domingo, 12 de abril de 2015

Duas considerações sobre "Brilho eterno de uma mente sem lembranças"

Abençoados os que esquecem
Rejane Borges -  em "Obvious - cinema" 

Gosto de Charlie Kaufman por causa de sua sensibilidade curiosa, para não dizer esquisita. Seus roteiros são todos mais ou menos pelo avesso. Genais. Kaufman é um homem que lê um poema e inspirado escreve um roteiro. Assim nasceu “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, EUA, 2004).
  

"Feliz é a inocente vestal / Esquecendo-se do mundo e sendo por ele esquecida / Brilho eterno de uma mente sem lembranças / Toda prece é ouvida, toda graça se alcança". 
Esse poema de Alexander Pope é citado no insólito "Brilho Eterno" do diretor Michael Gondry. 
O poema remete à ideia de que a única maneira de ser feliz é esquecer-se e tornar-se esquecido, pois somente na ausência de qualquer lembrança existe toda a graça. 
Pope fala de mentes imaculadas, corações resguardados, os quais não são assombrados por lembranças do que um dia foi e nunca mais será.

"Brilho Eterno" ostenta um elenco de grandes nomes como Jim Carrey, Kate Winslet, Mark Ruffalo, Kirsten Dunst, Elijah Wood e o veterano Tom Wilkinson - talentoso e premiado ator que já engrandeceu, além do cinema, produções da TV americana.
O roteiro foge completamente ao padrão de Hollywood - como era de se esperar, tratando-se de Kaufman, o mesmo gênio que escreveu o excêntrico "Quero ser John Malkovich" (Being John Malkovich, EUA, 1999) e "Adaptação" (Adaptação, EUA, 2002). 
Ele consegue atribuir às personagens sentimentos tão densos que quase necessitam de ser humanizados. 
Os labirintos narrativos do roteiro prendem o expectador a uma trama supra-sensível, estendendo-se à metafísica - característica de Kaufman. Fragmentado em diversos temas, como amor, passado, memória, solidão, etc., o filme permite variadas formas de interpretação.

Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) formam um casal que poderia ser considerado o mais "anti-herói" dos casais do cinema contemporâneo. 
Eles simplesmente não se adaptam - no entanto, se amam. 
Joel é um homem sensato, contido e tímido. Um pouco neurótico e melancólico. É mais pessimista e impõe limites aos seus próprios sonhos, preferindo os pés no chão. 
Clementine leva a vida menos a sério e é mais espontânea do que Joel, beirando uma irresponsabilidade inerente de quem é mais atrevido. Ela abusa da liberdade de se pronunciar e, apesar da aparência forte, é uma pessoa bem sensível.



O relacionamento é rompido e, frustrada, Clementine submete-se a um tratamento experimental que promete apagar da memória os momentos que viveu ao lado de Joel. 
No entanto, Joel descobre o que ela fez e, sentindo-se agredido, resolve fazer o mesmo. 
Porém, desiste de esquecê-la, por tomar consciência de que apagando-a de sua memória, apagará também uma parte de si mesmo. 
É então que começa uma saga dentro da mente de Joel para salvar Clementine do esquecimento e escondê-la em momentos de sua vida em que ela não esteve. Como sua infância, por exemplo.

O surrealismo da trama é potencializado pela fantástica fotografia e cores da película. 
O filme joga com a plasticidade da nossa memória, um lugar cujo suporte físico é enorme. 
A trama possui um viés cômico e ao mesmo tempo romântico, com um ritmo atemporal.
Apesar da máxima "abençoados os que esquecem" - baseada em uma frase de Nietzsche - não há como abafar os ecos de relações ou circunstâncias que um dia vivemos. 
O filme oprime o comportamento prepotente do ser humano, que tenta recriar a memória para evitar a dor.
Assim como o amor define a nossa humanidade, a dor a define também.



Quem assina a fantástica trilha sonora é o compositor norte-americano Jon Brion, com músicas que acompanham perfeitamente o ritmo da película. 
O filme levou a estatueta do Oscar pela categoria "Melhor Roteiro Original", além de ter sido nomeado na categoria de "Melhor Atriz" pela espetacular interpretação de Kate Winslet.


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Uma mente com lembranças, por favor.
Larissa Soares -  em "Obvious - cinema"
Alguns afirmam: “Abençoados são os esquecidos.” Não será o esquecimento uma forma de escapar de si mesmo?
  


Jim Carrey dá vida ao depressivo Joel Barish que depois de uma forte decepção amorosa, tenta se submeter a um tratamento que promete apagar memórias
O filme "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", pode ser considerado um dos melhores filmes de forte apelo psicológico e reflexivo. 
A história é basicamente um drama sobre relacionamentos, sem muitos enfeites e camuflagens. Apenas o gostar e a vontade de estarem juntos é que basta. 

Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) decidiram fazer com o que o namoro desse certo, mas não foi bem o que aconteceu. 
Clementine se submete a um tratamento experimental que retira de sua memória os momentos que passou com Joel. 
Ele então, extremamente frustrado por ainda ter sentimentos pela garota, decide fazer o mesmo. Mas durante o procedimento, desiste de tentar esquecê-la.


A reflexão principal que o filme provoca é o desejo fundamental que o ser humano tem de se livrar das lembranças e acontecimentos que trazem sensações ruins ou de desgosto. 
É tirar da cabeça, como quem joga coisas no lixo, aquele passeio ao shopping, aquele beijo de despedida, aquela noite de fantasias, que mesmo que tenham sido retratos da perfeição, agora não passam de lembranças perturbadoras. 
É se ver liberto de mágoas para viver novos momentos sem medo de se decepcionar. 
Parece tão simples, tão eficaz. Imagine: “Me livrei dos pensamentos, daquilo que me dava saudades, e que me causava dores que pareciam nunca acabar, e agora posso seguir em frente, que bela pedida!”

Mas faça uma viagem nas suas memórias como Joel fez no filme ao ter suas lembranças apagadas pouco a pouco. 
Vai perceber que elas te ensinaram, vai entender que não vale uma vida se não tiver histórias pra contar, coisas estúpidas pelas quais vai chorar, pessoas que partiram o seu coração e foram embora sem nem explicar o porquê. Tudo isso vale a pena, pois é disso que somos feitos. 
Não queira ser uma lousa e apagar os erros, os momentos e as pessoas do passado. São todos esses empecilhos que te fizeram chegar onde você está e formaram a pessoa que você é. 
Não se desfaça daquilo que faz parte de você. 
Aquele rapaz babaca por quem você se apaixonou na adolescência e que depois brincou com seus sentimentos e te fez chorar, hoje pode te fazer rir, pois você encontrou um alguém muito melhor.
Aquela garota que fez parar seu coração, e que decidiu te esquecer de uma vez por todas, você pode simplesmente tentar esquecê-la também, mas não apagá-la, pois não existem amores que o tempo, amigos, e novos amores não possam apagar naturalmente.
Vai desperdiçar as delícias que lembranças quando bem recordadas podem nos proporcionar? Tenham um eterno brilho de uma mente com lembranças, meus caros.

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