quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A PALO SECO- João Cabral de Melo Neto / canção de Belchior

Não sei por que, hoje lembrei-me de Belchior, 'sumido' desde mais ou menos 2008...


Para explicar o título é preciso recorrer à poesia de João Cabral de Melo Neto.

Acredito que Belchior se inspirou no poema homônimo de João Cabral que explica o que seria um canto - ou um cante - a palo seco.

Alguns versos (o poema é longuíssimo):
(...)
"Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
se diz a palo seco
a esse cante despido:
ao cante que se canta
sob o silêncio a pino."

"O cante a palo seco
não é um cante a esmo:
exige ser cantado
com todo o ser aberto;
é um cante que exige
o ser-se ao meio dia,
que é quando a sombra foge
e não medra a magia."

"Eis alguns exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:
não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente"
(...)

Lendo estes versos, entende-se o propósito do título.
Belchior queria, de fato, explicar o porquê de ser como é; o porquê de cantar situações tão secas, tão áridas, que tão facilmente enxergamos em Como Nossos Pais, Tudo Outra Vez etc.
A verdade é que seguia os ditos de João Cabral : não acostumar-se ao seco, mas falar seco, cantar seco, pois assim causaria as reações que queria.

Há que se destacar o fato de Belchior cantar a realidade sem muitos rodeios, sem metáforas,  de olhos abertos, a palo seco.
Naquela época - assim como hoje, em outro contexto  - havia um descontentamento social muito grande no país e mesmo em outros países da América do Sul.
    
Mas a participação da obra de João Cabral de Melo Neto na canção não fica restrita ao título.
Os últimos versos na letra da música fazem referência a um outro poema do autor chamado Uma Faca Só Lâmina ou Serventia das Ideias Fixas.

"Eu quero que esse canto torto,
feito faca corte a carne de vocês."  (Belchior)

Belchior quer que machuque, que corte, que deixe marca. Ele canta a palo seco para que suas palavras atinjam o coração das pessoas e talvez algo possa ser feito para que a situação melhore.

É... não sei por que, hoje lembrei-me de Belchior...

*            *            *

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

"O leitor" - filme e livro


"O LEITOR": UM OLHAR SOBRE O AMOR EM UMA SOCIEDADE MARCADA PELA CULPA
Sílvia Marques - "Obvious - cinema pensante'

Este artigo analisa o filme "O leitor" sob a perspectiva da culpa coletiva na sociedade alemã pós Segunda Guerra Mundial.
Kate_Winslet_2006_Toronto.jpg
Kate Winslet foi premiada pela atuação como a ex-carrasca nazista em “O leitor”

O filme "O leitor" , do cineasta inglês Stephen Daldry , inspirado no best seller alemão homônimo , de Bernhard Schlink, é muito mais que um filme romântico. Ele é um filme verdadeiramente romântico. 
Diferentemente das milhares comédias açucaradas que transformam a intimidade em espetáculo , por meio de beijos aplaudidos por plateias de desconhecidos , "O leitor" devassa o amor através dos silêncios dos personagens. 
Remonta uma história entre dois amantes separados pelas circunstâncias , por meio de falas não pronunciadas , de imagens fragmentadas que exigem do espectador um olhar muito mais atencioso e sensível.
Nem tudo vem pronto e explicado neste filme que fala sobre o amor sob a perspectiva da culpa. Me parece que amor e culpa são dois temas realmente indissociáveis. Há quem pense que não existe amor sem culpa, sem ruptura , sem transgressão. O simples ato de amar pode ser considerado uma transgressão , pois nos faz rever valores , desmente nossas verdades , desorganiza as estruturas sociais. É uma bela bofetada bem no meio da cara de quem deseja ter tudo sob controle.

Como diria o cineasta espanhol Luis Buñuel , amor e revolta são as palavras mais revolucionárias que existem. 
Porém, "O leitor" não fala de uma culpa individual. Vai além dos sentimentos de Michael e Hanna e toma a dimensão da sociedade alemã , vinte anos após o término da Segunda Guerra Mundial. 
O amor parece algo proibido para um povo que participou de um genocídio. 
Tenho a impressão de que tanto o romance de Schlink como o filme de Daldry parecem redimir uma sociedade capaz de se entregar às mais ardentes paixões e aos mais profundos amores , mesmo em meio aos horrores de um período histórico tenebroso .

Depois de passar a vida assistindo a filmes sobre o holocausto, sempre me pareceu impossível um carrasco nazista ter se apaixonado ou ter sido capaz de um gesto verdadeiro de bondade e ternura. Não é apenas o amor que desmente as nossas verdades . O cinema e "O leitor" também desconstroem nossas crenças mais arraigadas, por meio de uma ex-carrasca nazista que se torna o grande amor da vida de um homem.

Hanna , cúmplice da morte de 300 mulheres oficialmente , sem falar nas outras que conduziu para Auschwitz, é tão capaz de amar como qualquer outra mulher . 
Seu amor é desajeitado. Hanna é uma mulher rude , mas nem por isso desprovida de afetividade. Podemos ver a sua gentileza dura , logo em uma das primeiras cenas , quando ajuda Michael, adoecido na entrada de sua casa. 
O abraço que oferece ao garoto desconhecido e assustado tem a firmeza de quem é capaz de se solidarizar profundamente. Entretanto, em nome do dever e do cumprimento das regras , alguns anos antes , permitiu que 300 mulheres judias morressem queimadas.

Hanna foge ao estereótipo do carrasco nazista , sádico e impiedoso. Ela participou de algo terrível que não conseguia compreender completamente, embora em um momento da trama , fique clara a ideia de seu entendimento e da inutilidade de sua culpa, por meio das frases “Não importa o que eu penso. Não importa o que eu sinto. Os mortos continuam mortos.

A dor da perda transforma Michael , um garoto ingênuo e romântico, capaz de expressar seu amor despudoradamente , em um homem tragado pela solidão e pelo abandono . 
Depois de Hanna , nenhuma outra mulher foi capaz de preencher o vazio deixado em sua vida, nem mesmo a sua esposa e a sua filha, com quem ele se aproxima apenas no final da trama. Michael se distanciou de todos. Se distanciou dele mesmo.
"O leitor" quebra a dinâmica maniqueísta de mocinhos e vilãos. O amor da vida de Michael, um advogado culto, inteligente e bom caráter , é uma ex-carrasca nazista , 20 anos mais velha , analfabeta em uma sociedade letrada , em que não saber ler e escrever pode ser uma culpa tão grande e vergonhosa , quanto ter cometido um crime.

‘O leitor" precisa ser entendido no contexto da Alemanha ocidental, pós-guerra. 
Alguns dos gestos , atitudes e não atitudes dos personagens , só tem significado para aquela sociedade , para aquela cultura que como qualquer outra sociedade e cultura tem os seus paradigmas. Podemos dizer que a grande prova de amor que Michael oferece a Hanna é uma não atitude , uma omissão. Ele não a ajuda a se livrar de uma condenação injusta , porém, preserva o seu segredo . É no silêncio mais uma vez que se refugia o amor em "O leitor".

Se combater o analfabetismo é uma questão em processo em nosso país , o mesmo não acontece na Europa Central em que é inadmissível não saber ler e escrever. 
Para aqueles que se prenderem aos valores e verdades da nossa cultura , “O leitor” pode soar como inverossímil. Para quem nunca se questionou sobre os mecanismos do amor , o mesmo pode ocorrer. Será que sempre amamos o mais adequado a nós? 
Será que sempre amamos o mais valoroso, o mais altruísta , o mais belo, inteligente , culto e generoso? 
Mais que uma aula sobre um povo estigmatizado , é uma releitura sobre a dinâmica imprevisível do desejo.

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Abaixo, o meu comentário sobre livro e filme, há quase 4 anos.

Agora estou às voltas com “O leitor”, de Bernhard Schlink, romance que deu origem ao filme homônimo estrelado por Kate Winslet (“Titanic”, impossível dissociar) e Ralph Fiennes.
Já recomecei essa leitura umas três vezes e sempre interrompo. Não que fique entediada, mas porque há muita coisa para ver e ler na internet, daí...

Gostei do filme, mas era como se ‘faltasse’ algum trecho da história, sei lá.

Está claro que as linguagens são diferentes; o cinema e a TV trazem variadas visões de mundo – roteirista, diretor, cinegrafista, iluminador, atores, o custo, o ‘time’, enfim, há muitos filtros, até estabelecermos nossa própria avaliação. O livro, não: há o autor e o leitor - se entendendo ou se desentendendo. Por isso é difícil um filme ou novela, baseados em obra literária, ficar no mesmo patamar.  No que me diz respeito, estou gostando mais do livro, como sempre.

Sueli
Itatiaia, 13-2-2012, segunda feira

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Temporariamente...

MEU PRIMEIRO SUICÍDIO
Eduardo Lima Cabral - 'OBVIOUS - recortes'

Recentemente resolvi suicidar-me socialmente. 
Deletei meus cinco diferentes logins de todas as minhas contas em redes sociais, aquelas que geralmente a gente costuma cultivar o ócio e prolongar milhares de assuntos banais até que eles ganhem alguma relevância.

 Facebook Deletar Deleted

Do Facebook ao Instagram, resolvi apagar tudo. Num estalo de sensatez, achei tudo aquilo sem sentido, pelo menos por um momento, pelo menos por enquanto.

A ideia de estar disponível, se alimentando o tempo inteiro de superficialidades, exigindo e consumindo informações sem nenhum tempo para a digestão faz a gente entrar no automático da compulsividade por pautas inúteis, faz a gente absorver sem distinguir e, sem distinguir, faz a gente se perder.
Perder-se de si em uma rede social em que o principal atrativo é você, sinceramente, é uma das coisas mais idiotas que podemos fazer, mas se compararmos até que ponto a sensação de alimentar e montar o próprio avatar para um público invisível é, realmente, positiva para nós?

Se colocarmos numa balança, a ansiedade que se sente pela expectativa de aceitação é maior que toda a inveja e previsão de rejeição que cultivamos enquanto monitoramos uns aos outros?
Aprendemos a viver numa tensão por atenção. Nos obrigamos a ficar atentos e a olharmos uns pelos outros pelos motivos errados, por tudo aquilo que é superficial e banal. Olhamos cabelo, roupa, bunda, pelos, carro, emprego e, de forma consciente, sabemos que estamos sendo observados por estes mesmos motivos, logo, entramos no automático para melhorar cada vez mais nossos principais pontos que são avistados, os da superfície.
Com pessoas cada vez mais narcisas, exibicionistas, e egocêntricas, como você acha que estaremos daqui alguns anos?

Se tratando do intelecto, ou o breve lado que abordamos questões direcionadas ao conteúdo de cada um de nós, parece que não ter visto o que saiu por último no mundo é desagradável, é errado.
Vivemos a tensão por atenção, não só aos 'detalhes banais mais importantes das últimas três horas de vida de uma determinada pessoa', mas das notícias, do consumo sem critério de qualquer e toda informação.
Parece que não saber qual o último viral, quem foi fazer as unhas, qual a cor do vestido naquela foto, ou ver as últimas fotos que vazaram de alguém, é não fazer parte, é estar por fora. 
Parece que o mundo ficou rápido, tudo num toque de atualização, e que deixamos de viver para assistir as coisas.

Resolvi me desligar para me atualizar. Como um software, dos mais antigos até os mais recentes. Daquele chato que pede para reiniciar seu computador, necessitando rodar toda a bagagem e ser reiniciado por completo, até aquela atualização rápida no seu celular, que também desliga, mesmo que brevemente, para que as configurações engradeçam seu sistema.
Me desliguei para apagar de uma vez esta ideia que estamos construindo - de forma coletiva - como nossa nova cultura, como nosso novo legado. A necessidade de aceitação a qualquer custo, sempre acompanhada da fobia de não estar sabendo de tudo.

Hoje estou reaprendendo a me interessar pelo desinteresse, pelo ócio, pelo silêncio, por não saber, não ter visto, por não ter o que fazer, por dormir e, principalmente, por não ter um leque de criadas e desnecessárias tensões.

Parece que não, e pode até soar como conspiração, mas você pensa de forma extremamente distante de como pensava há 10 anos, e nada tem a ver com sua idade ou todo o avanço tecnológico e a evolução. Isso tem a ver como a nova forma com a qual estamos semeando nossa própria educação, nos tornando seres humanos que deixam cada vez mais claro o próprio medo de estarem vivendo em vão, deixando que isso afete a forma como a gente se relacione hoje.

Sim, o termo 'suicídio' foi escolhido a dedo, de certa forma, carregado com uma pitada de receio, mas o ponto central deste recorte de provocação é que, não é porque estamos andando para frente que é uma evolução, ou que seja certo. 
Um ótimo exemplo é a inocente e verdadeira sinceridade de toda e qualquer criança, que geralmente, sem pestanejar, falar o tudo sem pensar.

Se desconectar é viver uma vida sem bloqueios, sem chancelas, sem redes, sem a necessidade de ser social
Nada permanente, talvez como a filosofia A.A., comece só por hoje, torne provisório e retome aquilo que deveríamos ser, ou volte a navegar pensando o que gostaria que fosse.


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Notinha: os grifos são meus.



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A palavra escrita

O poder da palavra escrita
Andrea De Laurentiis Ricci Peres - de Piracicaba, SP
  
Quando refletimos sobre a comunicação escrita, logo pensamos no uso da Palavra , com a qual podemos estruturar nossos pensamentos e perpetuá-los no papel, pois muita coisa é apagada pelo tempo, mas não a palavra escrita. 

A evolução da escrita eternizou a história, permitindo que nos tornássemos indivíduos capazes de compreender mais e melhor o mundo, inclusive transformando-o. 
Além disso, nos incentiva, a cada dia, no desenvolvimento de diferentes áreas lingüísticas: ler/escrever, falar/ouvir. 

É muito estranho discorrer sobre este assunto sem referência à leitura, já que ler é um modo de aprendizado permanente, não só porque possibilita a reconstrução e integração de certas mensagens, como, principalmente, porque é através disso que exercitamos o conhecimento, estabelecendo relação entre a fala e a escrita. 

As palavras que são apenas faladas perdem sua “vida” no momento que as proferimos, porém quando as transportamos para o papel, elas se consolidam;  assim, a escrita faz da palavra uma nova autoridade, trazendo consigo um poder intenso, que poucos têm consciência. 
Mesmo que as usemos a todo momento, raramente pensamos mais profundamente no que dizemos e como falamos, é preciso escrever para meditar sobre o potencial que cada palavra carrega. 

O poder da palavra não se limita ao significado lingüístico dela, mas da maneira que muda a vida de alguém. 
Palavras podem “matar” sentimentos, ferir, mentir, esclarecer, salvar, transformar. 
Palavras têm poder, não são inócuas, principalmente as escritas. 
A sensibilidade para transformar palavras faladas em escritas tem um legado sério demais, pois exige reflexão, a escolha de cada uma é determinante, pois se antes, quando ditas, tinham poder, que era momentâneo, depois de escritas, conseguem o poder perpétuo, não apenas casual, mas efetivo. 

A palavra escrita transformou o universo humano, permitindo-nos olhar a realidade descrita de forma crítica e completamente nova. Portanto, a cultura escrita já era um tema interdisciplinar antes mesmo da interdisciplinaridade ser tão discutida, visto que eternizamos as expressões culturais mais solenes e importantes, como a religião, a filosofia, o direito, a ciência, a história e a literatura, através da boa escrita. 

Saber escrever não é simplesmente conhecer sílabas, vocabulários e estruturas gramaticais, mais do que isso é um instrumento para reestruturarmos novas identidades, reafirmar ou romper laços, buscando convencer, dissuadir novos leitores. Indiscutivelmente é reconhecer as limitações do próprio saber para poder buscá-lo e aprimorá-lo. 

Escrever também é um diálogo interno, particular, que auxilia a fluência do pensamento, compartilhando-o com várias pessoas ao mesmo tempo, depois da produção final. 
Diante disso, observamos um feliz ciclo vicioso, pois o que lemos está escrito. 
Para escrevermos, precisamos ler vários assuntos; depois da escrita vem a fala sobre o que se escreveu e, por conseguinte, ouvimos as críticas positivas ou negativas, para, dessa forma, melhorarmos nossa leitura, aperfeiçoarmos nossa escrita, falarmos melhor e entendermos o que ouvimos. 

Podemos, finalmente, considerar a palavra escrita como forma de conhecimento, que vai além da linguagem, ou seja, que não serve apenas como um simples código de comunicação. 

A palavra bem escrita, entendida e interpretada, nos leva para outras formas de ser e estar no mundo, pois através dos textos que escrevemos, podemos exteriorizar o que pensamos como se o papel fosse um retrato do que somos e do que queremos para nosso mundo particular ou não. 
É exatamente neste ponto que percebemos todo o poder que a palavra escrita possui.

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sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

ANO NOVO (DE NOVO)

ANO NOVO
Augusto de Franco - Campos do Jordão

Sobre a pessoa comum no 1º de janeiro

Naquele frisson de preparação da passagem do ano 1999 para 2000, me lembro como se fosse hoje da Ruth me dizendo:  "Ah! No outro dia é tudo a mesma coisa".

Com o passar dos anos (ela tinha à época 69 anos), às vezes, vem a reflexão sobre o vazio dessas comemorações compartilhadas por todas as pessoas.
Alguma razão deve haver para tal valorização, sobretudo como esta da virada do ano, que afeta inclusive culturas que adotam outros calendários.
Dizem que os humanos precisam de coisas assim, de marcos simbólicos para dar sentido às suas vidas ou para manter acesa a chama da esperança.
Não creio. Os humanos precisamos de festa, do se comprazer na convivência e do congraçamento, sim. Mas não de repetir rituais.
São rotinas que se instalam na rede ou no campo social instalando redemoinhos de fluxos dos quais é difícil escapar.
Nas últimas décadas tenho observado em mim um comportamento esquisito nestas datas. Tendo a ficar mais triste do que alegre.
Não vejo substância humana (propriamente criativa) na alegria obrigatória, nos votos de mudança de vida, nos despachos, nos beijos e abraços rituais.
Sim, há uma ritualística para essas datas, reforçada pelas mídias broadcasting retratando as queimas de fogos da Austrália a São Francisco.
Tudo muito repetitivo (pois que toda liturgia só se constitui pela repetição): se reprisássemos reportagens dos anos passados, daria na mesma.

Claro que, em qualquer circunstância, como diz a canção do Vinícius, "é melhor ser alegre que ser triste". Inclusive nas festividades de ano novo. E que, como descobriram os investigadores contemporâneos da nova ciência das redes, como Nicholas Christakis, a alegria não é algo que brota no indivíduo isolado, mas é contagiante porque é o resultado de relâmpagos que percorrem as redes a que estamos conectados. Por isso as pessoas ficam predispostas a comemorar.
No entanto, o comportamento individual depende da maneira como espelhamos em nós esses relacionamentos, ou melhor, do modo (sempre unique) como introjetamos esses emaranhados onde estamos (e somos, como pessoas).

Paradoxalmente, quanto mais comum for uma pessoa (ou seja, quanto menos privada e ansiante por ser incomum ela for), menos ela será afetada pelos padrões litúrgicos que rodam como programas na rede. Menos ela comemorará as sextas-feiras e reclamará das segundas-feiras. Menos ela se obrigará a se predispor (quase fingir) que está integrada no clima geral de alegria só porque todo mundo está.

Comum não é quem entra na onda geral de euforia do rebanho e sim o que extrai energia criativa das ocasiões menos importantes, conferindo significado cósmico aos eventos mais comezinhos e banais do dia-a-dia, desde que haja a criação de um novo espaço-entre as pessoas.
Um olhar, um aperto de mão, um abraço na manhã cinzenta e chuvosa da segunda-feira podem, assim, ser mais plenos de sentido humanizante do que os embalos de sábado a noite ou do que as grandes "festas de escravos" da Matrix no reveillon.

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