Para explicar o título é preciso recorrer à poesia de João Cabral de Melo Neto.
Acredito que Belchior se inspirou no poema homônimo de João Cabral que explica o que seria um canto - ou um cante - a palo seco.
Alguns versos (o poema é longuíssimo):
(...)
"Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
se diz a palo seco
a esse cante despido:
ao cante que se canta
sob o silêncio a pino."
"O cante a palo seco
não é um cante a esmo:
exige ser cantado
com todo o ser aberto;
é um cante que exige
o ser-se ao meio dia,
que é quando a sombra foge
e não medra a magia."
"Eis alguns exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:
não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente"
(...)
Lendo estes versos, entende-se o propósito do título.
Belchior queria, de fato, explicar o porquê de ser como é; o porquê de cantar situações tão secas, tão áridas, que tão facilmente enxergamos em Como Nossos Pais, Tudo Outra Vez etc.
A verdade é que seguia os ditos de João Cabral : não acostumar-se ao seco, mas falar seco, cantar seco, pois assim causaria as reações que queria.
Há que se destacar o fato de Belchior cantar a realidade sem muitos rodeios, sem metáforas, de olhos abertos, a palo seco.
Naquela época - assim como hoje, em outro contexto - havia um descontentamento social muito grande no país e mesmo em outros países da América do Sul.
Mas a participação da obra de João Cabral de Melo Neto na canção não fica restrita ao título.
Os últimos versos na letra da música fazem referência a um outro poema do autor chamado Uma Faca Só Lâmina ou Serventia das Ideias Fixas.
"Eu quero que esse canto torto,
feito faca corte a carne de vocês." (Belchior)
Belchior quer que machuque, que corte, que deixe marca. Ele canta a palo seco para que suas palavras atinjam o coração das pessoas e talvez algo possa ser feito para que a situação melhore.
É... não sei por que, hoje lembrei-me de Belchior...
* * *