sábado, 28 de novembro de 2015

Proteção




A Ti, Deus Pai Onipotente,
pedimos que abençoes esta nova morada.

Faças habitar entre estas paredes
teus Santos Anjos
e que eles a guardem bem,
sempre defendam seus moradores,
e afastem os maus espíritos e seus aliados.

Que esta nova casa, meu Senhor,
esteja cheia de abundância,
virtude e prosperidade.

Em Ti confiamos,
A Ti agradecemos
com Amor.
**

Anjos são criaturas divinas enviadas para iluminar nossas vidas.
São onipresentes e às vezes nem percebemos sua presença.
Alguns não precisam de asas para serem considerados anjos.
Estão sempre prontos para nos acolher.
 São anjos que chamamos de filhos, afilhados, irmãos, amigos, entre outros nomes que damos.

Siplesmente aparecem , alegram nossos dias, nos amparam, nos resgatam, confortam nosso coração, nos protegem, nos acalmam, nos dão paz de espírito e muitas vezes nos previnem de algo ruim sem darmos conta disso. Não esperam nada em troca.

Com toda atenção que estes anjos têm sobre nós, como retribuição nossa tarefa é reverenciá-los e defendê-los também.
Por eles temos um amor que não conseguimos definir, é um sentimento infinito.
Amamos cada detalhe, a beleza, a delicadeza, a dignidade que  possuem.

Nossos anjos são tão importantes que não conseguimos mais imaginar nossas vidas sem a presença deles.
*        *        *
(Adaptação do texto de Renata Carvalho em 'Obvious')


domingo, 22 de novembro de 2015

Fazer o impossível



Agora será preciso fazer também o impossível’
Míriam Leitão - 22/11/2015 09:00 - Jornal 'O Globo'

Quando, ferido de morte, o Rio Doce grita, eu ouço. Sou filha do seu vale. Este é o meu pertencimento. Uma atividade econômica ocupa desde sempre a terra, revolve, esgota, expropria e define as pessoas que nascem naquele solo. Somos de Minas Gerais. Somos mineiros. “O maior trem do mundo leva a minha terra”, lamenta Drummond. E se fosse só isso, poeta. Agora, além do que nos levam, há o que despejam sobre nós. E como dói.

Quando criança eu corria, como o Doce, de Minas para o mar do Espírito Santo. O trajeto era o mesmo. Acordar cedo e ir de ônibus de Caratinga até Governador Valadares. Ver o rio era parte da alegria. O Doce era grande, tão grande, parecia o ensaio do mar. De lá pegar o trem para Vitória e, depois, Guarapari. O trem passava em Aimorés, uma cidade toda voltada para o rio.

Em 2007, fui entrevistar Lélia e Sebastião Salgado no Instituto Terra, em Aimorés. Ao fim da entrevista, quis olhar o rio e fui até o mirante construído pela Vale. Não havia mais rio. A Vale e a Cemig haviam desviado as águas para fazer uma hidrelétrica, e a mineradora deu à cidade uma obra sobre o vazio, um presente macabro para sua gente não esquecer o que perdeu.

Nem eu sei o que me deu. Desci pelo barranco e pulei no leito seco, como se precisasse ver de perto e pisar para acreditar no absurdo. Entardecia e eu caminhava, incrédula, nas pedras que um dia foram o caminho do rio. Fábio Rossi fotografou, e eu escrevi a matéria: “Aimorés: a cidade que perdeu seu rio”.

Nas últimas semanas, quem viajou de Minas ao Espírito Santo foram os resíduos jogados pela mineradora Samarco, meio Vale, meio BHP. Conheço o caminho percorrido pela lama indevidamente empilhada em grandes barragens que pesam sobre as cabeças dos mineiros. Viajou como um trem da morte. A gosma de metais pesados recobriu e sufocou o rio que por mais de oitocentos quilômetros faz o caminho de Ressaquinha a Linhares fertilizando a terra, abastecendo as cidades, matando a sede, abrigando peixes e garantindo a vida.

Sebastião Salgado acorda cedo, como eu. Por isso me ligou antes de o sol nascer, dia desses. Aflito, contou que estava em Aimorés vendo a destruição. Trocamos condolências e, depois, palavras de ânimo, porque ele não é de se entregar. Nem eu. Antes ele estava envolvido na tarefa de salvar a Bacia. Agora a aposta terá que ser dobrada. Não é só o trabalho de refazer as 370 mil nascentes do rio, replantar a mata ciliar em suas centenas de quilômetros, tratar o esgoto das muitas cidades da Bacia. Antes era difícil. Agora será preciso fazer também o impossível: limpar 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos químicos e minerais que estão esterilizando seu leito e sua margem.

Foi para visitar o projeto de Salgado que voltei ao Rio Doce este ano. Me lembro de um momento mágico. A fotógrafa Márcia Foletto parou em cima de uma ponte em Baixo Guandu, dez da noite. Voltávamos para o hotel cansadas de um dia cheio de trabalho, de subir e descer morro atrás de pequenas minas, os olhos d’água. Márcia se agachou na ponte e mirou o rio com a sua máquina. A lua refletida na água e Márcia capturava, pacientemente, sucessivas vezes, a beleza do Rio Doce à noite. Fiquei em silêncio saudoso. Meu avô Norberto morava ali em Baixo Guandu; minha avó Sinhá um dia pegou os filhos e foi para Minas e lá ficou. Por isso sou dali: desse entremeio entre Minas e Espírito Santo, me esquecendo que há fronteira entre os dois estados. Como o Rio Doce, que pertence aos dois.

Para a reportagem que Márcia e eu fizemos, o editor Paulo Motta escreveu uma chamada bonita na primeira página: “A esperança nos olhos d’água”. E agora, como ter de novo esperança?

Meu amigo Ramiro me mandou mensagem preocupado querendo saber se a sujeira contaminaria também o Rio Manhuacú. O rio chega lindo na reserva que o avô do Ramiro, “seu” Feliciano, protegeu os macacos Muriqui do Norte. A reserva de mil hectares de Mata Atlântica e os macacos precisam das águas do Manhuacú. Abro o jornal O GLOBO e leio que os Muriqui do Norte estão entre as espécies ameaçadas pela lama. Há 70 anos a família Abdala os protege e lá na reserva vive mais de um terço dos sobreviventes.

As últimas duas semanas foram assim. As notícias ruins se empilharam como os resíduos de uma mineradora. Morreram pessoas soterradas em Mariana. O tsunami de lama arrastou casas e despencou sobre o rio Doce. Enquanto ela deslizava com sua imundície em direção ao mar, o país ficou diante do seu desamparo: mineradoras criam bombas de rejeitos que podem explodir sobre nós, fiscais não fiscalizam, deputados financiados pelas mineradoras fazem leis que as beneficiam, a presidente leva uma semana para entender a tragédia, ribeirinhos ficam sem água, e a mineradora avisa que outras duas barragens podem se romper.

No vale as pessoas dizem que não vão desistir do Rio Doce, que vão recuperar e limpar suas águas, que farão o mesmo com os rios menores, que plantarão mais árvores nas reservas, que protegerão mais nascentes para ver aflorar os olhos d’água. Nossos olhos d’água.

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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

CORA RÓNAI - "Minas: como dói!"

Minas: como dói!
Cora Rónai 

Sobrou um vídeo. Mostra aquela paisagem tranquila do interior de Minas, com montanhas e vales verdes, casinhas pequenas, pastos, um resto de arquitetura colonial. Um homem passa no seu cavalo branco, pessoas conversam sentadas em cadeiras na calçada; ao fundo, o som de uma viola caipira. Uma igreja branca, uma praça, ruas de terra batida e o restaurante de comida caseira de Sandra Dometirdes. É ela quem descreve os encantos do lugar para a repórter Thatiana Zacarias Freitas, recomendando uma cachoeira boa para banho e um passeio de vinte minutos pela mata, onde há mais quedas d'água e as ruínas de uma outra igreja -- tudo isso sem falar numa coxinha famosa, e em pés de moleque e cocadas.
Bento Rodrigues também estava ficando conhecida na região pela sua geleia de pimenta biquinho, produzida por um grupo de sete mulheres e um homem da associação de hortifrutigranjeiros local.

Thatiana tinha apenas duas semanas de trabalho na Top Cultura, uma afiliada da TV Cultura, quando fez a reportagem, tão clara, bonita e singela quanto o que retratava. O trabalho, que há 15 dias era apenas mais um clip entre os tantos produzidos continuamente pela emissora, ganhou dimensões históricas: hoje, é o principal registro da cidade que a lama levou. Com pouco mais de quatro minutos, ele se contrapõe de forma dolorosa às incontáveis imagens que já vimos da destruição, porque ali está, de forma clara, o que se perdeu.
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Assisti várias vezes a este pequeno vídeo, que só no Facebook já teve mais de um milhão de visualizações.
Fiquei imaginando o que teria acontecido à Sandra do restaurante e às empreendedoras da geleia de pimenta biquinho, até que a internet me trouxe notícias.
Através de um site de viagens mineiro, fiquei sabendo que Sandra escapou; já na página da Rede Minas descobri que as mulheres da associação de hortifrutigranjeiros estão abrigadas numa pousada em Mariana. Perderam tudo -- roupas, documentos, lembranças de família.
Mas não só isso: o futuro também foi levado pela enxurrada tóxica. Elas já tinham encomendas de três mil potes de geleia feitas por supermercados de Belo Horizonte, iam participar de uma feira de alimentos na Alemanha e pensavam até em expandir o negócio. A sede da associação não sofreu danos, mas a plantação (e a terra) estão destruídas.
Sandra, que além do restaurante mantinha uma pousada, contou para Marlyana Tavares, do "Planejo viajar", que nada resta do seu empreendimento. O casarão centenário, que herdara do pai e que havia sido reformado recentemente, desapareceu debaixo de quinze metros de lama. Ela ainda tentou voltar para pegar os documentos, mas nem para isso teve mais tempo.
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Penso nas vidas que já não existem, nas vidas delas e nas vidas de tantas outras pessoas afetadas por esta tragédia.
Penso nos vilarejos pequenos de que nem estamos ouvindo falar, nos bichos, nas modas de viola, nas tardes desaparecidas, no sossego que nunca mais, e sinto uma tristeza enorme, uma raiva profunda e uma vergonha indescritível por viver num país tão negligente e irresponsável.
Como é que uma barragem se rompe sem que haja um sistema de alerta?! E como é que não há um sistema de alerta quando existem apenas quatro -- um dois três quatro -- fiscais para mais de setecentas barragens?! Quais são os governos que permitem um absurdo desses, que aceitam conviver com essa culpa?! Quem são os homens e mulheres que desprezam a esse ponto a sua terra e a vida dos seus semelhantes?!
PT, PSDB, PMDB e toda a lamentável sopa de letrinhas da nossa política nojenta são igualmente culpados por esta tragédia. Não é de um dia para outro que se constrói uma situação de perigo desse tamanho, nem é de um dia para outro que uma mineradora adquire tal certeza de impunidade que nem uma sirene instala na porcaria da sua barragem. É preciso muita lei frouxa e muito compadrio para chegar a este grau de descaso.
Num país de verdade, onde pessoas e empresas são responsabilizadas pelos seus atos, mesmo as companhias mais predatórias acabam tomando um mínimo de cuidado, não porque necessariamente respeitem a vida humana ou o meio-ambiente, mas talvez porque a ideia de ir para a cadeia não agrade aos seus executivos -- e porque, fazendo as contas, todos percebem que é melhor andar na linha.
Aqui não só ninguém vai para a cadeia como, fazendo as contas, Samarco, Vale e BHP não têm qualquer estímulo para mudar as suas práticas medievais de segurança. Uma multa de R$ 250 milhões para uma empresa que fatura R$ 7,5 bilhões por ano é uma ação entre amigos.
No mais, por maior que fosse essa multa -- de que adiantaria agora? Não há dinheiro no mundo que pague a perda de tanta vida e de tanta beleza. O que aconteceu em Minas não tem preço. Nem tem perdão.
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Na semana passada, eu havia prometido continuar contando da Coreia do Norte; mas eu precisava escrever isso aqui, precisava desabafar. Desde que mataram parte do meu país ando com vontade de chorar, de gritar e de ir para a rua quebrar tudo.

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(O Globo, Segundo Caderno, 19.11.2015)

Mudança

Estive ocupada com a mudança e adaptação às circunstâncias (agora um pouco diferentes mas nem tanto assim).
Instalada a Net, volto aos meus registros sobre os acontecimentos, o que tenho feito em manuscritos nas minhas agendinhas. Vamos lá:

15 de novembro 2015, domingo
Trovoadas ao longe, tempo fechado, abafado; depois, a chuvinha fina, tímida - aquela que não faz mudar a temperatura ainda bem quente.
Definitivamente não gosto do início de verão - nem do verão propriamente.  Aliás, estamos ainda oficialmente na primavera mas no Brasil até as estações do ano são confusas.
Sem assunto, sem graça.
Tudo em compasso de espera.
(...)
Relendo "Manuscritos de Felipa", de Adélia Prado e em muitos momentos sou Felipa, é só conferir:
"Estou cansada de excessos, parece.  Odiar excessos me faz cometê-los em série.  
Quero trocar minha geladeira por uma pequena, só água, leite e pronto. Fora com o freezer, com os armários repletos, o guarda-roupa entulhado.
Vou propor um bazar da pechincha, pagar as pessoas para carregarem aquelas vasilhas de plástico cheias de divisão, difíceis de lavar, trastes, micro-ondas, peguei preguiça, todas as peças dos importados de um e noventa e nove. (...) " - in "Manuscritos de Felipa", p. 35
(...)

Semana marcada por tragédias, calamidades, bar-ba-ri-da-des.
Penso mesmo que sou muito protegida por 'todo o Olimpo', como disse certa vez uma amiga que agora já está em companhia dos deuses de que gostava tanto.
Estou ainda sem internet e talvez seja melhor assim porque a rede social deve estar 'pipocando' de comentários de todo tipo. Ainda muito cansada para coordenar direito as ideias.

O mundo em decomposição.
Aqui no Brasil, Mariana - cidade das Minas Gerais, tão próxima do meu coração e da minha vivência na juventude...
Mariana histórica, aonde levei minha primeira filha - então com 11 anos de idade - num passeio gostoso em que tiramos muitas fotos - as fotos de antigamente, guardadas ainda com imenso carinho e muita saudade.
Mariana das minas de ouro e de Minas Gerais... agora literalmente atolada na lama. Uma das barragens de rejeitos de minério rompida devastando lugarejos, provocando soterramentos e morte. Não apenas uma metáfora pejorativa para o Brasil;  não um "mar" - que este nem chega a Minas Gerais - mas um rio de lama seguindo por catorze cidades mineiras em direção a outro Estado da Federação, o Espírito Santo.
Especialistas declarando oficialmente a morte do Rio Doce - doce provedor líquido da região - e também de qualquer forma de vida ao redor dele: peixes, plantas...

Em Paris, para encerrar a semana, na sexta-feira, 13 de novembro, o atentado, assumido pelo Estado Islâmico, a uma casa de shows. Centenas de mortos e feridos por terroristas.  As vítimas são pessoas que nada têm a ver com a sanha assassina de grupos alucinados tomados pelo fanatismo e pela ganância do poder.
É mesmo o mundo se decompondo; é o fim de qualquer sentimento humano.  E ainda tenho de ouvir (e ler) de alguns entendidos em política internacional que 'esses momentos de convulsão social' sempre existiram. Citam as duas grandes guerras (1914 e 1939) como embasamento para suas teorias, algo inerente à condição humana.
De minha parte, confesso minha ignorância sobre os motivos de tanta insanidade.
Fico pensando é no que virá a seguir.  Credo!


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