sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Filme "Mar a dentro" - Atenção: 'spoiler'!


Mar adentro
Texto embasado na resenha de Marta Kanashiro

Elogios ao filme Mar Adentro, dirigido por Alejandro Amenabar, não são exagerados.
A obra recebeu 14 prêmios Goya, dois prêmios no European Film Awards, um Grande Prêmio do Júri e um Volpi Cup de melhor ator para Javier Bardem, que interpreta o protagonista.
E a lista de premiações não acaba aí. Recebeu um Oscar, um Globo de Ouro e um Independent Spirit Award, os três na categoria de melhor filme estrangeiro.

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Da janela, uma verde paisagem traz o vento a remexer as cortinas e os desejos de liberdade, de movimento.
Daquela abertura da janela, o mundo todo se descortina a Ramon Sampedro.
Já na primeira cena do filme espanhol Mar adentro, o espectador é colocado no lugar do protagonista, diante dessa janela e dos desejos, sonhos e impossibilidades que se prefiguram.
A imagem será usada no decorrer do filme como recurso simbólico, uma fronteira a ser ultrapassada para alçar belíssimos voos oníricos aos quais o personagem nos leva e que são sua única possibilidade de deslocamento.
A câmera é o seu olhar, e também o do espectador.
Um espécie de jogo com o dentro e o fora, o colocar-se no lugar do outro e depois ser seu observador, e com outros duplos, a vida e o movimento versus a morte e a paralisia, para construir jogos comoventes que envolvem, seja pela sensibilidade no tratamento do tema da eutanásia, pela fotografia ou a trilha sonora.

Mar adentro conta a história verídica de Ramón Sampedro, um espanhol que ficou tetraplégico após um mergulho e viveu 29 anos depois do acidente sendo cuidado por seus familiares, lutando pelo direito de “morrer dignamente”, como ele mesmo dizia.
Seu caso foi levado aos tribunais em 1993 para conseguir a legalidade da eutanásia, mas o pedido foi negado.
Na carta de Sampedro destinada aos juízes, em 13 de novembro de 1996, desdobra-se uma ideia que aparece repetidas vezes no filme: “Viver é um direito, não uma obrigação”.
Assim, Ramón coloca em cheque a regulação da vida e da morte pelo Estado e pela Igreja e acusa “a hipocrisia do Estado laico diante da moral religiosa”.

O debate com a igreja sobre eutanásia aparece no filme na figura de um padre, também tetraplégico, que resolve visitar Sampedro.
Como a escada para o segundo andar, onde se encontra o protagonista, é muito estreita e não permite que passe a cadeira de rodas do padre, os dois comunicam-se via um seminarista, que corre de um lado a outro dando recados com uma expressão tensa, ansiosa e confusa, como se estivesse prestes a submergir numa profunda crise existencial e religiosa. Até que o padre e Sampedro passam a conversar aos berros e sem mediação, de um lado falando-se da importância de manter a vida, de outro, denunciando-se que a Igreja Católica não tem moral para falar de respeito à vida depois da Inquisição.

O personagem de oposição direta ao padre é a advogada Julia, que quer cuidar do caso de Sampedro. Se por um lado o padre, pelo seu estado físico e representando a Igreja, parece ter legitimidade para tentar dissuadir o protagonista da ideia de eutanásia, a advogada Júlia, portadora de uma doença degenerativa hereditária (Cadasil), que se caracteriza por acidentes vasculares recorrentes que conduzem à invalidez e demência, procura trazer a discussão e a legitimação do caso para o plano racional, individual e não dogmático.
Ao mesmo tempo, Júlia também é o canal entre o espectador e as poesias, as viagens e toda a vida de Sampedro antes do acidente. Juntos escrevem um livro, partilham cigarro, trocam beijo, afeto, impossibilidades, desejos, frustrações e têm a morte como finalidade.

Momentos tensos, de debate, momentos de ternura e da impossibilidade do contato físico, a dor da família de Sampedro, mas também a do protagonista.
Quando em 1998, Ramón consegue encontrar, na figura da personagem Rosa, “alguém que realmente o ame e o ajude a morrer”, ele deixa um testamento concluindo o argumento da vida como obrigação, e aliando a ela um debate que sinaliza as tensões e as questões de poder que permeiam a vida e a morte:
“Srs. jueces, negar la propiedad privada de nuestro propio ser es la más grande de las mentiras culturales. Para una cultura que sacraliza la propiedad privada de las cosas – entre ellas la tierra y el agua – es una aberración negar la propiedad más privada de todas, nuestra Patria y Reino personal. Nuestro cuerpo, vida y conciencia. Nuestro Universo".

A questão da eutanásia destacou-se  não apenas pelo sucesso de Mar Adentro e do filme norte-americano Menina de ouro (que trata do mesmo tema), mas também porque, enquanto os dois concorriam ao Oscar, na mesma época desenrolava-se o caso da norte-americana Terri Schiavo, que morreu após decisão judicial para que fosse suspensa a alimentação artificial que a mantinha viva há 15 anos.
A ampla discussão que se deu desde então deixou claro que, com exceção de países como Holanda e Bélgica, que aprovaram leis de eutanásia, esta é praticada de forma ilegal mas recorrente, em vários hospitais do mundo.
No auge da repercussão, o caso levou o já convalescente papa João Paulo II, que sofria de uma doença degenerativa incurável, a divulgar uma comunicação para mobilizar a opinião pública contra a eutanásia.

Ramona Maniero (figura real) confessou ter ajudado Sampedro a tomar cianureto para morrer.
A confissão veio depois de sete anos do ocorrido, quando o delito já estava prescrito e ela não poderia mais ser julgada. Ramona era considerada a principal suspeita da morte de Sampedro e chegou a ser presa, mas foi solta por falta de provas.

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O filme nos faz pensar ainda nas diversas maneiras de conceber o amor.
Por exemplo, vemos a história de Ramón através das diferentes mulheres que rodeiam sua cama. Primeiro, o amor protetor de Rosa, moradora da pequena cidade e curiosa da situação de Ramón; estabelece-se uma forte amizade entre os dois.
Depois, com Julia, percebemos uma conexão intelectual; compartilham preocupações similares e concepções totalmente distintas da vida e da morte.
Outra é a relação pai-filho de Ramón com seu sobrinho.
Também é muito importante a relação de amor e desentendimento fraternal entre  Ramón e José.
E ainda a relação com sua cunhada, de absoluta cumplicidade, maternal, onde as palavras são quase desnecessárias porque se entendem com um olhar.
Além disso, "Mar adentro" é um dos versos de um poema de Ramón dizendo que o mar lhe deu a vida e o mar a tirou. Para Ramón, o mar é, também, a sensação de escape. É essa linha do horizonte que nunca se acaba, representando o infinito.
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O final está implícito no texto; achei  triste, melancólico e irônico (o destino apronta, viu?)




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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Tarot ...

Para hoje, 23 de janeiro de 2015, a carta Ás de Espadas do tarot sugere:



“Há momentos em que a atitude mais sedutora é aquela que não prima pela docilidade, mas que se compromete com a verdade. 
É quando sabemos que não estamos sendo simpáticos, mas estamos sendo honestos.

Ainda que não agrademos, não há como negar o notável poder sedutor da pessoa que age com integridade – mesmo quando age de uma forma superficialmente antipática.”

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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

"Acabou o nosso Carnaval"... será?


Ah, Vinícius, nosso 'poetinha' maior e um eterno romântico...

Letra lindíssima, porém muito otimista para o momento atual

Perdoe essa realista aqui, mas acredito que no Brasil o Carnaval dura o ano inteiro; e somos nós, o povo, os milhões de palhaços no picadeiro.


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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Preparativos para a folia...



Pois é... devo ter, mesmo, alguns parafusos frouxos... (cresci ouvindo isso, hahaha!). Enfim, nada e ninguém teve sucesso tentando apertá-los para que as coisas funcionassem a contento em qualquer época. Continuo esquisita, fazer o quê?

Bom, terminei de ler (não digo reler, porque aquela leitura obrigatória do colégio não vale) o "Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meireles, que recomendo. A História pela lente sensível, poética e melancólica de uma das autoras preferidas.
Minha Minas Gerais é sempre uma inspiração e  nestes tempos bicudos, gosto de pesquisar de onde vem tanta maluquice no governo deste nosso país incrível. A coisa parece enraizada...

Decidi, então, retomar as "Cartas Chilenas", de Tomás Antonio Gonzaga - essas realmente me divertem - com toda a irreverência permitida para a época, mas cujos versos ainda ressoam e se ajustam a este Brasil tão difícil.  Olha aí:

"Apenas, Doroteu, o nosso chefe
As rédeas manejou, do seu governo,
Fingir-nos intentou que tinha uma alma
Amante da virtude. Assim foi Nero.
Governou aos romanos pelas regras
Da formosa justiça, porém logo
Trocou o cetro de ouro em mão de ferro."
(...)

"Aquele, Doroteu, que não é santo, 
Mas quer fingir-se santo aos outros homens, 
Pratica muito mais, do que pratica 
Quem segue os sãos caminhos da verdade.
Mal se põe nas igrejas, de joelhos, 
Abre os braços em cruz, a terra beija, 
Entorta o seu pescoço, fecha os olhos, 
Faz que chora, suspira, fere o peito, 
E executa outras muitas macaquices
Estando em parte onde o mundo as veja. 
Assim o nosso chefe, que procura 
Mostrar-se compassivo, não descansa 
Com estas poucas obras: passa a dar-nos
Da sua compaixão maiores provas."
(...)

"Já leste, Doroteu, a D. Quixote? 
Pois eis aqui, amigo, o seu retrato;
Mas diverso nos fins, que o doido Mancha 
Forceja por vencer os maus gigantes 
Que ao mundo são molestos, e este chefe 
Forceja por suster, no seu distrito, 
Aqueles que se mostram mais velhacos.
Não pune, doce amigo, como deve, 
Das sacrossantas leis a grave ofensa; 
Antes, benigno, manda ao bom Matúsio 
Que, do seu ouro próprio se ressarça 
Aos aflitos roubados toda a perda.
Já viste, Doroteu, igual desordem?
O dinheiro de um chefe, que a lei guarda,
Acode aos tristes órfãos e às viúvas;
Acode aos miseráveis, que padecem
Em duras, rotas camas, e socorre,
Para que honradas sejam, as donzelas,
Porém não paga furtos, por que fiquem
Impunes os culpados, que se devem,
Para exemplo, punir com mão severa."
(...)

E isto é apenas o começo... é a primeira das treze cartas de Critilo ao seu amigo Doroteu, naquela "Vila Rica"  de acontecimentos históricos e culturais..

Ah, como eu gostaria que cada brasileiro pudesse ter estudado a História do Brasil assim...

Então, para os dias de folia que se aproximam, fico aqui com as "Cartas Chilenas".

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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Apenas comentando

Postagem recebida no facebook em 01 de fevereiro.
Comentei com meu texto abaixo mas não enviei. Talvez trouxesse discussões estéreis.



Comentário NÃO enviado

Gente... o fenômeno da sincronicidade comigo funciona mesmo! Dá uma olhada no texto que escrevi hoje, por um acontecimento também hoje:

Itatiaia, 30 de janeiro 2015 – sexta feira

Impressionante a capacidade de dispersão - ou abstração, já nem sei mais - de algumas pessoas... Pode-se falar o que quiser, em voz alta, e elas não ouvem, não dão a mínima. 'Concentração braba !' Ou não. Eu, hein?
Até o olhar é meio abestalhado.
Não estou me referindo a uma pessoa especificamente, embora o ocorrido hoje tenha endereço sim.

Também não quero culpar os novos brinquedinhos tecnológicos porque mesmo antes da invenção dessas geringoncinhas, conheci e convivi com gente estranhamente alheia à presença de outros. Acho isso muito esquisito.

Atualmente, como tudo é pesquisado e rotulado pela Medicina, o diagnóstico dessa grossura que parece acometer muita gente é o tal de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), doença cercada de controvérsia.
Por atingir principalmente crianças, muitos pais enxergam problemas onde eles não existem — sintomas isolados são comuns nesta fase da vida.
Também há quem não preste atenção ao conjunto de sintomas que a caracterizam: quadros de desatenção, hiperatividade e impulsividade de maneira exacerbada.
Na fase adulta, o problema pode se manifestar como a causa de uma severa baixa autoestima, além de afetar os relacionamentos interpessoais, uma vez que a pessoa tem dificuldades em se ajustar a horários e compromissos e, frequentemente, não consegue prestar atenção nos outros. Essa é a informação técnica profissional médica.

Não duvido nem de que haja realmente as pessoas que apresentam esse quadro patológico nem de que, muitas vezes, trate-se apenas de resultado de uma péssima educação.

Está se tornando muito comum a pessoa sempre se colocar no centro de qualquer atividade, de qualquer assunto. É a vez do Eu, eu eU eu...por isso, o outro pouco importa. -'Ah, ele falou alguma coisa?', - ' O quê? Eu estava distraído.....' e por aí vai. Isso, quando não cai aquele silêncio mortal.

Bem, mas se a medicina descobriu uma nova doença e lhe deu um nome tão pomposo, a sugestão é aproveitar o embalo e procurar por diagnóstico confiável e correspondente tratamento que melhore o estar em sociedade, a interação, a atenção (o muderno é "foco"), enfim, tentar não receber atestado de idiota ou mal educado.

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domingo, 1 de fevereiro de 2015

Solitário mas enriquecedor...



Domingo solitário este... exceto pela ligação, de manhã, da filha caçula.  Ela até me convidou à casa dela, mas estou desanimada e com calor.

Fiquei aqui mesmo, cuidando das minhas coisas, do bendito coelho Quinho que continua exterminando sem dó as minhas plantas - agora, nem minha linda "Dama da noite", aquela presenteada por amigos escapou. O bicho fica se equilibrando nas patas traseiras e alcançou as primeiras flores que apareceram.  Ô vida...

Dei um olhadinha no facebook, cumprimentei os amigos mas logo saí para cuidar da casa, do almoço e organizar um pouco meus livros. Adoro faxina na estante. Levo o dia inteiro, claro, porque é impossível não folhear páginas já lidas tantas vezes com sentimentos e olhares sempre diferentes.

Já estava anoitecendo quando vim escrever no bloguinho e constatei a ausência de sinal da internet. Ah, esqueci que está ameaçando chuva (bem longe, bem longe porque o barulho dos trovões é fraquinho, denunciando a distância).  Enfim, aqui é assim mesmo.
Tudo bem, escrevo no word e depois passo para o blog.

Então, chegou a vez de "Andorinha, andorinha" (dos livros) de Manuel Bandeira, numa seleção e coordenação de textos de Carlos Drummond de Andrade.  Dá pra sentir a preciosidade.  Pois é, um livro que comprei do antigo 'Círculo do livro' (quem lembra?) em 1989.
Abro aleatoriamente, e...  (impossível resistir):

" Quando tive a honra de ser recebido na Peña Diplomática Rui Barbosa,  Cecília Meireles, que foi convidada para a cerimônia, não pôde comparecer.  No dia seguinte, porém, mandou-me uma braçada de rosas com este dístico:
' Nunca fazemos o adequado, quando
louros mandar devia, flores mando. '

Ao que respondi, no mesmo metro e rima:
' Melhor que o louro é a rosa, ainda mais quando
juntas teu verso à flor que estás mandando.'

16-11-1958"

Está na página 406,  no capítulo intitulado "Leves e breves" (acredito 'selecionado e coordenado' por Drummond).

No mesmo capítulo, uma página anterior, outras maravilhas, segundo o próprio Bandeira "...frases ouvidas na infância" e que "me soaram insólitas e inexplicáveis.  Adulto, ouvi outras, sem nenhum mistério, mas igualmente surpreendentes.  Assim, a de uma dessas mocinhas (na verdade, Bandeira usa outra palavra, hoje considerada politicamente incorreta, e eu que não sou besta...) de Copacabana, cabelizadas e maquiladas, que tratava emprego com a senhora:
- A que horas a senhora janta?
- Às oito horas.
- Não pode ser às sete?
- Quem marca o horário das refeições em minha casa sou eu, não a cozinheira.
A mocinha então, muito gentil: 
- Claro, não leve a mal que eu pergunte; não vê que eu sou mulher da vida e tenho de noite o meu trabalho lá fora.  
(14-5-1961)"


Enfim, me divirto com esses textos, com essas lembranças e saudades (por que não?) com esse modo antigo de viver, com as  relações de amizade, delicadeza e brincadeiras.  Tempos idos...

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