quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

MURIEL BARBERY - 'A elegância do ouriço'



Gosto muito desse livro e daqui em diante publicarei, vez ou outra, alguns trechos em ordem do andamento do romance.
Minha modestíssima opinião é de que vale muito destacar algumas passagens, mesmo sendo o livro todo muito divertido, muito 'saboroso'...

A autora consegue justificar o pensamento elaborado da protagonista, que embora sem grande escolaridade, adquire conhecimento sobre várias artes e ciências frequentando bibliotecas e museus. Ela lê Proust, Marx, ouve Mahler, Beethoven... A mulher é um "espetáculo"!
Só para dar um gostinho: o gato da personagem se chama Leon (prenome de Tolstoi, claro...) rssrsrs...
Ela  denomina os grandes artistas, os grandes cientistas, todos como 'zeladores'. Eu acho muito válido.

Alguns críticos foram ácidos, dizendo que a autora constrói  personagem narcisista, egocêntrica, achando-se superior,  patati...patatá... Não vi por esse ângulo: o livro nos traz informações sobre literatura, linguística, filosofia, música, enfim, tudo numa linguagem simples e bem cuidada, além da tradução primorosa.
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Cena do filme "L'hèrrison' - 'Renée e Leon'

"Meu nome é Renée. Tenho cinquenta e quatro anos. Há vinte e sete sou a concierge, a zeladora do número 7 da Rue de Grenelle, um belo palacete com pátio e jardim interno, dividido em oito apartamentos de alto luxo, todos habitados, todos gigantescos.  Sou viúva, baixinha, feia, gordinha, tenho calos nos pés e, em certas manhãs autoincômodas, um hálito de mamute. Não estudei, sempre fui pobre, discreta e insignificante.  Vivo sozinha com meu gato, um bichano gordo e preguiçoso, cuja única particularidade digna de nota é ficar com as patas fedendo quando é contrariado.  Ele e eu não fazemos nenhum esforço para nos integrar no círculo de nossos semelhantes.  Como raramente sou simpática, embora sempre bem educada, não gostam de mim, mas me toleram porque correspondo tão bem ao que a crença social associou ao paradigma da concierge, que sou uma das múltiplas engrenagens que fazem girar a grande ilusão universal de que a vida tem um sentido que pode ser facilmente decifrado."  (2. - p.15)
(...)

"Às terças e às quintas, Manuela, minha única amiga, toma chá comigo na minha casa.  Manuela é uma mulher simples cuja elegância não foi despojada pelos vinte anos desperdiçados à cata de poeira na casa dos outros.  Catar poeira, é, aliás, uma simplificação bem pudica. Mas na casa dos ricos não se chamam as coisas pelo nome."  (...) 
"Assim como sou uma traição permanente ao meu arquétipo, assim também Manuela é uma traidora que se ignora do arquétipo da faxineira portuguesa. (...) mesmo com suas meias elásticas pretas e o lencinho na cabeça, é uma aristocrata, uma autêntica, uma grande, do tipo que não sofre nenhuma contestação porque, em seu próprio coração, ela ri das etiquetas e dos sobrenomes ilustres. (...) Assim como o contador de histórias transforma a vida num rio furta-cor onde são tragados o tédio e o sofrimento, Manuela metamorfoseia nossa vida numa epopeia calorosa e alegre." (p. 29-30-31)

(...)
"Esta tarde o sr Arthens usa uma gravata à Lavallière de poá, que flutua em volta de seu pescoço de patrício e não lhe cai nada bem, pois a abundância de sua juba leonina e o bufante etéreo da seda formam uma espécie de 'tutu'  vaporoso em que se perde a virilidade que, de costume, o homem exibe. E além disso, que diabos, aquela gravata à Lavallière me lembra alguma coisa.  Quase sorrio ao lembrar. É a mesma de Legrandin. No 'Em busca do tempo perdido', obra de um certo Marcel..." (p.33) 


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