domingo, 29 de março de 2015

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - O inimaginável

O inimaginável
Luís Fernando Veríssimo - 'O Globo', 29 de março 2015

Se você já se cansou de escândalos e quer fugir deste cotidiano de intolerância e troca de insultos — ou seja, se cansou do Brasil atual —, sugiro uma solução, mas com um aviso: você estará trocando uma angústia, digamos, cívica, por uma angústia existencial — o que não deixa de ser uma saída. Se estiver disposto, siga-me.

Minha sugestão é: vamos pensar no universo e esquecer todo o resto?
Já se chamou isto de “pensar nas últimas coisas”, mas o problema é que os cientistas ainda não chegaram a um acordo a respeito das primeiras coisas.
Teorias sobre o começo do mundo continuam a ser só isso, teorias.
Até algumas que pareciam ser universalmente, sem trocadilho, aceitas continuam em discussão, como a teoria do Big Bang, que teria criado tudo em segundos.
Agora, estão dizendo que não houve o grande pum.

Especulações sobre o que existia antes da explosão inaugural — era o nada absoluto ou não era nem o nada? — devem ser substituídas por uma questão ainda mais estonteante, pois se as novas especulações (provocadas, se entendi bem, pela descoberta de pequenos buracos negros indicando a existência de universos paralelos) estiverem certas, significará que o universo, ou a versão do universo que você e eu habitamos, nunca começou. Sempre existiu!

A mente humana não está capacitada a entender uma coisa que existe sem nunca ter começado.
O conceito do infinito para os dois lados é demais para quem está acostumado a uma vidinha orgânica, em que tudo nasce, cresce, declina e, que remédio?, acaba.
O infinito para a frente ainda é, com algum esforço, concebível. O infinito para trás não cabe na nossa cabeça.

Cientistas, e principalmente, físicos, são um pouco como bombeiros, policiais, desmontadores de bombas e domadores de circo, habituados a enfrentar situações extremas que espantam os outros.
Vão aonde ninguém mais vai.
No caso dos físicos, até as bordas do conhecimento, sem medo de serem engolidos pelo inimaginável, como um leigo.
Mas duvido que em algum ponto das especulações eles não lamentem os limites naturais mesmo de uma mente privilegiada, e concluam que nenhuma teoria, jamais, chegará perto da verdade sobre a origem da matéria.

Eu já estou com saudade do Big Bang.

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segunda-feira, 23 de março de 2015

"Escrever é um dom?" - Mariblue


Escrever é um dom?
Mariblue - "Obvious - recortes"

Lidamos com elas o tempo todo. Elas, as palavras. 
Diz o poeta que não se deve perturbá-las, mas fitá-las, escutá-las e percebê-las. 
Senti-las para sorvê-las e para dizê-las. E isso não se faz de qualquer jeito. Temos de buscá-las. Saiamos à sua procura e por meio dela conquistemos a liberdade e alcancemos a verdade da vida.


Certa vez ouvi dizer que escrever liberta. E o tempo, esse sagaz companheiro, provou que essa é uma verdade intangível.
Escrever liberta. Expande. Estimula. Amplia. Libera. Exorciza. Atenua. Alivia. Polemiza. Esclarece. Permite. Possibilita. Alerta. Traduz. Revela. Desvela. Sela.

Escrever é a arte de pintar com palavras. 
É selecionar da paleta de tintas do vocabulário a 'cor' que melhor condiz com aquele sentimento, com aquele estado de espírito, com aquilo que vai na alma. 
É combinar nuances de intensidade, cartelas de significado, amostras de possibilidades. 
Escrever é pinçar palavras de uma infinita lista e gravar para sempre na tela sagrada que é o coração dos olhos que leem.
A palavra dita evapora, facilmente se dissipa, é passageira e volátil, é efêmera. O seu registro, entretanto, é algo concreto, certo, perene e possível. 
À medida que escrevemos revelamos novas formas de conceber e traduzir a realidade. 
Tecemos à nossa maneira a trama do cotidiano, trançando e destrinchando o rico arsenal semântico-sintático, ganhando talvez com isso a chance de tocar com dedos férteis territórios inexplorados e desconhecidos de terceiros.

A ideia defendida por Drummond em sua 'Procura da Poesia' de que no reino das palavras poemas esperam para ser escritos, que lá jazem 'calmos e frescos na superfície intata', e para escrevê-los deve haver calma e espera muda. Silêncio respeitoso. Paciência infinita.

Na feitura da escrita não pode haver pressa, nem desespero. 
As pinceladas devem respeitar antes de tudo o que cada palavra tem a dizer sobre si mesma. 
'Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra'; portanto não se engane, não se antecipe, não se apresse. Deixe a palavra de molho. Perceba-a. Contemple-a. Disseque-a. Só então despeje sobre a superfície branca, fria e morta, conferindo-lhe assim cor, temperatura e novo status.

A escrita dá nova vida a palavras adormecidas, dá significado ao que fora esquecido, dá sentido ao incompreendido. 
A escrita é uma janela aberta para o céu do conhecimento e da descoberta. É o passaporte para outra dimensão. É o romper de fronteiras. É revelar um universo inteiro de novas possibilidades. 
A escrita é o requisito para a eternidade.

Escrever talvez se destine a manter pulsante a vida que habita cada ser humano, para dar conta das coisas que não podem ser expressas por meio de palavras jogadas ao vento, mas que estarão eternizadas ao serem registradas, organizadas, combinadas, selecionadas, calculadas, intencionalmente arranjadas.
Escrever é um regozijo, uma alegria. É uma ânsia e um alívio. É um ato de liberdade maior. É o esvaziamento do ser em constante atividade efervescente, em que pululam as ideias incrivelmente fecundas que habitam a alma humana.
Escrever é a arte de pintar com inéditas e estonteantes cores as paredes da história humana. 
Por meio de pinceladas vigorosas e mágicas, quem escreve muda o rumo dos fatos e revoluciona a vida. Subverte a lógica e insere no contexto monótono dos dias comuns as fascinantes maravilhas dos contos de fadas e das fábulas. 
Quem escreve torna possível o irreal e realiza o impossível. 
Quem escreve, definitivamente, se apropria do divino. É bem isso.
Toca com suas mãos humanas o mais sagrado dos territórios, alcança o inalcançável, afeta o inatingível, transforma o inalterável, transgride, reitera, ratifica. Reifica.

Então escrever é um dom?
Escrever é um milagre.


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quinta-feira, 19 de março de 2015

Coisa de fã - Elis Regina

Na foto, vemos Elis Regina na casa da Cantareira em São Paulo com os três filhos: Maria Rita (no colo), Pedro Mariano (sentado) e João Marcello Bôscoli.

"Se porventura eu falhar, se não estiver à sua altura, se for menos do que você acha que merecia, não me imagine mais do que eu sou. Tenho tantos problemas quanto você. Não me culpe. Antes, procure me compreender." 

As palavras são da cantora Elis Regina, em carta ao filho João Marcello Bôscoli, inédita nos últimos 40 anos.
A mensagem da cantora é um dos detalhes revelados em "Elis Regina - Nada Será Como Antes". 





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quarta-feira, 18 de março de 2015

Finalmente

Finalmente, alguém com espaço e credibilidade na mídia traduz e imprime o meu pensamento.

Está muito esquisito...
Angela Dutra de Menezes - escritora e jornalista
no portal  'Anna Ramalho'


Não gosto da Dilma Rousseff. Nem da presidente, nem da pessoa. Nada que venha dela me entusiasma. Na verdade, nem posso ouvir-lhe a voz sem me irritar. Seus patéticos discursos e entrevistas, que antes me faziam rir, hoje me revoltam. Sua versão segundo mandato incluiu um perfil cínico quase agressivo. Como pode tal senhora ainda ser a presidente da República?

No entanto, após me emocionar com a beleza e o entusiasmo pacífico das manifestações de domingo, fiquei com a pulga atrás da orelha. Aquele dois ministros que foram à televisão defender o governo e fingiram ser marcianos – como? O que aconteceu? O Brasil é aqui? – fizeram-me desconfiar que a dona Dilma está sendo usada como boi de piranha. Moro no exterior,  não assisti a entrevista inteira. Apenas alguns pedaços, que os amigos editaram e me enviaram pela Internet.  Mas, do pouco que vi, posso afirmar que nem o senhor Cardoso, nem o senhor Rossetto são tão idiotas como pretenderam parecer. Usaram tom de desafio, jogaram lenha na fogueira de propósito. Querem que a Dilma se ferre sozinha, querem se manter no poder que lhes garante, digamos, um conforto extra.

O que adianta tirar a Dilma Rousseff da presidência e manter a mesma estrutura corrupta que a sustenta? Os mesmos nomes que, há anos, drenam para contas bancárias na Suíça o lucro de sujeiras inenarráveis? Sim, sempre houve corrupção no Brasil, cobrar propina, receber por fora não é invenção do PT. Mas nunca, na História deste país, assistimos tanta ladroagem, tanta impunidade como agora.

Estamos lidando com cobras criadas. Quem sabe, após notar que a insatisfação popular poderia atingi-los, os ministros, senadores e deputados de rabo preso não acharam melhor sacrificar a presidente para se conservarem no posto que lhes garante acesso a Paraísos Fiscais? Quem sabe o senhor Lula, e seu caráter acima de qualquer suspeita, não está disseminando a discórdia para salvar a própria pele, sua eleição em 2018?

Combater a corrupção com corruptos é uma piada. Reforma política realizada por um Congresso quase que 100% envolvido em tramoias, um acinte. Engolir o ministro Toffolli julgando o Petrolão, impossível. Manter 39 ministérios, um desrespeito com o povo, a quem pedem paciência e solicitam que, mais uma vez, pague as contas. Enfim, desculpas não faltam para fritar a mandatária. Reunidos em conclave, talvez os cardeais de Brasília tenham decidido chutar a dona Dilma para conservar os picaretas nos lugares de sempre. Eis que está salva a grande mamata.

Não estou pregando a volta dos militares – até porque eles não estão nem um pouco interessados em voltar. Mas acho que, em briga de cachorro grande, alguma prudência é necessária. Se a dona Dilma sair levando seu séquito de malandros, ótimo. Recomeçaremos o país. Mas sacrificá-la e deixar a malta de sempre nos mesmos lugares, isto não me cheira bem.

Sei lá, está tudo muito esquisito. Há caroço debaixo deste angu.



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terça-feira, 17 de março de 2015

Breve análise de "V" - 'Homo Literatus'



Arte: Sueli Madeira (*)
(*) Pintei essa tela em 2011, muito antes de virar 'modinha'


V de Vingança, revolução e outros problemas
José Figueiredo - in 'Homo Literatus'

Chega ser irônico que V tenha como inspiração Guy Fawkes, um católico exasperado disposto a matar e destruir pela fé. 
A Revolução da Pólvora, que acabou nunca acontecendo, era nada mais que a tentativa de colocar no poder um sistema autoritário com ecos de Inquisição Espanhola. 
V, por seu turno, vive num mundo onde um sistema autoritário domina uma Inglaterra alternativa (versões alternativas da História são a especialidade de Alan Moore; veja-se Watchmen, por exemplo) e tenta derrubá-lo usando preceitos do Anarquismo e do Socialismo.

V pode representar várias perspectivas do mundo contemporâneo e de suas facetas: a maioria silenciosa que opera contra um sistema estabelecido por achá-lo autoritário; a insurgência de anônimos da sociedade frente ao poder estabelecido; o desejo da maioria silenciada por liberdade e condições mais dignas de vida. 
As possibilidades interpretativas de V são múltiplas e multifacetadas; todas, porém, correm sob o signo da revolução.

Embaixo da máscara há um homem com desejos de luta e mudança (quer ele seja um representante de um coletivo, quer seja um homem apenas que não represente ninguém). 
O mundo em seu entorno é uma mistura cruel de 1984, de George Orwell, misturado com o Terceiro Reich (Adam Sutler e Adolf Hitler têm tantas semelhanças e pontos de contato, o que torna difícil saber onde um termina e outro começa). 
Em meio a esse mundo, V representa a tentativa de mudança da massa estagnada nos seus medos e receios, mesmo sabendo que está sendo oprimida “pelo bem de todos e da nação”. 
Aqui a misteriosa figura por trás da máscara nunca se revela, podendo ser um dos muitos grupos oprimidos por Sutler, por seu partido totalitário e  por seus discursos, coincidentemente, semelhantes aos da então primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher.

É interessante que hoje vários movimentos diferentes e antagônicos tenham como base e inspiração a mesma figura, todos gritando por liberdade, mudanças e um suposto mundo melhor. 
Alan Moore, ao ver que o grupo Anonymus começou a usar as máscaras de Guy Fawkes, disse estar satisfeito com o rumo e o impacto da sua obra. 
V se tornou um símbolo de quem quer algo diferente do que está estabelecido, e sua história a base de como uma pessoa em meio à massa pode ser a pólvora (perdão pelo trocadilho) de uma revolução da massa. 
A tentativa de implodir o establishment por dentro, mostrando suas deturpações e bizarrices, é o caminho para um futuro melhor – e tudo passa, mais uma vez, pela informação ou conscientização da maioria silenciosa e estagnada.

Mas cuidado aos que leem V de Vingança e o clamam como um canto ao apartidarismo ou a falta de ideologia. 
O homem por trás da máscara tem ideias bem definidas: de Bakunin a Thoureau, passando por Hannah Arendt, George Orwell. 
Ele é uma síntese do pensamento de esquerda a pender ao anarquismo como via de solução ao mundo moderno e suas complicações. 
O momento histórico em que foi escrito, de uma retomada do liberalismo econômico e de avanço de pautas retrógradas feito por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, sempre sobra V de Vingança no discurso de ódio a grupo minoritários “que nos causam problemas”.

Sabe-se muito bem que o discurso humano, por mais neutro que seja, é carregado pela ideologia de quem o transmite (Foucault, Benveniste e outros mostram-nos esse fato claramente).

V representa a mudança para um mundo mais perto da igualdade e união dos homens, não sendo um veículo do ódio entre semelhantes (mas um expurgo aos que subjugam estes).

V representa a mudança constantemente ansiada pela sociedade, mas nunca traduzida em ações concretas.


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sábado, 14 de março de 2015

"Forçando a barra"


Quando digo que este nosso país é bizarro...

Em meio à atual turbulência política com essas 'tenebrosas transações' de Lava-jato, descontentamento com o atual governo, CPIs e o caramba, sinto-me enjoada e enojada pela falta de solução para problemas tão antigos.

Assisti a duas sessões de Inquirição dos envolvidos no 'Petrolão' e meu estômago revirou. Muita, muita sujeira.  Resolvi deixar pra lá, eu hein? Entendo pouco ou nada de política, mas ali a questão é outra. Falta mesmo é vergonha na cara. 

Enfim, ligo a TV em um canal de variedades. O que está passando? Reprise de um episódio de "Carga pesada", de muitos anos atrás; a história é sobre caminhoneiros que decidem parar em protesto contra a corrupção no país.  (só rindo mesmo...)

Passo então para um canal de filmes antigos - acho que eu queria um pouco de sossego, uma historinha leve.  Tá, vai vendo. De cara, começa um filme mais antigo. Qual?  "O Dossiê Pelicano" . Podem pensar que estou de brincadeira, até eu achei esquisito.

Esse filme é ótimo, adaptado do livo homônimo de John Grisham, autor americano. O roteiro é do próprio autor. Filme lançado em 1993, com Julia Roberts e Denzel Washington como protagonistas.
Assunto: conspirações políticas envolvendo assassinatos de ministros, questões do petróleo, suspeita de fraudes e escândalos no governo, enfim, aquela coisa de déjà-vu e continuo vendo.

Mas o filme realmente é muito bem feito. Se alguém não viu, vale a pena.

Desisti até de continuar procurando outro canal e fui dormir. Preciso cuidar da minha saúde. 

Só achei muita 'coincidência', viu?


Simplicidade



Foguete
Composição: J. Velloso e Roque Ferreira

Tantas vezes eu soltei foguete
Imaginando que você já vinha
Ficava cá no meu canto calada
Ouvindo a barulheira
Que a saudade tinha
É como diz João Cabral de Mello Neto
Um galo sozinho não tece a manhã
Senti na pele a mão do teu afeto
Quando escutei o canto de acauã
A brisa veio feito cana mole
Doce, me roubou um beijo
Flor de querer bem
Tanta lembrança este carinho trouxe
Um beijo vale pelo que contém

Tantas vezes eu soltei foguete
Imaginando que você já vinha
Ficava cá no meu canto calada
Ouvindo a barulheira
Que a saudade tinha
Tirei a renda da nafitalina
Forrei cama, cobri mesa
E fiz uma cortina
Varri a casa com vassoura fina
Armei a rede na varanda
Enfeitada com bonina
Você chegou no amiudar do dia
Eu nunca mais senti tanta alegria
Se eu soubesse soltava foguete
Acendia uma fogueira
E enchia o céu de balão
Nosso amor é tão bonito, tão sincero
Feito festa de São João

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sexta-feira, 13 de março de 2015

Dualidades - texto em 'Obvious"


Herói ou bandido, eis a falsa questão
Renato Xavier em  "Obvious - recortes"

A vida adulta não é nada fácil; mais complicada ainda porque perdemos a inocência das escolhas aleatórias; quando criança, tudo é possível; escolhemos aleatoriamente sem grandes sistemas por trás; na vida adulta, perdemos a inocência e ganhamos um tanto de bobagens da sociedade; aprofundamos a forma dualista de pensar; limitamos as escolhas e resumimos a vida em A ou B; extremos: certo ou errado, bonito ou feio e etc.; você diz “gostei deste”, outra pessoa rebate, “a não, prefiro este”; a vida não se resume a "vilão ou mocinho"; assim como no teatro, há a opção de escolher outra personagem; reduzir o entendimento da vida de um determinado sujeito passa ao largo do modo dual que define nossa forma de pensar; podemos ser ao mesmo tempo tudo e nada; começarmos o dia de bom humor e terminarmos de mau; não ter que escolher sempre entre um lado ou outro; podemos ter escolhas diferentes, porém não excludentes; mudar de opinião; cair em contradição; não precisamos optar por pacotes fechados: esquerda ou direita; no futebol tudo bem: corintiano ou são paulino; cruzeirense ou galo; fazer uma escolha não significa, necessariamente, excluir a outra escolha; gostar de algo, não implica em odiar outro algo; defender uma causa não é negar todas as outras causas; é possível gostar de manteiga e margarina ou de nenhuma das duas; amar alguém e não odiar outrem; podemos ir ao cinema, mas adorar filmes que passam na seção da tarde (nostalgia infantil); amar comédia e melodrama, tudo ao mesmo tempo, quem sabe no mesmo filme; dormir sem roupa e às vezes de pijama; sair com a namorada, sem abandonar os amigos e vice-versa; beber água natural no calor e gelada no frio; com ou sem gás; vodca e água de coco; gostar de quadros do Monet e do Goya; admirar Albert Camus e Sartre; Nietzsche e Kant (com o devido cuidado!); a biografia de Sade é cheia de contradições, a vida também; sem essa de querer saber quem foi mais importante para o modernismo: Mario de Andrade ou Oswald; ambos! Pelé ou Maradona? De boca aberta ou fechada? Loiras ou morenas: ruivas, talvez (fico com a minha loura); destro ou canhoto: chuto com os dois pés; podemos admirar a Rússia, sem odiar os Estados Unidos; querer viajar para Cuba e não ser um esquerdopata/ditador/comunista; admirar ambos: o campo e a praia; Xbox ou PS? Sei lá! Futebol americano ou rúgbi? Basquete; beijo ou abraço: dê os dois; cabelo curto ou cumprido: varie; PT ou PSDB: ‘ultimamente’, nenhum; dor ou alegria? Dor e alegria; Há mais vida entre os extremos; arrisco-me a dizer que a maior parte da vida é construída neste ínterim entre o ‘bem’ e o ‘mal’, entre o ‘certo’ e o ‘errado’; os extremos são as pontas das escolhas, o caminho até lá é longo; por isso, ao longo da vida serei herói e bandido e tudo que há entre estas duas fronteiras que as palavras não conseguem explicar; nesta complexidade chamada vida.


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Pontuação interessante do texto: apenas ponto e vírgula e dois pontos.




terça-feira, 10 de março de 2015

Adriana Calcanhoto - "Me deu motivo" (Tim Maia)

Hoje à tarde, chuvinha boa, silêncio, sossego, resolvi ouvir algumas músicas mais antiguinhas.  Assisti a alguns vídeos - Cesária Évora, Nat King Cole e cheguei a Tim Maia. Vi seu último show e o impressionante é que, na ocasião, achei que havia algo estranho na apresentação dele.  Ai, nem gosto de lembrar... por isso, hoje aqui em casa, me decidi pela regravação de "Me deu motivo" na voz da Adriana Calcanhoto.
Foi quando reparei no título da música (neste vídeo) e também como a Adriana canta.
Não é maluquice minha, não;  acredito que Tim Maia tenha escrito "me deu motivo", mas o que a gente escuta é "me  motivo".

Ou, talvez, 'me deu motivo" se encaixe melhor nas duas últimas partes, deixando a primeira como um pedido para que o relacionamento se resolva a partir da descoberta da falta de lealdade.

Sei lá, entendi assim ´primeiro porque os outros verbos estão todos no passado e também para não eliminar a linda transposição de sentido nos versos finais: me 'deu' motivo para ir embora; agora, procuro alguém que saiba "me dar motivo" para continuar amando.

Olha aí:
**

Me deu motivo
Tim Maia

Me deu (ou dê)motivo pra ir embora
Estou vendo a hora de te perder
Me deu (ou dê) motivo, vai ser agora
Estou indo embora, o que fazer?
Estou indo embora, não faz sentido
Ficar contigo, melhor assim
E é nessa hora que o homem chora
A dor é forte demais pra mim

Me deu motivo, foi jogo sujo
E agora eu fujo pra não sofrer
Fui teu amigo, te dei o mundo
Você foi fundo, quis me perder
Agora é tarde, não tem mais jeito
O teu defeito não tem perdão
Eu vou à luta, que a vida é curta
Não vale a pena sofrer em vão

Pode crer você pôs tudo a perder
Não podia me fazer o que fez
E por mais que você tente negar, me deu motivo
Pode crer eu vou sair por aí
E mostrar que posso ser bem feliz
Encontrar alguém que saiba me dar
Me dar motivo
Me dar motivo


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sexta-feira, 6 de março de 2015

" Portugal, meu avôzinho"

Ruazinha no Alentejo


Porto Covo, Alentejo, Portugal
Foto:  Clarice Gamito


Estação Ferroviária (1880)
Marvão-Beirã, Alentejo

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quinta-feira, 5 de março de 2015

EBERTH VÊNCIO - Revista Bula


Em São Paulo, a cada dia, uma pessoa enlouquece
Eberth Vêncio - colunista "Revista Bula"

Há certas coisas que acontecem no mundo que você nem se dá conta. 
No mundo, a cada dez minutos, alguém pega AIDS e o controle remoto da TV. Nos países miseráveis da África, a cada cinquenta anos, um negro come a alcatra de alguém que já morreu. 
Em Brasília, a cada quinzena, quinhentos correligionários saem para jantar juntos e tramar contra o erário. 
No Congresso Nacional, a cada semestre, dez deputados investem quase todas as suas economias obtidas com propina para abrir uma pizzaria no Plano Piloto. 
Na sede campestre do Supremo Tribunal Federal, a cada final de semana, ou um juiz cava um pênalti, ou anula um gol legítimo. A torcida vai à loucura. 
No Brasil, a cada quatro anos, um malandro veste a sua armadura de vidro e, na cara dura, garante que vai salvar a pátria amada.

Nos manicômios das cidades cosmopolitas, a cada mês, uma ponte desiludida pula de um homem. Nas contas do capeta, a cada cinco minutos, compra-se um milhão de almas, sem a exigência de CPF no cupom fiscal. 
Na Academia Brasileira de Letras, a cada semestre, dez imortais lançam laudos de cateterismo muito elogiados pela crítica da liga dos cardiologistas. No coração de um pensador, a cada hora, uma esperança morre. 
No teto estrelado, a cada noite, escorre uma lágrima de luz em prol do ser humano. 
Nos cafés de Paris, a cada cinco anos, cerca de vinte poetas escrevem o melhor poema de suas vidas.

Na Amazônia brasileira, a cada meia hora, meio hectare de floresta nativa se transforma em duzentas penteadeiras-de-puta e dez Maracanãs para boi comer. 
No baixo meretrício frequentado pelo alto clero, a cada enxadada, uma minhoca. 
No paraíso, a cada século, nega-se a entrada de cinco mil homens-bombas. Quanto às virgens, nenhum sinal delas. 
No inferno, a cada inverno, um bilhão de almas penadas insiste em dar o fora e reencarnar nos bebês fofinhos. 
Na minha cidade, a cada dia, cinquenta carros novos são emplacados, ao passo que cinquenta árvores são trocadas por placas de proibido respirar.

Em Pasárgada, a cada triênio, o rei manda extraditar um milhão de supostos amigos. 
Na caatinga, a cada estiagem anual recorde, quinhentos urubus cogitam dominar todas as carniças do mundo. Em São Paulo, a cada dia, uma pessoa enlouquece. 
Na Cidade Maravilhosa, a cada mês, cinco balas perdidas são encontradas em massas encefálicas pelos garimpeiros do IML. 
No mundo do crime organizado, a cada dia, mata-se um leão e oitenta homens, sejam eles culpados ou inocentes.

No Vaticano, a cada ano, um padre pedófilo entra pelo cano e é enviado para exílio em Liliputi. 
Nas maternidades da Síria em guerra civil, a cada três dias, uma dezena de fetos assustados tenta, em vão, retornar para dentro dos úteros maternos. 
Em todo o território nacional, a cada verão, setenta clínicas de aborto são fechadas por causa de férias coletivas dos profissionais de saúde. 
Nas bancadas evangélicas de todo o território nacional, a cada mandato de quatro anos, nenhum deputado homoafetivo sai do plenário, quem dirá, do armário.

Nas unidades de terapia intensiva do mundo inteiro, a cada turno de doze horas, aproximadamente sete mil pacientes terminais encontram força o bastante para confessarem às enfermeiras que, se pudessem voltar ao início, viveriam suas vidas de forma diferente.

No céu, a cada hora, um arcanjo sugere que Deus vá embora, e comece a coisa toda do zero, noutro limbo de escuridão absoluta.


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terça-feira, 3 de março de 2015

Semelhanças

Todos sabem que gosto muito de ler. E leio o que me cai nas mãos, o que está à minha frente...

Hoje, o que me chamou a atenção em um dos jornais da web foram as chamadas, a manchete e mesmo todo o texto da matéria:

"Muito parecidos com humanos
Chimpanzés são assassinos frios e inventam coisas, sabia?


Chimpanzés são inteligentes, atrevidos e engraçados, especialmente quando são vestidos como gente. Mas você sabia que eles são muito mais parecidos conosco do que imaginamos?

CHIMPANZÉS MATAM
Por incrível que pareça, os chimpanzés são assassinos frios e costumam lançar ataques brutais a outros bandos de chimpanzés para expandir seu território. Os ataques costumam ser executados por batedores, "machos silenciosos que se movem furtivamente", segundo o autor principal do estudo, John Mitani, da Universidade de Michigan. As investidas são vantajosas: os machos ganham mais espaço, alimento, recursos e até melhor acesso às fêmeas.

ELES TÊM UMA ÓTIMA VIDA SEXUAL
Os machos dos chimpanzés possuem um espinho queratinizado no pênis, o que provavelmente aumenta a sensibilidade durante o acasalamento, segundo um estudo publicado na revista Nature. Nossos ancestrais humanos também tinham essa estrutura, mas a perderam ao longo da jornada evolucionária, para sorte das mulheres, já que o espinho pode causar dores durante a relação sexual.

CHIMPANZÉS INVENTAM COISAS
Os chimpanzés adoram as frutas amarelas do maboqueiro e fazem de tudo para quebrar sua casca. Segundo o estudo, três grupos de chimpanzés, todos da Zâmbia, abriram a fruta de diferentes maneiras, o que demonstra sua capacidade de inovar. Os animais recorreram a oito formas diferentes para abrir a casca dura da fruta: batê-la contra uma árvore ou uma pedra; jogá-la no chão; abrir um buraco; esmagá-la com os dentes; chocar uma fruta contra a outra; pisar sobre ela e descascá-la.

CHIMPANZÉS RIEM
Se fizer cócegas num chimpanzés, o que você acha que acontece? Isso mesmo, eles riem como crianças humanas. Esses animais dão risada das mesmas situações, emitem sons parecidos com os nossos e riem mais do que os humanos, já que conseguem cair na gargalhada enquanto inspiram E expiram. Outros animais também riem quando recebem cócegas, incluindo ratos e cachorros.

ELES TAMBÉM PRANTEIAM SEUS MORTOS
Vídeos de colônias de chimpanzés mostram que nossos primos mais próximos tratam seus companheiros na agonia e na morte de forma muito parecida com a nossa. Em um vídeo, dois chimpanzés fazem companhia a uma fêmea agonizante, tocando-a carinhosamente. Em outro, uma mãe enxota as moscas que tentam pousar em seu filhote recém-falecido. Algumas fêmeas já foram vistas carregando filhotes mortos durante semanas, às vezes, até se mumificarem.

CHIMPANZÉS SE AJUDAM
Quando você trabalha com uma pessoa em um projeto, você acompanha o que ela está fazendo e oferece ajuda quando ela precisa, certo? Os chimpanzés fazem a mesma coisa: compartilham ferramentas e participam ativamente de ações em equipe. Além disso, depois que aprendem a ajudar um companheiro, eles repetem a boa ação em 97% das vezes."

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segunda-feira, 2 de março de 2015

Sobre o filme "Hannah Arendt"

Hannah Arendt é um filme de drama teuto-francês de 2012, uma obra biográfica sobre a professora e filósofa política alemã de origem judaica.. 
Estrelado por Barbara Sukowa, dirigido por Margarethe von Trotta e distribuído por Zeitgeist Films, no Estados Unidos, onde entrou em cartaz em 29 de maio de 2013.



Há filmes que deixam algo queimando em nossa mente. Esse é um deles.

Não é a biografia completa , e sim o olhar sobre um episódio marcante na vida de Hannah Arendt, quando ela foi a Jerusalém fazer a cobertura, para o jornal New Yorker, do julgamento do nazista Adolf Eichmann.
A partir do interrogatório e das respostas do réu, ela desenvolve uma teoria sobre a 'banalidade do mal' e esse termo põe em polvorosa toda a sociedade da época.

O que Hannah via sentado ali, sob acusação de tremendos horrores, era um homem medíocre,  de aparência comum, mirrado, sem eloquência ou qualquer outro atrativo.
 Embora fosse o responsável pela saída dos trens para os campos de Treblinka, Berkinau, Aushwitz, não se sentia, em nenhum momento, culpado  pelo extermínio daquelas pessoas durante a 2ª Guerra. Segundo ele - e havia tal desprendimento e falta de emoção em sua figura - apenas 'cumpria ordens', ou seja, a função dele não era pensar.

A análise do julgamento apontava para o perigo de se confundir a natureza do mal.
Há aqueles que já trazem consigo o prazer pelo sofrimento do outro, a maldade implícita. Mas há também a diluição do mal entre as pessoas consideradas comuns, normais, através de um sistema todo montado para justamente, despersonalizar, reduzir o humano à categoria apenas técnica, banalizando  e facilitando a vida cotidiana, organizando-a em setores extremamente eficientes e pragmáticos.
O perigo maior não está nos mentalmente desorganizados, nos doentes, nos psicopatas.
O perigo é o sistema gerado para colocar pessoas consideradas normais em situação de violência generalizada; o perigo vem da violência sistematizada exercida por pessoas comuns, banais.

Em seu artigo dividido em 5 pubicações, Hannah Arendt trata também do perigo do ódio acumulado, sem esquecer a justa reação ao sofrimento. Não se deve mesmo abandonar o repúdio constante a qualquer forma de tortura. É justo manter viva a lembrança dos horrores praticados por pessoas comuns vivendo em um sistema perverso.
Há sistemas em que se justificam atos irracionais, aterradores, com argumentos aparentemente racionais e necessários. Emocionalmente, as pessoas se sentem melhor mantendo a legitimidade do sentimento de ódio; irracionalmente preferem extravasar a raiva em lugar de racionalizar o combate ao sistema.  É tudo que o totalitarismo deseja.

Transformar o semelhante em dessemelhante; privar o pensamento, a reflexão sobre os próprios atos é o que pretende um sistema político totalitário. Não se trata mais de pessoas que sentem, sofrem, amam, pensam. É toda uma 'categoria' que cumpre ou não cumpre o que o tal sistema elabora.

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Enfim. fiquei muito impressionada com o filme, eu que já ando assombrada com os rumos esquisitos deste país...

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