Outsourcing
Eduardo Affonso - blog 'Umas agudas & outras crônicas'
Não sei se isso foi antes ou depois de o professor de ginástica se transformar em personal trainer e confeiteiro em cake designer.
A partir daí, “personal” e “designer” começaram a ser usados como se fossem vírgula.
Não sei como ainda não apareceu o personal designer.
Porque hoje ninguém mais desenvolve, planeja, projeta, concebe, idealiza: todo mundo “designa” (lê-se “dizáina”, pra não confundir com o verbo designar, que ninguém mais usa).
Não entenderíamos o mundo se alguém não o desenhasse para nós. Daí os web designers, brand designers, wardrobe designers, designers de interiores, de games, de memes.
Na sequência dos personal isso e aquilo e dos designers disso e daquilo, demos para gourmetizar tudo – não só a cozinha gurmê, a varanda gurmê, a padaria gurmê, o açougue gurmê.
Gourmetizamos o idioma.
Passeador de cachorro é para a classe média. Gente diferenciada contrata o dog walker.
Para organizar o casamento não se chama mais o cerimonialista, mas o wedding planner.
Há muito deixamos de ter animais de estimação para ter pets, que iam ao petshop, mas agora precisam também do pet care.
Há muito as dondocas viraram socialites, itgirls cool e hipsters, que não perdem uma fashion week.
Há muito não fazemos vaquinha, mas crowdfunding.
Não há telas sensíveis ao toque, mas touch screen.
Não nos servimos, mas usamos o self service.
Não há assassinos em série, mas serial killers.
Não impugnamos nem impedimos: damos o “golpe” do impeachment.
Há muito não há mais adolescentes e pré adolescentes, mas teens, que andam de bike, saem pra night, comem no food truck, compram gadgets na black friday e acham tudo top.
Como era a vida quando o nosso idioma nos bastava para dar nome às coisas, e nos bastávamos a nós mesmos para lidar com elas?
Como será que sobrevivemos por tantos milênios sem os personal stylists, personal organizers, personal chefs e personal shoppers?
Devia ser angustiante viver antes de começarmos a terceirizar nossas decisões cotidianas, e a nos alienar num idioma que não é o nosso.
Não duvido que, em breve, o coaching já não nos baste. Buscaremos um personal thinker para pensar por nós e um thought designer para formatar nossas ideias.
Aí teremos todo o tempo do mundo para o que realmente importa em nós como seres humanos, que é o fitness.
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