quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Mineirês - muita saudade...

Um trem qualquer
Eduardo Affonso - página 'Escrevinhações'

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Não falo Português nem Brasileiro – falo Mineirês, espichando os sss, comendo as palavras pelas beiradas, roendo-as até deixar só a raiz, só o tutano.

– Cuméquitá o trans?

– Confuz quiçó ceveno.

(Pra que “trânsito”, se “trans” já diz? Por que várias palavras, se pó juntar tudo num trem só?)

O Mineirês – não fosse ele invenção de mineiro – é econômico.

Com uma coisa e um trem (que são o mesmo trem, a mesma coisa), a gen dá conta de tudo.

– Já coisou o trem?

– Vô coisá.

E lá vai o mineiro coisando o que tem pra coisar, até o trem ficar do jeitim que tem que ser.

Porque Mineirês não é só esse trem de usar trem pra tudo quanto é trem.

Mesmo um tã de trem que não tem como melhorar, o mineiro pega e melhora.

Um bocadinho, que já é menor que um bocado, a gente incói  pra um muncadiquim, que ainda é o dobro de um cadiquim de nada.

Mineirês não é só o que se diz, mas como é dito.
A fala vai em ritmo de carro de boi, modulando a voz nas curvas da estradinha de chão que é o jeito mineiro de falar – vogais se fechando como quem poupa fôlego montanha acima, os RR raspando a garganta como quem segura o cabresto montanha abaixo.

Mineirês se fala de soslaio, mesmo olhando de frente.
Na maciota, mesmo se o assunto é pedregoso.

Linguistas dirão que tudo se reduz às sílabas tônicas serem mais longas que as átonas, à apócope das vogais curtas, à palatização do D e do T, à aférese do E, ao escambo do E pelo I e do O pelo U, ao esfumaçar do U na última sílaba.

Dito assim, o Mineirês parece fácil, teorema demonstrado.
Só que não bastam os trilhos, a estação, a mala na mão e o adeus para haver uma viagem.

É preciso um trem.

Um trem que não se sabe bem o que é – a não ser que se fale Mineirês.

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segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

"Fisolofando"...

Quebrando a cabeça com ÉTIENNE de LA BOÉTIE


Estou lendo o "Discurso da Servidão Voluntária", de Etienne de La Boétie - filósofo do séc. XVI. Apaixonante, mas muito, muito difícil.
Filosofia é um negócio danado... as perguntas são muitas, resposta nenhuma. É só pra pensar mesmo...
Minha bisavó dizia que 'de pensar morreu um burro'.
Quero morrer agora não, caramba!

"...aqueles dotados de claro entendimento e espírito clarividente, não se limitam, como o vulgo, a olhar só para o que têm adiante dos pés, olham também para trás e para frente e, estudando bem as coisas passadas, conhecem melhor o futuro e o presente.
Além de terem um espírito bem formado, tudo fazem para aperfeiçoá-lo pelo estudo e pelo saber."
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Esse homem esteve muuuito à frente do seu tempo ou nós é que estamos atrasados em 5 séculos?! Pensa aí, vai, me ajuda...

"A amizade é uma palavra sagrada, é uma coisa santa e só pode existir entre pessoas de bem, só se mantém quando há estima mútua; conserva-se não tanto pelos benefícios quanto por uma vida de bondade.
O que dá ao amigo a certeza de contar com o amigo é o conhecimento que tem da sua integridade, a forma como corresponde à sua amizade, o seu bom feitio, a fé e a constância.
Não cabe amizade onde há crueldade, onde há deslealdade, onde há injustiça. Quando os maus se reúnem, fazem-no para conspirar, não para travarem amizade. Apoiam-se uns aos outros, mas temem-se reciprocamente. Não são amigos, são cúmplices."
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"Dizem os médicos que, havendo no nosso corpo uma parte afetada, é nela que naturalmente se reúnem os humores malignos; da mesma forma, quando um rei se declara tirano, tudo quanto é mau, a escória do reino (não me refiro aos larápios e outros desorelhados que no conjunto da república não
fazem bem ou mal algum), os que são ambiciosos e avarentos, todos se juntam à volta dele para apoiarem-no, para participarem do saque e serem outros tantos tiranetes logo abaixo do tirano. É o caso dos grandes ladrões e corsários famosos. 
Há uns que exploram o país e assaltam os viajantes; estão uns de emboscada e outros à espreita; uns chacinam, outros saqueiam e, havendo muito embora alguns mais proeminentes, uns que são criados e outros chefes de bando, todos afinal se sentem donos, senão do espólio principal, pelo menos de parte dele."


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