém tocá-lo! Mistério... Minha filha Liliane (terceira foto) cita irmã Zuleide: "Mãe, isso é satanás querendo nos derrotar neste domingo!"

Meu segundo neto, Pedro, à cata do carregador do meu celular para usar no dele (só nós temos o mesmo modelo). Pronto, celular carregando. Então...

Depois de um rapidíssimo lanchinho - estavam também minha irmã Stela e meu cunhado João - saem desembestados porque o tempo anuncia chuva. "Vam'bora, vam'bora, que vai chover, gente!"

Eu tentando acudir a pressa, acondicionando uns mimos e não sei mais quê para a turma levar... e me perguntando se eles desmancharão com a chuva (se vier); caramba, alguém aí é feito de açúcar?
Duvi de o dó!...

Lá se foram... depois de um dia ótimo, divertido e barulhento.
**
Xiii! Pedro esqueceu o celular... Ligo para a mãe (Liliane) e aviso. Tudo bem.

**
Hoje, estou eu às voltas com as tarefas da casa quando escuto o canto rouco de um galo, muito esquisito...
Saio então para o quintal procurando o que seria aquilo... o galo continua com aquele som estranhíssimo...
Volto para o interior da casa e vou até a sala onde o celular do Pedro está em cima da mesa e o som do galo é o "soneca"... não sei desligar... não para.
Com os meus "vastíssimos" conhecimentos tecnológicos vou apertando tudo quanto é tecla e...nada! O galo continua cantando... e canta e canta e não para... que sono deve ter o Pedro, caraca!
Aí, eu já estou rindo sozinha, ou melhor, gargalhando... Como é que acontece esse tipo de coisa? E o galo canta...canta.. e eu rindo.
Ligo para Liliane e ela me diz que também não sabe parar aquele negócio porque tem uma senha que só o dono do celular conhece... e ficamos rindo da situação até que ela sugere que faça o mesmo que ela faz quando a coisa dispara e o Pedro não está junto: enfiar o celular dentro da fronha do travesseiro e colocar dentro do armário...kkkkkkkk!!!!!! É uma senhora solução!
Feito.
Após uns cinco minutos, o galo para.
Agora estou com receio de tirá-lo da fronha, do armário e ele voltar a cantar.
**


Casa de vó
Foto: Casa de vó..


Casa de vó
Foto: Casa de vó....


Casa de mãe...beleza! Tô nem aí...
Foto

******

domingo, 27 de outubro de 2013

Roberto Shinyashiki - Seja o cisne

Seja o Cisne
Roberto Shinyashiki

Talvez o maior desafio da vida moderna seja sermos nós mesmos em um mundo que insiste em modelar nosso jeito de ser.
Querem que deixemos de ser como somos e passemos a ser o que os outros esperam que sejamos.
Aliás, a própria palavra “pessoa” já é um convite para que você deixe de ser você.
“Pessoa” vem de “Persona”, que significa “máscara”.
É isso mesmo: coloque a máscara e vá para o trabalho.
Ou vá para a vida com a sua máscara.
Talvez o sentido do elogio: “Fulano é uma boa pessoa”, signifique na verdade: “Ele sabe usar muito bem a sua máscara social”.
Mas qual o preço de ser bem adaptado?
O número de depressivos, alcoólatras e suicidas aumenta assustadoramente. Doenças de fundo psicológico como síndrome do pânico e síndrome do lazer não param de surgir. Dizer-se estressado virou lugar-comum nas conversas entre amigos e familiares. Esse é o preço.

Mas, pior que isso, é a terrível sensação de inadequação que parece perseguir a maioria das pessoas.
Aquele sentimento cristalino de que não estamos vivendo de acordo com a nossa vocação.

E qual o grande modelo da sociedade moderna?
Querer ser o que a maioria finge que é. Querer viver fazendo o que a maioria faz.

É essa a cruel angústia do nosso tempo: o medo de ser ultrapassado em uma corrida que define quem é melhor, baseada em parâmetros que, no final da pista, não levam as pessoas a serem felizes.
Quanta gente nós não conhecemos, que vive correndo atrás de metas sem conseguir olhar para dentro da sua alma e se perguntar onde exatamente deseja chegar ao final da corrida?

Basta voltar os olhos para o passado para ver as represálias sofridas por quem ousou sair dos trilhos, e, mais que isso, despertou nas pessoas o desejo de serem elas mesmas.

Veja o que aconteceu a John Lennon, Abraham Lincoln, Martin Luther King, Isaac Rabin…
É muito perigoso não ser adaptado!

Essa mesma sociedade que nos engessa com suas regras de conduta, luta intensamente para fazer da educação um processo de produção em massa.
A maioria das nossas escolas trabalha para formar estudantes capazes de passar no vestibular.
São poucos os educadores que se perguntam se estão formando pessoas para assumirem a sua vocação e a sua forma de ser.
Quantos casos de genialidade que foram excluídos das escolas porque estavam além do que o sistema de educação poderia suportar.

Conta-se que um professor de Albert Einstein chamou seu pai para dizer que o filho nunca daria para nada, porque não conseguia se adaptar.
Os Beatles foram recusados pela gravadora Deca!
O livro “Fernão Capelo Gaivota” foi recusado por 13 editoras!
O projeto da Disney World foi recusado por 67 bancos! Os gerentes diziam que a ideia de cobrar um único ingresso na entrada do parque não daria lucros.

A lista de pessoas que precisaram passar por cima da rejeição porque não se adaptavam ao esquema pré-existente é infinita.
A sociedade nos catequiza para que sejamos mais uma peça na engrenagem e quem não se moldar para ocupar o espaço que lhe cabe será impiedosamente criticado.

Os próprios departamentos de treinamento da maioria das empresas fazem isso. Não percebem que treinamento é coisa para cachorros, macacos, elefantes.
Seres humanos não deveriam ser treinados, e sim estimulados a dar o melhor de si em tudo o que fazem.
Resultado: a maioria das pessoas se sente o patinho feio e imagina que todo o mundo se sente o cisne.
Triste ilusão: quase todo mundo se sente um patinho feio também.

Ainda há tempo!
Nunca é tarde para se descobrir único. Nunca é tarde para descobrir que não existe nem nunca existirá ninguém igual a você.
E ao invés de se tornar mais um patinho, escolha assumir sua condição inalienável de cisne!

*        *        *

Um mimo

Que tal esse belo vilarejo de livros?
Obra da artista Marie Montard.

Foto: Que tal esse belo vilarejo de livros??
Obra da artista Marie Montard. Não é o máximo??

Recebi da amiga Marga Costa este post lindo, com os seguintes dizeres: 
"Lembrei de você! Por que será?..."

Um carinho que, imodestamente, considero um elogio.

Muito agradecida, Marga!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Casualmente...


Dia desses precisei ir a Resende e, como sempre acontece, já "bateu" aquela má vontade. Verdade. Não gosto de sair de casa, ainda mais para resolver coisinhas do cotidiano. Fazer o quê?

Sei que posso perambular pelo bairro comercial o dia inteiro e não encontrar nem ver uma pessoa conhecida. A cidade cresceu em nível populacional e para quem envelheceu na região as caras novas são uma constante.  Daí que as pessoas nem se cumprimentam mais - sou do tempo em que se cumprimentava mesmo um desconhecido - e fico observando a pressa, a desatenção, a expressão das pessoas, todas aparentemente com um objetivo, seja lá qual for, e sem tempo...

Nesse dia, quando já voltava para casa, encontrei uma velha amiga. Encontro-relâmpago, como todos, porque mesmo essa senhora de 81 anos, acompanhada de um dos netos, estava apressada, como todo mundo. Aliás, penso que a pressa não era dela, mas do neto que talvez quisesse se livrar logo da obrigação chata de acompanhar a avó e esta fica de conversa com alguém que ele nem conhece. O que é isso, menino? Vi você bem pequenininho, e agora o belo rapaz em que se transformou mostra-se impaciente, ansioso por terminar tarefa tão ingrata..

Minha amiga pareceu-me bem disposta, alegre como sempre foi e muito agradável. Tão bonitinha... perguntou se poderia vir à minha casa, acredita?  Imagina! Uma pessoa que me ajudou tanto quando minhas filhas eram pequenas, que me visitava com frequência, que alegrava nossos dias com sua disposição e bom humor... Fiquei comovida, agradecida, sei lá, abracei-a com carinho e lhe disse para vir quando quiser  pois só trará alegria.

Depois, já em casa, fiquei relembrando quantas vezes ela esteve realmente comigo, me apoiando quando eu precisava, me repreendendo quando eu também necessitava de uma tomada de consciência, ela que me orientava sempre com a experiência de seus anos a mais...

Enfim, um tipo de pessoa raríssimo, dessas que o mundo atual não reconhece mais.

Pobre de quem não teve ou não conservou amizades assim.
**

Certa vez, ouvi do Padre Fábio de Melo uma palestra sobre a utilidade e o significado das pessoas em nossa vida. Dizia ele que quando envelhecemos e "perdemos a utilidade" é que podemos avaliar quem realmente gosta de nós.
*            *            *

Pós postagem:
Sincronicidade, de novo. Comigo acontece sempre. Alguns trechos de um artigo sobre o filme "Era uma vez em Tóquio", que acabei de ler no blog Revista Bula, depois de ter publicado esta postagem:
(...)
A viagem a Tóquio é o mote de um drama familiar que se descostura na tela conforme se nota o impacto causado pela chegada do casal Hirayama. De início, os velhos se hospedam na casa do primogênito Koichi (So Yamamura), que é médico e tem dois filhos com a esposa Fumiko (Kuniko Miyake). 
 Ozu (diretor do filme) mostra, então, o desconforto causado na família: o filho mais velho de Koichi irrita-se por ter de ceder seu espaço aos avós. O próprio Koichi, sempre muito ocupado, quase não para em casa. E, quando chamado à presença de um paciente, prioriza o trabalho, em detrimento ao compromisso de fazer um passeio pela cidade de Tóquio com os pais.
(...)
Há uma cena particularmente importante nesse prisma. Ela ocorre quando Koichi e Shige, sentindo-se culpados pelo fato de que seus pais quase nada aproveitaram da cidade, decidem enviá-los para “aproveitar o feriado” no conhecido balneário de Atami. 
No hotel para onde os velhos são “despachados” como uma bagagem difícil de carregar, veem gente jovem a comer, a beber, a dançar. Não era lugar para eles. 
Quando viajaram a Tóquio não estavam em busca de “agitação”; queriam era placidez, era tranquilidade; queriam era aproveitar o tempo na presença dos filhos e dos netos. Queriam um pouco de amor. 
Cansados, decidem voltar antes do combinado para casa. 
O retorno antecipado irrita ainda mais os filhos, que tinham feito planos contando com a ausência dos pais.
Em passagens como essa, Ozu, com uma sutileza absolutamente genial, aprofunda o abismo entre as gerações. Da vida rural apegada à família, somos conduzidos ao Japão da sua metrópole — um lugar de vazio e impessoalidade. Todos estão sempre mui ocupados, mui atarefados. Todos estão preocupados com suas carreiras, com suas vidas particulares, com seus projetos ambiciosos. Já ninguém tem tempo para os pais.
(...)
Há, de maneira insofismável, um forte componente melodramático no filme. 
Ao opor gerações, Ozu expõe o esqueleto de uma sociedade japonesa capitalista no pós-Segunda Guerra Mundial. 
Retrata-se o esplendor de uma frieza citadina crescente, para a qual as relações humanas estão em um plano secundário. Há o primado do trabalho, porque há o primado do dinheiro. Mas, acima de tudo, há o desprezo pela ascendência, pelos mais velhos, pelos próprios pais — vistos agora como símbolos do estorvamento de um cotidiano mecânico e maquinal. 
Na frialdade da Tóquio de Yasujiro Ozu, as famílias são reles peças de uma engrenagem maior, que não cessa nunca de trabalhar. 
Tais constatações, muito graves para a sociedade japonesa, decerto estão a valer para o resto do mundo, dada a linguagem universal da geografia de ausências das grandes metrópoles, esvaziadas de uma perspectiva humana conjunta, perdidas em meio a existências inautênticas, atabalhoadas pela rotina impessoal de uma dominância invisível e, portanto, inexpugnável.
(...)
Em “Era Uma Vez em Tóquio” o tempo não está parado, ele apenas corre vagarosamente, de modo a completar, assim, um ciclo existencial ininterrupto. Porque as gerações se sucedem umas as outras, e porque todos vamos morrer um dia, o efêmero da vida precisa adquirir uma dimensão de sentido que só o próprio homem é capaz de dar, percebendo-se a si mesmo e, em consequência, percebendo o outro.
Na geografia de ausências da Tóquio de Yasujiro Ozu, onde o tempo corre lento, porém inexorável, o sinal mais visível de que o fim aproxima-se não são os cabelos esbranquiçados ou a tez rugosa, mas sim o desprezo dos mais novos pelos mais velhos, ora abandonados à própria sorte, ou, melhor dizendo, abandonados à espera — cruelmente solitária — da própria morte.

*            *            *

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Emoção



Não bastasse o privilégio de ter os cinco netos mais lindos, ainda sou alvo do cuidado, carinho e atenção deles.
Coincidentemente, no dia 15 de outubro agora - Dia do Professor - , o Henrique, meu primeiro neto, me trouxe uma tela autenticada de Leonid Afremov, artista contemporâneo que tanto admiro  (imagens de suas telas sempre aparecem nos meus blogs e no facebook).
Estou ainda emocionada e agradecida, querendo "curtir" sozinha, por enquanto, o meu contentamento. 

(Nossa foto recebendo o quadro das mãos do Henrique "sumiu" daqui. Tentei copiar do álbum da minha linha do tempo e não deu certo)


Esse meu neto é assim amoroso, atento ao que conversamos - e conversamos muito, graças a Deus - sobre a vida, a criação humana no campo da Ciência, da Arte, enfim, falamos sobre muitas coisas; aprendo com ele a maneira de ser dos jovens e sua visão de mundo, seus planos, seus interesses, assim me mantendo parte dessa vida sempre em movimento. Sou-lhe muito agradecida também por isso. 
Nos tempos atuais, quando a tal "vida corrida" é a expressão mais utilizada, os momentos em que estamos com a família  - ele cursa medicina em Universidade Federal, daí... - aproveitamos para estreitar nossos laços de amor e amizade entre neto e avó;  um privilégio para poucos, um luxo mesmo, que agradeço à vida todos os dias.

Imagem no Google
Leonid Afremov (Vitebsk, União Soviética, 1955) é um pintor israelense de origem bielorrussa. É conhecido por seus quadros coloridos e alegres e por sua técnica de pintura peculiar: uso de espátula para pintura com tinta a óleo.

Graduou-se em 1978 na Escola de arte de Vitebsk, fundada por Marc Chagall em 1921. Afremov é um dos mais notáveis membros da escola, assim como Kazimir Malevich e Wassily Kandinsky. Viveu trinta e cinco anos na União Soviética, onde trabalhava pintando pôsteres de propaganda para o governo comunista. Descontente por ter o governo lhe ditando o que e como pintar, mudou-se para Israel em 1990.

Em Israel, conseguiu, em duas semanas, um emprego em uma agência de publicidade, pintando outdoors. Pouco antes de uma exposição, invadiram, roubaram e vandalizaram seu estúdio. Sua obra foi mal recebida: as pinturas de homens e mulheres nus chocaram a sociedade, assim como a representação de músicos de jazz negros foi mal vista por quem julgava que o artista deveria representar israelenses. Ademais, Leonid sentiu-se discriminado por não ser um israelense nato de modo que, em 2001, migrou para os Estados Unidos da América.

Nos Estados Unidos, viveu primeiramente em Nova Iorque, onde alcançou grande sucesso. Seus quadro são expostos lado a lado com artistas como Rembrandt. Suas obras são expostas em mais de sessenta galerias da Nova Zelândia, Austrália, África, Israel e EUA. Após viver dois anos em Nova Iorque, mudou-se para Boca Raton, Flórida, onde vive atualmente com sua família pois julgava que o clima frio estava prejudicando seu trabalho, tornando-o mais sombrio e menos vívido.
Leonid é casado, sua esposa chama-se Inna. Possuem dois filhos, David e Boris.



*               *               *

Emoção



Não bastasse o privilégio de ter os cinco netos mais lindos, ainda sou alvo do cuidado, carinho e atenção deles.
Coincidentemente, no dia 15 de outubro agora - Dia do Professor - , o Henrique, meu primeiro neto, me trouxe uma tela autenticada de Leonid Afremov, artista contemporâneo que tanto admiro  (imagens de suas telas sempre aparecem nos meus blogs e no facebook).
Estou ainda emocionada e agradecida, querendo "curtir" sozinha, por enquanto, o meu contentamento. 

(Nossa foto recebendo o quadro das mãos do Henrique "sumiu" daqui. Tentei copiar do álbum da minha linha do tempo e não deu certo)


Esse meu neto é assim amoroso, atento ao que conversamos - e conversamos muito, graças a Deus - sobre a vida, a criação humana no campo da Ciência, da Arte, enfim, falamos sobre muitas coisas; aprendo com ele a maneira de ser dos jovens e sua visão de mundo, seus planos, seus interesses, assim me mantendo parte dessa vida sempre em movimento. Sou-lhe muito agradecida também por isso. 
Nos tempos atuais, quando a tal "vida corrida" é a expressão mais utilizada, os momentos em que estamos com a família  - ele cursa medicina em Universidade Federal, daí... - aproveitamos para estreitar nossos laços de amor e amizade entre neto e avó;  um privilégio para poucos, um luxo mesmo, que agradeço à vida todos os dias.

Imagem no Google
Leonid Afremov (Vitebsk, União Soviética, 1955) é um pintor israelense de origem bielorrussa. É conhecido por seus quadros coloridos e alegres e por sua técnica de pintura peculiar: uso de espátula para pintura com tinta a óleo.

Graduou-se em 1978 na Escola de arte de Vitebsk, fundada por Marc Chagall em 1921. Afremov é um dos mais notáveis membros da escola, assim como Kazimir Malevich e Wassily Kandinsky. Viveu trinta e cinco anos na União Soviética, onde trabalhava pintando pôsteres de propaganda para o governo comunista. Descontente por ter o governo lhe ditando o que e como pintar, mudou-se para Israel em 1990.

Em Israel, conseguiu, em duas semanas, um emprego em uma agência de publicidade, pintando outdoors. Pouco antes de uma exposição, invadiram, roubaram e vandalizaram seu estúdio. Sua obra foi mal recebida: as pinturas de homens e mulheres nus chocaram a sociedade, assim como a representação de músicos de jazz negros foi mal vista por quem julgava que o artista deveria representar israelenses. Ademais, Leonid sentiu-se discriminado por não ser um israelense nato de modo que, em 2001, migrou para os Estados Unidos da América.

Nos Estados Unidos, viveu primeiramente em Nova Iorque, onde alcançou grande sucesso. Seus quadro são expostos lado a lado com artistas como Rembrandt. Suas obras são expostas em mais de sessenta galerias da Nova Zelândia, Austrália, África, Israel e EUA. Após viver dois anos em Nova Iorque, mudou-se para Boca Raton, Flórida, onde vive atualmente com sua família pois julgava que o clima frio estava prejudicando seu trabalho, tornando-o mais sombrio e menos vívido.
Leonid é casado, sua esposa chama-se Inna. Possuem dois filhos, David e Boris.



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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

No tempo da minha infância - Ismael Gaião


Esse minitexto estava perdido no arquivo Word. Gosto de tudo "arrumadinho"...


Itatiaia, 19 de outubro de 2013, sábado à noite

Sem internet. Será que vai começar o efeito de verão? Sim, porque aqui, quando chega a época das chuvas, o servidor (Itatinet, que eu chamo de Eitatinet) interrompe a conexão.

Ontem, por volta das 21 horas, houve um apagão geral e pensei que fosse no bairro; mais tarde fiquei sabendo que grande parte da região Sul Fluminense ficou no breu. Tá feia a coisa...

Pois bem, a energia (luz, força elétrica) só voltou hoje, mais de 20 horas depois. Beleza, né? 
Então vamos pensar: "cidadezinha qualquer, um homem vai devagar, um cachorro vai devagar, devagar as janelas olham..." – aêê, Drummond! -  sem eletricidade, ainda que por uma noite e um dia... 

Estranhamente, desta vez achei muito bom. Machado de Assis disse que “a solidão é oficina de ideias”. Sei não, o fato é que por não poder ligar os aparelhinhos “mudernos” (TV, DVD, computador, celular que descarregou...) foi tanto sossego e silêncio que comecei a criar alguns temas para novas telas, desenvolvi um pouco o trabalho e só não dei início por falta de material (estou sem telas ou painéis). Providenciarei na segunda-feira.

Organizei algumas coisas, agradeci mas dispensei o convite da Liliane para almoçar fora, fiquei em casa e arrumei quase tudo. Não fiz mais por cansaço físico mesmo.

*     *     *



 
No tempo da minha infância
Ismael Gaião

No tempo da minha infância
Nossa vida era normal
Nunca me foi proibido
Comer muito açúcar ou sal
Hoje tudo é diferente
Sempre alguém ensina a gente
Que comer tudo faz mal

Bebi leite ao natural
Da minha vaca Quitéria
E nunca fiquei de cama
Com uma doença séria
As crianças de hoje em dia
Não bebem como eu bebia
Pra não pegar bactéria

A barriga da miséria
Tirei com tranquilidade
Do pão com manteiga e queijo
Hoje só resta a saudade
A vida ficou sem graça
Não se pode comer massa
Por causa da obesidade

Eu comi ovo à vontade
Sem ter contra indicação
Pois o tal colesterol
Pra mim nunca foi vilão
Hoje a vida é uma loucura
Dizem que qualquer gordura
Nos mata do coração

Com a modernização
Quase tudo é proibido
Pois sempre tem uma Lei
Que nos deixa reprimido
Fazendo tudo que eu fiz
Hoje me sinto feliz
Só por ter sobrevivido

Eu nunca fui impedido
De poder me divertir
E nas casas dos amigos
Eu entrava sem pedir
Não se temia a galera
E naquele tempo era
Proibido proibir
Vi o meu pai dirigir
Numa total confiança
Sem apoio, sem air-bag
Sem cinto de segurança
E eu no banco de trás
Solto, igualzinho aos demais
Fazia a maior festança

No meu tempo de criança
Por ter sido reprovado
Ninguém ia ao psicólogo
Nem se ficava frustrado
Quando isso acontecia
A gente só repetia
Até que fosse aprovado

Não tinha superdotado
Nem a tal dislexia
E a hiperatividade
É coisa que não se via
Falta de concentração
Se curava com carão
E disso ninguém morria

Nesse tempo se bebia
Água vinda da torneira
De uma fonte natural
Ou até de uma mangueira
E essa água engarrafada
Que diz-se esterilizada
Nunca entrou na nossa feira
Para a gente era besteira
Ter perna ou braço engessado
Ter alguns dentes partidos
Ou um joelho arranhado
Papai guardava veneno
Em um armário pequeno
Sem chave e sem cadeado

Nunca fui envenenado
Com as tintas dos brinquedos
Remédios e detergentes
Se guardavam, sem segredos
E descalço, na areia
Eu joguei bola de meia
Rasgando as pontas dos dedos

Aboli todos os medos
Apostando umas carreiras
Em carros de rolimã
Sem usar cotoveleiras
Pra correr de bicicleta
Nunca usei, feito um atleta,
Capacete e joelheiras

Entre outras brincadeiras
Brinquei de Carrinho de Mão
Estátua, Jogo da Velha
Bola de Gude e Pião
De mocinhos e Cawboys
E até de super-heróis
Que vi na televisão

Eu cantei Cai, Cai Balão,
Palma é palma, Pé é pé
Gata Pintada, Esta Rua
Pai Francisco e De Marré
Também cantei Tororó
Brinquei de Escravos de Jó
E o Sapo não lava o pé
Com anzol e jereré
Muitas vezes fui pescar
E só saía do rio
Pra ir pra casa jantar
Peixe nenhum eu pegava
Mas os banhos que eu tomava
Dão prazer em recordar

Tomava banho de mar
Na estação do verão
Quando papai nos levava
Em cima de um caminhão
Não voltava bronzeado
Mas com o corpo queimado
Parecendo um camarão

Sem ter tanta evolução
O Playstation não havia
E nenhum jogo de vídeo
Naquele tempo existia
Não tinha vídeo cassete
Muito menos internet
Como se tem hoje em dia

O meu cachorro comia
O resto do nosso almoço
Não existia ração
Nem brinquedo feito osso
E para as pulgas matar
Nunca vi ninguém botar
Um colar no seu pescoço

E ele achava um colosso
Tomar banho de mangueira
Ou numa água bem fria
Debaixo duma torneira
E a gente fazia farra
Usando sabão em barra
Pra tirar sua sujeira

Fui feliz a vida inteira
Sem usar um celular
De manhã ia pra aula
Mas voltava pra almoçar
Mamãe não se preocupava
Pois sabia que eu chegava
Sem precisar avisar

Comecei a trabalhar
Com oito anos de idade
Pois o meu pai me mostrava
Que pra ter dignidade
O trabalho era importante
Pra não me ver adiante
Ir pra marginalidade

Mas hoje a sociedade
Essa visão não alcança
E proíbe qualquer pai
Dar trabalho a uma criança
Prefere ver nossos filhos
Vivendo fora dos trilhos
Num mundo sem esperança
A vida era bem mais mansa,
Com um pouco de insensatez.
Eu me lembro com detalhes
De tudo que a gente fez,
Por isso tenho saudade
E hoje sinto vontade
De ser criança outra vez...

*            *            *

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Tempos idos...


Falei que a tal arrumação dos livros renderia...
Aí está um texto escrito há muito, muito tempo.
**
Deixo o prédio onde durante toda a tarde estive em diálogos lúcidos, programados, coordenados, com um terminal de computador.  Trabalho concluído, tempo de voltar. Informações exatas, respostas imediatas.

No táxi - inacreditavelmente consigo um táxi logo ao pisar a calçada - o motorista bem humorado (porque bêbado) dirige descascando uma laranja e insiste em levar-me à Igreja, quando o que pretendo é ir para o hotel e descansar para ir embora amanhã. Convenço-o afinal. Quero chegar logo.

Preciso estar um pouco só e desmanchar a organização eletrônica, desalinhar os cabelos presos, desabotoar os sentidos, descalçar o asfalto.

Entro no apartamento. Chuveiro ou telefone? A lista telefônica - enorme - se oferece desafiadora, numa cumplicidade impaciente. O chuveiro - discreto - espera paciente, numa certeza antiga.

A cidade é imensa, teu nome curto consta nas primeiras páginas.

Ousadia ou ansiedade trazem-me tua voz incrédula mas extremamente doce repetindo perguntas irrespondíveis.

- "Estamos sob forte carga emocional" , dizes.
Não falo.
Dezesseis anos de silêncio atordoam minha alma atônita.

Sueli Madeira



*            *            * 

Arrumação do baú...



Pois é... cada dia é um dia. Frase mais filosófica para começar uma conversinha, né? Nnhéé...

O chato é que a internet hoje tá com preguiça. E que preguiça... caraaaca!

Esse negócio de teclado acabou de vez com a minha agilidade para escrever manualmente. Além disso, a idade traz um tremor esquisito, a letra vai se deteriorando.  Uma pena, porque todos diziam que eu tinha uma "caligrafia" bonita (só mais tarde um pouco vim a saber que isso é pleonasmo; cali, prefixo que significa bem feito, bonito, ).
O mérito dessa caligrafia vai para aquelas freiras do internato; eu era bem levadinha (embora fosse ótima aluna, viu?) e atormentava o colégio inteiro. Assim, na maioria das vezes acabava de castigo.
O castigo eram as infindáveis cópias de frases "motivadoras" ou "disciplinares" como queriam aquelas mulheres com roupas de pinguim  - hábito preto, antigão, que impunha o maior respeito (ou não? hahaha). As garotinhas eram enviadas por seus pais aos colégios de freiras para se tornarem moças respeitáveis e senhoras de classe. Ô tempos, viu? Maior sacanagem com a gente...
Eu copiava, copiava... parecia um monge beneditino! Se alguma colega participava da travessura, iam todas para o tal castigo; sempre havia uma chorona que não dava conta de fazer as cópias e eu ajudava, não por solidariedade, antes por egoísmo: quanto mais demorássemos para terminar, o castigo se estenderia. Então...

Enfim, essa conversa mole aí é resultado da arrumação dos livros, das minhas coisas inúteis mas queridas e que guardo com carinho.
Parece o meu caderno...hahaha!!
Encontrei um caderno - esse já do tempo da Faculdade - com tanta coisa bonita... registros e anotações de aulas interessantíssimas, impressões sobre as aulas, poemas, recortes,  textos sobre os autores, tudo muito organizado e com a tal letra bonita. Eu era mesmo aplicada...
O papel está um pouco amarelado pelo tempo, o que tem seu charme...

Entre as muitas frases que encontrei, essa de S. Freud (sim, ele, o psicanalista), endereçada a uma de suas discípulas, a senhorita Lou Salomé:  "Você tem um olhar como se fosse Natal."
Uma preciosidade, hein?! rsrsrs

Aliás, esse é um dos registros sobre a importância dos olhos (ou olhar) na construção de personagens, no discurso do eu-lírico. Há outros exemplos:

"Os olhos de Capitu, quando recebeu o mimo, não se descrevem; não eram oblíquos, nem de ressaca, eram direitos, claros, lúcidos..." (Machado de Assis em "Dom Casmurro")

"Quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus resolvem se encontrar / Ai, que bom que isso é, meu Deus / Que frio que me dá o encontro desse olhar..." (Tom Jobim, "Pela luz dos teus olhos")

"Teus olhos são duas contas pequeninas / são duas pedras preciosas / que brilham mais que o luar..." (Garoto, "Duas Contas")

Coisas assim, que há muito tempo não lemos nem vemos em lugar nenhum e que trazem mais poesia ao nosso cotidiano.

Estou gostando dessa arrumação. Vou continuar...

*            *             *

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Vida - Leonardo Sakamoto


"A definição de “vida” do livro Ciência e Vida com o qual passei a 3ª série do 1º grau é: “processo através do qual os seres nascem, crescem, reproduzem-se, envelhecem e morrem”.

Mas a vida, em verdade, é muito mais do que isso.

Pelo menos é o que os relatos de milhares de anos de história humana fazem crer.

Há algo entre o nascer e o morrer que nos faz únicos.

E não é o tempo que permanecemos no planeta e sim a forma como gastamos esse tempo."


(Leonardo Sakamoto - In: BLOGDOSAKAMOTO.BLOGOSFERA.UOL.COM.BR)

*           *            *

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Mais uma do Xico Sá - que sempre me diverte...

O infalível Método Janjão para subir na vida
   Xico Sá - 25/08/13

No conto Teoria do Medalhão, de Machado de Assis (aí no traço do Spacca), o pai aconselha o filho, o abestalhado Janjão, 21 anos completos, a como triunfar na vida – seja no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes.

Entre os conselhos, como a manha da bajulação e da queda pelo foguetório da publicidade, alerta o donzelo sobre a esperteza de ter sempre na manga do paletó uma função de reserva, para o caso de não prosperar no ramo profissional desejado: “…assim como é de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição,” soprou o velho para o jovem almofadinha.

O sonho maior é ser um medalhão, mas se não der, por que não tornar-se apenas um bom advogado?… Se não der em um bom advogado, por que não ganhar a vida como um rábula de porta de cadeia, ainda mais no mundo de tantos corruptos á procura de habeas-corpus?

O mesmo vale nos dias de hoje nas raias da política, da cultura, do entretenimento e da fama. Não conseguiu emplacar como um bom ator? Ora, grave um disco. Não conseguiu brilhar como cantora? Não faz mal. Tente ser apresentadora de programa infantil… Faltou financiamento para o cinema? Bem-vindo ao jornalismo, como fez o Arnaldo Jabor, para o bem ou para o mal de um dos dois.

Baseado na teoria do conto machadiano, este escriba, que acabou nas redações por falhar seguidas vezes no concurso do Banco do Brasil – sonho de todo bom pai do interior – deixa seus conselhos, ou melhor, pitacos à bagatela, para aqueles que procuram fugir do atoleiro das obscuridades, independentemente dos ofícios que abracem:

Nome próprio – Não careces enfiar tantos ll dobrados, kk, ys e quetais, mas é bom que tenhas um batismo artístico curtinho. Em 1942, Mário de Andrade já alertava o então Fernando Tavares Sabino, que derramara no papel os primeiros contos, a cortar um dos sobrenomes. Dito e feito.

Ideias – “O melhor será não as ter absolutamente”, como diz o pai do Janjão, o mancebo citado logo ali, na cumeeira desta crônica.

Ironia – Eis o ímã para chamar inimigos e puxadores-de-tapete aos borbotões. Nem diante do espelho deves ensaiar este movimento de canto de boca, recurso inventado, segundo o pai de Janjão, por algum grego da decadência.

Citações – A depender do auditório. Como todo bom mineiro sabe, em terra de sapo… de cócora com ele. Em um ambiente sério e respeitoso, Shakespeare, sempre Shakespeare; entre mulheres e gays, Wilde, muito Oscar Wilde.

Importante: não te apresses a dizer o nome do feliz proprietário da frase, omita-o. Para quem sabe a autoria, não haverá nenhum pecado nisso; e aos ouvidos dos tolos, soará como uma boutade de sua mente privilegiada. Arrancarás suspiros!

Metáforas – Tão-somente as ululantes ou futebolísticas, como o ex-presidente Lula.

Polêmica – No Brasil, o reacionarismo não é uma maneira de reagir a algo ou alguém, é meio de vida. Polemize. Principalmente sobre o que ignora. Como a medicina cubana, por exemplo.

Bajulação – Não te limites a acariciar os chefes, críticos e demais pessoas que possam te ajudar neste alpinismo apenas com os adjetivos da submissão e da mesquinhez. Mimos retóricos não bastam – nem mesmo quando embutem um certo jabá do erotismo e do assédio. Estas criaturas-degraus devem ser tratadas a pão de ló e caros presentes, não te envergonhes e trate-os além muito além das tuas próprias posses.

Metafísica de mulherzinha – Excelente, indispensável. Trata-se daquele discurso sub-Clarice Lispector, com um pouco de sub-Fernando Pessoa, com o qual, sendo tu fêmea ou não, escriba ou não, narras as tuas dúvidas e inseguranças mais comezinhas, teus lunduns telefônicos, teus queixumes de banheiro, tuas incomunicabilidades de TPM, teus eus perdidos que enchem o saco de todos os nossos outros eus.

*            *            *

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sobre a arte da escrita...


"Texto significa tecido, teia, uma teia tecida com letras entrelaçadas pelo desejo travestido em aranha; uma aranha ilógica da escrita arranha a pena ao papel e sem nenhuma pena captura o leitor e o devora.
E destas entranhas, desta estranha aranha-teia-texto, inicia uma travessia.
Uma travessia pela escrita, onde o escritor atravessa e deixa-se atravessar pela linguagem, viagem na qual, através do próprio trilhamento, um autor se constitua, nos percalços desta teia-aranha, ao se arranhar na castração e ao procurar a sublime-ação de tecer e destecer a própria escrita, a própria história, de enxugar inundações, cortar por atalhos, encurtar caminhos, desinvestir ideais, desvestir fantasias, criando uma nova relação com a linguagem, uma nova rearticulação simbólica do sujeito diante do Real.

(...)

A arte [ ] reluzirá sempre o esplendor do objeto perdido e ocultará o seu mistério indevassável, mítico, e resistirá num casulo, num núcleo inacessível a quaisquer interpretações de sentido e, espero, a qualquer tentativa de devastação por parte do próprio homem, seu criador.

Ela impulsionará, silenciosa, o arco e flecha de Eros, a fisgar e enlaçar humanos, erótica e afetivamente, criando vínculos sociais, civilizatórios e éticos.
Se exibe, despida sob véus, para ser usufruída, fruída em seu charme e fascínio encantatórios, sem nunca se tornar totalmente compreendida, explicada ou devassada.

E quanto à chave da criação poética, segredo revelado a alguns mortais ungidos pela Graça Divina, esta foi achada por Drummond durante sua “Procura da poesia”, no exato momento em que o poeta nos pergunta:

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?" 

*            *            *

Marília Brandão Lemos Morais
Psicanalista do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
Médica Psiquiatra.
Autora do livro de poemas Resíduos,  publicado em 2004 pela Editora B.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

"O fabuloso destino de Amélie Poulain"

Artigo de Bruna Vieira de Assis - "Obvious"


AMÉLIE POULAIN - UM BRINDE ÀS COISAS SIMPLES DA VIDA

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain  já nasceu cult e clássico. 
O filme de Jean-Pierre Jeunet é um brinde à vida e sua simplicidade. Como em um belo banquete, onde tudo deve ser detalhadamente degustado e apreciado...


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"Em 3 de Setembro de 1973, às 18:28:32 uma mosca califorídea, capaz de 14.670 batidas de asas por minuto pousou na Rua Saint Vicent em Montmartre, no mesmo segundo num restaurante perto do Moluin-de-la-Gralette o vento esgueirou-se como por magia sob uma toalha fazendo os copos dançaram sem que ninguém notasse.
Nesse instante, no 5º distrito Eugéne Colere, de volta do enterro de seu amigo Èmile Maginot, apagou seu nome da caderneta de endereços... Ainda nesse mesmo segundo, um espermatozóide de cromossomo X, pertencente ao Sr. Raphael Poulain, destacou-se do pelotão e alcançou um óvulo pertencente à Sra. Poulain, em Solteira, Amandine Fouet."

"Nove messes depois nascia Amelie Poulain."


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É uma obra rara, linda e simples da sétima arte que nos leva ao universo particular de alguém que poderia ser qualquer um de nós. Mas é Amélie.. 

É fantástico observar o destino, a vida, como ela própria se coloca em nossa frente com seus detalhes peculiares, suas cores, seus tons, seus gostos e prazeres. E seus inúmeros toques, suas buscas, perdas e encontros. 
Por 122 minutos aproximadamente, Amélie nos convida a viver, nos instiga a percorrer novas rotas e sair do nosso "comum". 
Nos ensina a saborear, observar , registrar e a realmente amar. É amar, aquilo que é simples e belo por apenas ser. Que por várias vezes, devido a correria e "falta de tempo" nos passa totalmente despercebido. 
Amélie Poulain é um brinde ao toque e ao detalhe. 
"Também gosto de procurar detalhes onde ninguém vê." 

Portanto, encontre sua caixinha de surpresas e saia em uma aventura colorindo seu destino, assim como ensina a senhorita Poulain.
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Amélie, cultiva um gosto particular pelos pequenos prazeres. Como enfiar a mão bem fundo no saco de cereais entre outros...

Jogar pedras no canal Saint Martim.


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Quebrar a cobertura do "creme brülée" com a colher.


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Nas noites de sexta, as vezes ela costuma de ir ao cinema...
"Gosto de me virar no escuro e observar o rosto dos outros..."
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Mas e o amor? É mais um detalhe que na hora certa, deverá ser notado...


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*            *            *

"Cheio de beleza e com uma banda sonora verdadeiramente marcante.
Voltaire disse um dia que "a delicadeza é para o espírito aquilo que a graça é para o rosto." 
E Voltaire não teve a felicidade de conhecer Amélie Poulain. 
Amélie, esta, tem um sorriso maroto, meio malandro, como se a cada momento se preparasse para pregar uma partida a alguém. E tem uns olhos grandes, enormes, do tamanho das fantasias que lhe perpassam constantemente pelo cérebro.

No princípio: Amélie teve uma infância infeliz. Vítima de uma enfermidade que afinal não tinha mas que lhe fora diagnosticada, a pobre vive uma meninice arredada do convívio com as outras crianças, perde a mãe e perde o pai. Uma porque morreu e o outro porque não quer a vida.

Jean-Pierre Jeunet, começa o filme muito ao jeito de «Magnólia», assentando a génese da narrativa num processo resultante do efeito dos acasos que se conjugam formando estranhas coincidências.

Depois: uma infância infeliz não tem necessariamente que originar um adulto amargurado. 
E Jeunet inicia neste pressuposto uma áurea de teórico positivismo sobre a vida e seus personagens que não mais abandonará até final.

E também, falando-se de Voltaire, chame-se agora a este comentário Wilde; este afirmou, grosso modo, que "o egoísta não é o que vive como quer mas o que exige que os outros vivam como ele quer." Certo. Mas afirmou depois que "o altruísta é o que deixa os outros viverem sem interferir nas suas vidas."  
Nada mais errado, prova-o Amélie Poulain.

«Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain» (que bem que soa este título em francês) é um filme longe do tradicional rumo do cinema. Longe do habitual realismo tão obscuro quanto pessimista, este filme do cinema francês evoca um certo imaginário infantil aqui transportado para a nostalgia de que são formadas as memórias dos adultos. 
Um filme onde se cruzam histórias de uns, os da ficção, que se fundem nas de outros, os da realidade. Um filme que é um tributo à cor, à alegria, imensamente rico nas variadas personagens que o percorrem. 
Personagens de ficção copiadas da realidade que vivem as suas vidas de forma quase resignada, incapazes da ambição da verdadeira felicidade. 
É Amélie quem se intromete nessas vidas e lhes procura, por vezes com tão pouco, dar um novo sentido. 
E, embrenhada em tarefas altruístas, nem se apercebe que ela mesma receia dar esse passo na sua vida, que ela mesmo tem medo de ser feliz.

E é assim que decorre este filme, num clima impregnado de fantasia e brilho. Um filme que é tecnicamente excelente, recheado de efeitos especiais que permitem um estado de espírito estranho pela suave tranquilidade que a sua visão transmite. 
Diria ainda que é um filme baseado em bons princípios, em pequenas coisas de que às vezes julgamos poder prescindir no dia-a-dia mas que poderão revelar-se essenciais ao equilíbrio emocional de cada um.
Enfim, foi deste modo que vi «O Fabuloso Destino de Amélie Poulain» e o recomendo vivamente. 
Às vezes sabe muito bem ver um filme assim."

OBS.: (A página não traz a autoria desse texto. Parece-me escrito em português de Portugal).

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