A velhinha de cem anos
Maurício Silva - "Obvious magazine"
Neste final de semana, fui à festa de aniversário de uma pessoa de cem anos. Isso mesmo: a pessoa estava completando cem anos de idade. Dá para imaginar?
Quando os bolcheviques triunfaram, ela já estava por aí, provavelmente dando seus primeiros passos. Quando a segunda guerra começou, já era uma jovem adulta e quando o homem chegou à Lua, beirava, já, a velhice.
Já tinham me contado a respeito de sua personalidade e, pessoalmente, verifiquei ser tudo verdade: uma senhorinha fraca, fraca, mas que não economizava nos palavrões dirigidos aos netos (que faziam por merecer, é verdade).
Que eu vi, a velhinha deu umas bicadas na caipirinha e tomou uns bons goles de cerveja: cem anos!
Durante o almoço, confesso, fiquei um pouco embasbacado com o absurdo de uma pessoa com três dígitos de idade estar sentada à minha frente – ainda mais vociferando palavrões e tomando caipirinha.
Depois de um tempo, porém, provavelmente influenciado pelo diálogo que vos descreverei a seguir, minha mente de crítico começou a bolar coisas um pouco diversas da alegria e festividade do evento.
O diálogo foi o seguinte: ocorreu entre o pai de minha namorada – neto da senhora – e a velhinha.
Ele se aproximou do rosto dela – porque, vocês já devem imaginar, a audição da centenária não está lá as mil maravilhas – e disse: “ano que vem estaremos todos aqui novamente” (ou algo assim, fiquei sabendo por terceira mão), ao que a velhinha respondeu: “eu não quero fazer mais um aniversário.”, ele, então, respondeu: “quero dizer: no seu velório” – adivinhem a reação da velhinha: um sorriso.
Em todo o almoço, eu não a vi sorrir sequer uma vez. Apresentava sempre aquele semblante cansado e meio de saco cheio daquela comilança e daquele falatório eufórico.
A senhorinha praticamente era o chaveirinho da galera, para falar a verdade.
As minhas impressões de crítico, nesse momento em que escrevo, pairam sobre dois temas: aniversários de pessoas muito idosas e a realidade da vida.
As festas de aniversário de uma criança de um ano e de uma senhora de cem anos fazem parte da mesma categoria – “festa de aniversário”.
Muito embora sejam chamados pelo mesmo termo, são eventos com focos completamente diferentes, tendo por comum, apenas, a conclusão de um ciclo, no caso, um ano.
Comemora-se o primeiro ano de uma – espera-se – longa e feliz vida para a criança recém-chegada a esse mundo, ao passo que se comemora mais um ano de resistência por parte da senhora contra a senhora que nos espera a todos nós no final da linha.
Quanto à realidade da vida, o que penso é o seguinte: passaram-se cem anos, o que gera nos vossos corações, leitores, a frase tristemente dita pela aniversariante: “não quero fazer mais um aniversário”? A vida tornou-se mais tédio, impaciência e impotência do que qualquer outra coisa.
A senhora precisa de auxílio em todos os momentos, já não tem mais liberdade para fazer o que quer que seja: ao menos produzisse algo, mas esse não é seu caso.
Fosse ela uma Virginia Woolf que houvesse resistido à tentação do suicídio, mas não. É uma senhora aguardando, apenas.
As pessoas com quem cresceu – se foram. Seus pais, irmãos, tios, amigos – todos se foram. Restou-lhe a si, sobreviveu a todos.
Espero ser essa uma visão pessimista minha sobre nosso trajeto e sobre a realidade dessa senhora – que sei eu?
Se algo nos espera além, entretanto, que ela o desfrute ao atravessar e que, de alguma maneira, volte a nascer.
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