quarta-feira, 15 de abril de 2015

Decálogo de Bertrand Russel

Bertrand Arthur William Russell - 1872/1970
10 mandamentos para a Educação e Vida
Adriano Dias - Revista 'Semema'

Discutir educação é uma forma sutil de falar sobre a sociedade humana como um todo, pois a dinâmica delegada às salas de aula é a de formar pessoas para a sociedade, assim como se fazia antigamente apenas em família e nas relações sociais da vida urbana. 
Não é de hoje que todo mundo mete o bedelho em educação. Todo grande pensador que se preza produziu alguma reflexão significativa (ou ao menos deu o seu pitaco) sobre o processo fundador da civilização: a Educação.
Embora professores fiquem indignados com a pretensa autoridade de senhores que nunca adentraram a uma sala de aula, não vivenciando a dinâmica real do ensino em uma instituição, ainda assim há reflexões memoráveis sobre a atuação do docente (pensada de forma ideal) que merecem um olhar atencioso. 
É necessário que se admita que ensinar é uma dinâmica relacionada com o ideal de sociedade, portanto, pensar formas mais eficazes de realizar esse processo é imprescindível para criar diretrizes que norteiem as bases de nossa sociedade. 
Afinal de contas, nem mesmo o ator primordial dessa dinâmica, o docente, tem tanta convicção sobre sua atuação a ponto de não ser colocada a prova toda sua pedagogia empírica (o mesmo pode ser dito em relação aos pais e sobre cada um de nós individualmente).

Bertrand Russell foi uma figuraça que atravessou os séculos XIX e XX, polemizando sobre as relações de poder, direitos humanos, pacifista que saia às ruas levar porrada da polícia, crítico de qualquer tipo de autoridade e autoritarismo, deixou um legado enorme em vários campos do pensamento, particularmente na filosofia, dentro do qual podemos pinçar seu “Decálogo Liberal – uma visão para as responsabilidades de um professor”, publicado em um artigo da revista do The New York Times em dezembro de 1951. 
O visionário galês, então o mais proeminente pensador liberal do mundo, propagando uma filosofia crítica que veio a influenciar todo o pensamento moderno, refletiu sobre o papel social do docente e acabou produzindo um conjunto de leis comportamentais que podem ser aplicadas à vida de qualquer indivíduo.
Suas normas não só prescrevem a conduta educada e evoluída que se espera de um docente (bem como de um pai ou autoridade qualquer) como nos fazem ponderar sobre nossa própria existência, as opiniões que temos, as verdades que consagramos como inquestionáveis, além dos valores sobre os quais embasamos nossa perspectiva de felicidade. 
Como libertário, Bertrand Russell pensava a possibilidade de constituir um mundo mais livre que permita a cada indivíduo que se desenvolva em sua plenitude, discurso que encontra eco em vários formadores de opinião da atualidade, mas o galês sabia que o cerne dessa nova ordem mundial reside no exercício de poder em três âmbitos: 
 político (governar respaldado apenas pelo consenso e argumentação lógica), 
educacional (nas relações entre pais e filhos, professores e alunos, mediadas pela ponderação, equilíbrio racional e respeito)
e individual (questionando sempre nossa perspectiva existencial e as verdades em que acreditamos). Veja:

1. Não tenhas certeza absoluta de nada.

2. Não consideres que valha a pena proceder escondendo evidências, pois as evidências inevitavelmente virão à luz.

3. Nunca tentes desencorajar o pensamento, pois com certeza tu terás sucesso.

4. Quando encontrares oposição, mesmo que seja de teu cônjuge ou de tuas crianças, esforça-te para superá-la pelo argumento, e não pela autoridade, pois uma vitória que depende da autoridade é irreal e ilusória.

5. Não tenhas respeito pela autoridade dos outros, pois há sempre autoridades contrárias a serem achadas.

6. Não uses o poder para suprimir opiniões que consideres perniciosas, pois as opiniões irão suprimir-te.

7. Não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas.

8. Encontra mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda.

9. Sê escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente, pois será mais inconveniente se tentares escondê-la.

10. Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso.

Percebe-se a espinha dorsal de seu raciocínio sobre o exercício ou não do poder, ou sua substituição pela argumentação. 
Resumindo, para Russel, se você tem razão no que pensa, defenda-a com argumentos, sem valer-se de outros artifícios como força, autoridade, cara feia, voz alterada, como foi exposto em nosso artigo sobre o preconceito: Deixem o racista falar.

Amadurecendo sua leitura de mundo com o tempo e a experiência, o filósofo que vivenciou profundamente as relações políticas internacionais (exerceu importante papel diplomático no diálogo entre os blocos durante a Guerra Fria), Russel publica esse Decálogo num momento em que ficam-lhe claros os estragos causados pelo exercício da autoridade e do poder nas relações humanas. 
Seus mandamentos podem ser, assim como os da bíblia, referência de conduta de um governante de nação, de um presidente de empresa, professor, pai ou indivíduo. 

Perspicaz, direcionou suas leis ao professor, agente social sobre o qual toda a sociedade deposita a esperança de formação de novos cidadãos, mas acaba atingindo a todos.

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