"O Teatro Municipal de São Paulo abre as portas hoje para o concerto inaugural de seu novo piano Steinway & Sons, recém-adquirido pelos Patronos do Municipal.
Quem escolheu o piano na sede da Steinway em Nova York foi o músico brasileiro Arnaldo Cohen, um dos pianistas de maior projeção no cenário internacional."
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"Instrumento tem personalidade
ARNALDO COHEN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Foi como entrevistar dez pessoas, sendo que somente uma conseguiria o emprego.
À primeira vista, a tarefa se mostrava quase impossível, pois eram todos idênticos, decagêmeos da mesma mãe Dolores. E univitelinos!
Pra completar, o nome dos dez era o mesmo: Steinway...
Com todos em forma, como soldados, iniciei a entrevista:
— Você é submisso e tem temperamento forte? Dois responderam "não". Pedi que se retirassem.
— Você consegue imitar tanto o som do tímpano quanto o da voz humana? Três "claro que não!" me fizeram respirar aliviado. Peraí: e se todos dissessem "não"?
Ainda restavam cinco.
— Você é capaz de ser um co-piloto numa viagem emocional através de terrenos áridos, florestas indevassáveis e rios turbulentos? Sem titubear? A resposta foi unânime: "sim". Pensei. "Oba, parece que o nível por aqui é realmente alto."
— Você pode transformar um suspiro numa explosão? Numa fração de segundo? Candidamente, mais três confessaram suas limitações.
Sobraram apenas dois candidatos. Cada um numa extremidade da sala e sempre em posição de sentido. Pedi que se aproximassem um do outro.
— Você tem senso de humor? Você chora? "Sim", "sim".
— Você será o amigo fiel nos momentos de dúvida? Companheiro na solidão do palco? "Sim", "sim".
— Jura obediência? Tem resistência física? Apesar de piano, você pode ser feminino? Consegue ser pai, mãe, irmão, amante e filho? "Sim", "sim".
A segurança com que eles enfrentavam essa prova de fogo fazia crescer ainda mais minha ansiedade. E se o fantasma do "unidunitê" tomasse conta de mim? Tentei a última cartada:
— Qual é o seu nome? O primeiro respondeu rápido: "Steinway". O segundo, com voz de sargento e me olhando fixo nos olhos, bradou com firmeza: "529.795, SIR!"
— O lugar é seu.
Lá fora fazia frio."
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