Augusto de Franco - Campos do Jordão
Sobre a pessoa comum no 1º de janeiro
Com o passar dos anos (ela tinha à época 69 anos), às vezes, vem a reflexão sobre o vazio dessas comemorações compartilhadas por todas as pessoas.
Alguma razão deve haver para tal valorização, sobretudo como esta da virada do ano, que afeta inclusive culturas que adotam outros calendários.
Dizem que os humanos precisam de coisas assim, de marcos simbólicos para dar sentido às suas vidas ou para manter acesa a chama da esperança.
Não creio. Os humanos precisamos de festa, do se comprazer na convivência e do congraçamento, sim. Mas não de repetir rituais.
São rotinas que se instalam na rede ou no campo social instalando redemoinhos de fluxos dos quais é difícil escapar.
Nas últimas décadas tenho observado em mim um comportamento esquisito nestas datas. Tendo a ficar mais triste do que alegre.
Não vejo substância humana (propriamente criativa) na alegria obrigatória, nos votos de mudança de vida, nos despachos, nos beijos e abraços rituais.
Sim, há uma ritualística para essas datas, reforçada pelas mídias broadcasting retratando as queimas de fogos da Austrália a São Francisco.
Tudo muito repetitivo (pois que toda liturgia só se constitui pela repetição): se reprisássemos reportagens dos anos passados, daria na mesma.
Claro que, em qualquer circunstância, como diz a canção do Vinícius, "é melhor ser alegre que ser triste". Inclusive nas festividades de ano novo. E que, como descobriram os investigadores contemporâneos da nova ciência das redes, como Nicholas Christakis, a alegria não é algo que brota no indivíduo isolado, mas é contagiante porque é o resultado de relâmpagos que percorrem as redes a que estamos conectados. Por isso as pessoas ficam predispostas a comemorar.
No entanto, o comportamento individual depende da maneira como espelhamos em nós esses relacionamentos, ou melhor, do modo (sempre unique) como introjetamos esses emaranhados onde estamos (e somos, como pessoas).
Paradoxalmente, quanto mais comum for uma pessoa (ou seja, quanto menos privada e ansiante por ser incomum ela for), menos ela será afetada pelos padrões litúrgicos que rodam como programas na rede. Menos ela comemorará as sextas-feiras e reclamará das segundas-feiras. Menos ela se obrigará a se predispor (quase fingir) que está integrada no clima geral de alegria só porque todo mundo está.
Comum não é quem entra na onda geral de euforia do rebanho e sim o que extrai energia criativa das ocasiões menos importantes, conferindo significado cósmico aos eventos mais comezinhos e banais do dia-a-dia, desde que haja a criação de um novo espaço-entre as pessoas.
Um olhar, um aperto de mão, um abraço na manhã cinzenta e chuvosa da segunda-feira podem, assim, ser mais plenos de sentido humanizante do que os embalos de sábado a noite ou do que as grandes "festas de escravos" da Matrix no reveillon.
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