O país que precisa de mitos
PAULO CASSIANO JÚNIOR – página ‘Jornal Terceira Via’
“Desde os primórdios, o ser humano sempre buscou explicação para a realidade.
Na Grécia Antiga, quando o conhecimento era transmitido basicamente por tradição oral, os narradores (rapsodos) valiam-se de relatos fantasiosos que pretendiam elucidar ou justificar a origem do mundo, a condição do homem, o estado das coisas e os fenômenos naturais. Essa ferramenta simbólica utilizada para disseminar o conhecimento era o mito.
Uma das características da narrativa mítica era a presença do elemento misterioso. Como os rapsodos eram pessoas tidas como divinamente inspiradas e, portanto, dignas de toda confiança, seus ouvintes não encontravam incongruências em suas histórias fantásticas e sagradas.
Questionar o mito implicava contradizer os próprios deuses. Ancorado na fé, o mito predominou até que alguns começaram a lançar sobre ele um olhar crítico, problematizador e radical. Nascia aí a filosofia.
Apesar de a narrativa mítica ter sido superada pelo pensamento filosófico, o mito sobreviveu aos tempos e agregou hoje uma outra acepção.
Popularmente, o mito moderno designa toda pessoa detentora de poderes e habilidades superiores, capaz de alcançar feitos extraordinários. Nesse sentido, é mito quem saca uma ideia genial para resolver um problema complexo. Ou quem lança uma última palavra capaz de encerrar uma discussão travada.
O mito é sempre aclamado pela multidão. O mito é encantador, carismático e portador de valores nobres. O mito é a síntese da virtude.
(...)
Quem trata homens de carne e osso como mitos precisa fechar os olhos para as limitações que eles apresentam e os erros que eles cometem.
Tal como na Grécia antiga, o mito moderno só se sustenta com o ingrediente da fé, inacessível pela razão.
Só assim os bolsonaristas ignoram o discurso sectário e antidemocrático de seu candidato.
Também por isso os lulistas fingem não ver as evidências de corrupção partidária e enriquecimento pessoal que o ex-presidente protagonizou,
(...)
No fundo, a ânsia dos brasileiros por um salvador da pátria expõe a imaturidade da nossa cidadania.
Ao erigirmos ídolos sobre quem recairão todas as nossas esperanças de redenção, sentimo-nos confortáveis para darmos descanso a nós mesmos da árdua tarefa diária de construção de uma nação melhor.
O país que precisa de mitos revela a fragilidade de sua própria democracia.
Nós não necessitamos de líderes messiânicos, mas de instituições fortes.
Afinal, no reino dos humanos, todos os mitos possuem pés de barro.”
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