segunda-feira, 20 de novembro de 2017

"Nóis é besta e colonizado..."

Outsourcing
Eduardo Affonso - blog 'Umas agudas & outras crônicas'

Resultado de imagem para brasil colonizado

Eu achava o fim da picada chamarem cabeleireiro de hair stylist. Isso até manicure virar nail designer.
Não sei se isso foi antes ou depois de o professor de ginástica se transformar em personal trainer e confeiteiro em cake designer.
A partir daí, “personal” e “designer” começaram a ser usados como se fossem vírgula.
Não sei como ainda não apareceu o personal designer.
Porque hoje ninguém mais desenvolve, planeja, projeta, concebe, idealiza: todo mundo “designa” (lê-se “dizáina”, pra não confundir com o verbo designar, que ninguém mais usa).

Não entenderíamos o mundo se alguém não o desenhasse para nós. Daí os web designers, brand designers, wardrobe designers, designers de interiores, de games, de memes.

Na sequência dos personal isso e aquilo e dos designers disso e daquilo, demos para gourmetizar tudo – não só a cozinha gurmê, a varanda gurmê, a padaria gurmê, o açougue gurmê.
Gourmetizamos o idioma.

Passeador de cachorro é para a classe média. Gente diferenciada contrata o dog walker.
Para organizar o casamento não se chama mais o cerimonialista, mas o wedding planner.
Há muito deixamos de ter animais de estimação para ter pets, que iam ao petshop, mas agora precisam também do pet care.
Há muito as dondocas viraram socialites, itgirls cool e hipsters, que não perdem uma fashion week.
Há muito não fazemos vaquinha, mas crowdfunding.
Não há telas sensíveis ao toque, mas touch screen.
Não nos servimos, mas usamos o self service.
Não há assassinos em série, mas serial killers.
Não impugnamos nem impedimos: damos o “golpe” do impeachment.
Há muito não há mais adolescentes e pré adolescentes, mas teens, que andam de bike, saem pra night, comem no food truck, compram gadgets na black friday e acham tudo top.

Como era a vida quando o nosso idioma nos bastava para dar nome às coisas, e nos bastávamos a nós mesmos para lidar com elas?
Como será que sobrevivemos por tantos milênios sem os personal stylists, personal organizers, personal chefs e personal shoppers?
Devia ser angustiante viver antes de começarmos a terceirizar nossas decisões cotidianas, e a nos alienar num idioma que não é o nosso.

Não duvido que, em breve, o coaching já não nos baste. Buscaremos um personal thinker para pensar por nós e um thought designer para formatar nossas ideias.

Aí teremos todo o tempo do mundo para o que realmente importa em nós como seres humanos, que é o fitness.
*           *            *

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

ARTUR DA TÁVOLA - 'Para pessoas de opinião'

Para pessoas de opinião 
Artur da Távola
Resultado de imagem para ter opinião

 Você me dirá que uma das coisas que mais preza é sua opinião. Prezar a própria opinião é considerado virtude. “- Fulano? É uma pessoa de opinião”. E realmente é preciso força e decisão para “ter opinião”. Não é fácil.

Você me dirá, ainda, do que é capaz de fazer para defender a própria opinião. Ter opinião é tão importante que há até um direito dos mais sagrados, o direito à opinião, ultimamente, aliás, bastante afetado, pois vivemos tempos de ampliação do delito de opinião. Ter opinião, em vez de ser considerado um estágio preliminar da convicção, passa a ser ameaçador.

Mas sem contrariar a força com que você defende as próprias opiniões e, sobretudo, defendendo o seu inalienável direito de tê-las, eu lhe proporei pensar sobre se a opinião é uma instância realmente profunda ou se ela é, tão-somente, uma das primeiras reações que se tem diante das coisas.

Será a opinião uma reação profunda ou superficial? Ouso afirmar que, via de regra, ela é das mais superficiais.

Opinião é quase sempre uma reação e expressa um sentimento, um julgamento. Ao reagir a algo, o sentimento realiza uma espécie de sínteses do que e de como somos. Esta síntese aparece na forma pela qual reagimos a algo. A primeira reação é reveladora do sentimento com que julgamos a vida, o mundo, as pessoas. Quase sempre a opinião surge neste etapa inicial, nesse segundo patamar, nessa instância superficial do nosso ser com a qual julgamos as coisas tão logo se nos apresentam. Somos um repositório de primeiras impressões!

Pode-se, efetivamente, garantir que as nossas opiniões são, realmente, fruto de uma meditação mais profunda? Ou de um conhecimento sedimentado? Positivamente não. Quem responder sinceramente vai concluir que tem muito mais opiniões do que coisas que sabe ou conhece. Em relação àquelas poucas coisas que realmente conhecemos ou sabemos a fundo é que se torna difícil ter opinião, pois qualquer conhecimento profundo de algo, não leva à opinião: leva à análise, à convicção, à dúvida ou à evidência e nenhuma dessas quatro instâncias tem a ver com a opinião.

Quem (se) reparar com cuidado verificará o quanto é levado a opinar, vale dizer, reagir, sentir, julgar, diante dos variados temas. Somos um aluvião de opiniões. Defendemo-nos de analisar, tendo opinião: preservamo-nos do perigoso e trabalhoso mister de pensar, tendo logo uma opinião.

É mais fácil ter opinião do que dúvida, porque ter opiniões sempre traz adeptos e dividendos pessoais de prestígio, respeitabilidade, aura de coragem ou heroísmo.

As opiniões são uma espécie de fabricação em série de idéias sempre iguais, saídas em série do modelo pelo qual vemos o mundo, e que nos faz enfocar a realidade segundo um eterno subjetivismo. Por isso nossa opinião quase nunca é o reflexo das variadas componentes do real. Ela é um eco a repetir a nossa experiência anterior, diante de cada caso novo que surge. A opinião é uma forma de se defender da complexidade do real, logo, uma forma de impedir a criatividade do homem.

Na origem latina, opinar tem um sentido ambíguo. É muito mais “conjecturar” do que “afirmar”. A palavra chega a ter, nos seus vários sentidos, o de “disfarçar”. Creio que a origem do termo é mito mais fiel ao seu significado do que a tradução que hoje se lhe dá.

Opinião não significa saber nem conhecer. Opinar significa ter uma opinião a respeito de algo, isto é, uma impressão sujeita a retificações, a correções, a mudanças permanentes. O sentido essencial de opinar é conjecturar, ou seja, supor uma realidade para poder discuti-la e assim melhor conhecê-la.

E, no entanto, nos ofendemos se contrariam a nossa opinião; vivemos em busca do respeito à “nossa opinião”. E, mais grave e freqüente, vivemos a sofrer por causa da opinião ou de opiniões dos outros.

Basta vivenciar dentro, profundamente, que a opinião de uma pessoa é o resultado das manifestações (reações) mais superficiais e fáceis do seu espírito, para que a gente deixe de dar tanta importância ao que dizem de nós e machuca, faz brigar, odiar, matar e até guerrear.

A opinião é: uma instância superficial; um exercício de dúvida e de conhecimento disfarçado em certeza ou afirmação; uma conjetura em forma de assertiva. É mais a expressão de um sentimento do que a conciliação deste com o conhecimento e com a verdade. A partir do momento em que sabemos de tudo isso, obrigatoriamente temos que deixar de dar tanta importância à opinião alheia e à própria. É preciso sempre submetê-la ao crivo da permanência, do tempo, da análise, do conhecimento, da vivência, da experimentação dela em situações diferentes, em estados de espírito diversos, para só então, considerá-la significativa, válida e profunda.

Mas qual de nós está disposto a aceitar que a própria opinião, embora válida e respeitável, é uma forma superficial de manifestação?

Quem está disposto a se dar ao brutal trabalho de atribuir à opinião a sua verdadeira função, que é nobilíssima: a de ser trânsito, passagem, via para a Convicção, para a Análise, para a Dúvida e para a Evidência que são os quatro elementos que compõem a verdade?

Esta é a minha opinião...

*               *               *

domingo, 5 de novembro de 2017

Pronto, 'falei'.

Do que leio por aí, gosto e...adapto (com ou sem permissão, sei lá de quem - sem paciência no momento) ao meu estilo de vida. 
A imagem pode conter: 1 pessoa, sorrindo

"...Cansei-me desses clichês imagéticos da chamada terceira idade. O que pretendem com isso? Melhorar a auto-estima dos idosos? Sinalizar que a velhice não é o fim de linha? Que é tempo de ousar? Devo confessar que, para mim, essas tentativas são inócuas. Primeiro porque a minha autoestima vai bem, obrigada, depois, porque não sou o tipo de pessoa alimentada por pretensões desportivas. Paraquedas? Nem aos 20 e nem agora, que já passei dos 70. Prefiro rever algum filme do Fellini.
Há outros clichês bonitinhos, mas também irritantes. Velhinhos e velhinhas “supercool”, com roupas originais, meio hippies serôdias (hipongas) ou de marcas de estilistas famosos (grife), sempre em poses modernas, chapéus e enfeites (badulaques) nas ruas de Nova York, que conseguem sempre muitos likes no Facebook. Gosto de ver, porque tenho um aguçado sentido estético, o belo e o subversivo sempre me atraíram, mas o peso dessas imagens como inspiração? Dois gramas.
E o que é que me me inspira? 
Conteúdos que me façam sonhar, que mostrem o lado bom das pessoas, que exibam um mundo mais humano, que ampliem os meus horizontes extra-sensoriais, que me atualizem com sugestões criativas...
(...)
Conteúdos que tragam ferramentas principalmente para o autoconhecimento e o desenvolvimento espiritual.
Naturalmente que espiritual não está necessariamente relacionado com a religião. Tem a ver com força pessoal, equilíbrio psíquico, serenidade para aceitar a circularidade do tempo, coragem para construir um novo modelo mental.
(...)
Quero evoluir espiritualmente, abrir mão de cobranças, de preconceitos, de lamentações, de traumas do passado. 
Quero consumir com consciência, abrir mão do supérfluo, inclusive nos relacionamentos. 
Quero ouvir com qualidade o meu interlocutor, desligar o botão do julgamento, ser tolerante com meus erros e mais generosa com as fraquezas alheias. 
Quero entender as similaridades entre a cabala e o xamanismo, entre meditação e “mindfulness” ( minha tradução: 'Consciência plena').
(...)
Esta nova geração de idosos tem muita vida pela frente e está a apostar numa longevidade sustentável. Está reinventando-se para tirar proveito dos próximos anos. 
Já sabemos que caminhar faz bem, que frituras aumentam o colesterol, que há velhinhos surfistas.
Portanto, senhores anunciantes, invistam as vossas verbas em anúncios, programas, portais inteligentes, que nos tratem como pessoas ávidas por informação qualificada; despertas, curiosas, prontas a compartilhar tudo o que fizeram e viveram e aptas a desbravar esse mundo que se renova diariamente."
**
Pronto, 'falei'.
Texto adaptado do original de DENISE RIBEIRO, jornalista.