Seremos todos trouxas?
Lya Luft
Todos podem, devem, clamar: “Assim não dá mais. Assim não quero mais”
Tenho escolhido muito cuidadosamente minhas palavras nas tantas dezenas, já centenas, de artigos aqui publicados, para não ser diretamente ofensiva e jamais incorrer em alguma injustiça que poderia ter sido prevenida, pois pobre de quem quiser ser juiz do outro.
Mas aos poucos as palavras começam a fugir dos arreios que a prudência lhes tem imposto, e reclamam, e se agitam, e se queixam, exigindo que as deixe brotar naturalmente.
Por isso tenho me perguntado, e a algumas pessoas mais chegadas, diante dos absurdos que acontecem: somos mesmo um país de trouxas, para nos tratarem assim?
Que falta de noção, de ridículo, que falta de respeito, tanta empulhação feita e dita com cara séria e até frases de retórica, como se fôssemos uma manada de imbecis.
Por exemplo, a cantilena cansativa e já patética de que as confusões e desgraceiras no país ocorrem “porque a oposição não aceita ter perdido as eleições” lá nos idos de 2014!
Ou dar a entender que um ex-mandatário brasileiro, embora vivendo com luxo, nada possui de seu, é um pobre, mora, vive, diverte-se “de favor”. Amigos cuidam dele e de sua família, até pagando fortunas para armazenar contêineres com ditos presentes que teria recebido em seus importantíssimos mandatos.
Momentinho! Nenhuma pessoa em cargo público pode aceitar presentes no valor de mais de 100 reais, e se aceitar terá de deixar TUDO, ao sair, em lugares públicos, como benefício para o público, pois a ele não pertencem, e sim ao cargo ocupado.
Mandantes do mais alto posto desprezam a Justiça, censuram ações legais como se neste país tão esfacelado a Justiça não fosse mais importante do que o mais importante cargo.
Nada contra pessoas, partidos, seitas, seja o que for.
Sou, sim, contrária à injustiça, à exploração que submete, à hipocrisia que mente e destrói, ao cinismo que abusa da credulidade dos bons e esforçados.
Sou totalmente contrária à mentira com que se enfraquece a força de vontade e se desvia a capacidade de protesto dos bons e inocentes que acreditam quando deveriam há muito desconfiar, e que ainda lutam quando deveriam voltar-se para outro lado.
Sem rancor, sem maus desejos, apenas expresso meu estarrecimento diante do que vem sucedendo nas altas cúpulas, agora de novo tentando incendiar as classes mais simples, como se o país já não tivesse desabado num poço, enfiando o pé naquele malfadado alçapão que para mal de nossos pecados ainda se abriu no fundo.
Não quero o mal de ninguém, mas quero o bem deste meu pobre país, objeto de tanta exploração e destruição, por corruptos, gananciosos, dementes, inqualificáveis ou desqualificados seres humanos em posições de poder.
É preciso fazer uma rearrumação em todos os cantos e recantos, em todos os níveis sociais, intelectuais, morais, não importa: quero homenagear a Justiça, que agora bafeja o coração dos que ainda por aqui pensam – que continue, e floresça, e progrida, e quem sabe faça uma limpeza geral e essencial, para que, das ruínas em que moral e economicamente já vagamos, possamos juntar cacos e construir um país respeitado e decente.
Não é possível que nós, o povo brasileiro – que, repito, não é constituído só dos operários, sindicalistas, despossuídos, explorados, mas de cada um dos que, como eu, trabalham para pagar suas contas e seus impostos, labutam, se desgastam, correm, criam sua família, cuidam de seus amigos, e à noite perdem o sono pensando no que será de nós -, aceitemos o que está ocorrendo.
Todos, velhos, doentes, mulheres grávidas, garis, professores, enfermeiras, bancários, empregados do comércio ou indústria, agricultores, estudantes, não somos trouxas: cada um de nós é uma peça do povo brasileiro, e todos (a não ser os idiotizados pela neurose de uma crendice ou ideologia cega) veem, sentem, sofrem o que nos acontece – e podem, devem, clamar e reclamar: “Assim não dá mais. Assim não quero mais”.
É hora, urgente, de refazer, limpar, desinfetar, arejar, para podermos começar a pensar em arrumar de novo esta casa, esta pátria, este Brasil.
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Texto na Reivsta 'Veja' , edição 2469, de 16/03/2016.
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