Para pessoas de opinião
Artur da Távola
Você me dirá, ainda, do que é capaz de fazer para defender a própria opinião. Ter opinião é tão importante que há até um direito dos mais sagrados, o direito à opinião, ultimamente, aliás, bastante afetado, pois vivemos tempos de ampliação do delito de opinião. Ter opinião, em vez de ser considerado um estágio preliminar da convicção, passa a ser ameaçador.
Mas sem contrariar a força com que você defende as próprias opiniões e, sobretudo, defendendo o seu inalienável direito de tê-las, eu lhe proporei pensar sobre se a opinião é uma instância realmente profunda ou se ela é, tão-somente, uma das primeiras reações que se tem diante das coisas.
Será a opinião uma reação profunda ou superficial? Ouso afirmar que, via de regra, ela é das mais superficiais.
Opinião é quase sempre uma reação e expressa um sentimento, um julgamento. Ao reagir a algo, o sentimento realiza uma espécie de sínteses do que e de como somos. Esta síntese aparece na forma pela qual reagimos a algo. A primeira reação é reveladora do sentimento com que julgamos a vida, o mundo, as pessoas. Quase sempre a opinião surge neste etapa inicial, nesse segundo patamar, nessa instância superficial do nosso ser com a qual julgamos as coisas tão logo se nos apresentam. Somos um repositório de primeiras impressões!
Pode-se, efetivamente, garantir que as nossas opiniões são, realmente, fruto de uma meditação mais profunda? Ou de um conhecimento sedimentado? Positivamente não. Quem responder sinceramente vai concluir que tem muito mais opiniões do que coisas que sabe ou conhece. Em relação àquelas poucas coisas que realmente conhecemos ou sabemos a fundo é que se torna difícil ter opinião, pois qualquer conhecimento profundo de algo, não leva à opinião: leva à análise, à convicção, à dúvida ou à evidência e nenhuma dessas quatro instâncias tem a ver com a opinião.
Quem (se) reparar com cuidado verificará o quanto é levado a opinar, vale dizer, reagir, sentir, julgar, diante dos variados temas. Somos um aluvião de opiniões. Defendemo-nos de analisar, tendo opinião: preservamo-nos do perigoso e trabalhoso mister de pensar, tendo logo uma opinião.
É mais fácil ter opinião do que dúvida, porque ter opiniões sempre traz adeptos e dividendos pessoais de prestígio, respeitabilidade, aura de coragem ou heroísmo.
As opiniões são uma espécie de fabricação em série de idéias sempre iguais, saídas em série do modelo pelo qual vemos o mundo, e que nos faz enfocar a realidade segundo um eterno subjetivismo. Por isso nossa opinião quase nunca é o reflexo das variadas componentes do real. Ela é um eco a repetir a nossa experiência anterior, diante de cada caso novo que surge. A opinião é uma forma de se defender da complexidade do real, logo, uma forma de impedir a criatividade do homem.
Na origem latina, opinar tem um sentido ambíguo. É muito mais “conjecturar” do que “afirmar”. A palavra chega a ter, nos seus vários sentidos, o de “disfarçar”. Creio que a origem do termo é mito mais fiel ao seu significado do que a tradução que hoje se lhe dá.
Opinião não significa saber nem conhecer. Opinar significa ter uma opinião a respeito de algo, isto é, uma impressão sujeita a retificações, a correções, a mudanças permanentes. O sentido essencial de opinar é conjecturar, ou seja, supor uma realidade para poder discuti-la e assim melhor conhecê-la.
E, no entanto, nos ofendemos se contrariam a nossa opinião; vivemos em busca do respeito à “nossa opinião”. E, mais grave e freqüente, vivemos a sofrer por causa da opinião ou de opiniões dos outros.
Basta vivenciar dentro, profundamente, que a opinião de uma pessoa é o resultado das manifestações (reações) mais superficiais e fáceis do seu espírito, para que a gente deixe de dar tanta importância ao que dizem de nós e machuca, faz brigar, odiar, matar e até guerrear.
A opinião é: uma instância superficial; um exercício de dúvida e de conhecimento disfarçado em certeza ou afirmação; uma conjetura em forma de assertiva. É mais a expressão de um sentimento do que a conciliação deste com o conhecimento e com a verdade. A partir do momento em que sabemos de tudo isso, obrigatoriamente temos que deixar de dar tanta importância à opinião alheia e à própria. É preciso sempre submetê-la ao crivo da permanência, do tempo, da análise, do conhecimento, da vivência, da experimentação dela em situações diferentes, em estados de espírito diversos, para só então, considerá-la significativa, válida e profunda.
Mas qual de nós está disposto a aceitar que a própria opinião, embora válida e respeitável, é uma forma superficial de manifestação?
Quem está disposto a se dar ao brutal trabalho de atribuir à opinião a sua verdadeira função, que é nobilíssima: a de ser trânsito, passagem, via para a Convicção, para a Análise, para a Dúvida e para a Evidência que são os quatro elementos que compõem a verdade?
Esta é a minha opinião...
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