O futuro era lindo
Marion Strecker (*) , em 29 de julho 2014
Todo o saber do mundo seria compartilhado, bem como a música, o cinema, a literatura e a ciência.
O custo seria zero.
O espaço seria infinito.
A velocidade, estonteante.
A solidariedade e a colaboração seriam os valores supremos.
A criatividade, o único poder verdadeiro.
O bem triunfaria sobre os males do capitalismo.
O sistema de representação se tornaria obsoleto.
Todos os seres humanos teriam oportunidades iguais em qualquer lugar do planeta.
Todos seriam empreendedores e inventivos.
Todos poderiam se expressar livremente.
Censura, nunca mais.
As fronteiras deixariam de existir.
As distâncias se tornariam irrelevantes.
O inimaginável seria possível.
O sonho, qualquer sonho, poderia se tornar realidade.
Livre, grátis, inovador, coletivo, palavras-chave do novo mundo que a internet inaugurou.
Por anos esquecemos que a internet foi uma invenção militar, criada para manter o poder de quem já o tinha.
Por anos fingimos que transformar produtos físicos em produtos virtuais era algo ecologicamente correto, esquecendo que a fabricação de computadores e celulares, com a obsolescência embutida em seu DNA, demandam o consumo de quantidades vexatórias de combustíveis fósseis, de produtos químicos e de água, sem falar no volume assombroso de lixo não reciclado em que resultam, incluindo lixo tóxico.
Ninguém imaginou que o poder e o dinheiro se tornariam tão concentrados em megahipercorporações norte-americanas como o Google, que iriam destruir para sempre tantas indústrias e atividades em tão pouco tempo.
Ninguém previu que os mesmos Estados Unidos, graças às maravilhas da internet sempre tão aberta e juvenil, se consolidariam como os maiores espiões do mundo, humilhando potências como a Alemanha e também o Brasil, impondo os métodos de sua inteligência militar sobre a população mundial, e guiando ao arrepio da justiça os bebês engenheiros nota dez em matemática mas ignorantes completos em matéria de ética, política e em boas maneiras.
Ninguém previu a febre das notícias inventadas, a civilização de perfis falsos, as enxurradas de vírus, os arrastões de números de cartão de crédito, a empulhação dos resultados numéricos falseados por robôs ou gerados por trabalhadores mal pagos em países do terceiro mundo, o fim da privacidade, o terrorismo eletrônico, inclusive de Estado.
***
Estupidez de massa
Márion Strecker em 23 de junho 2014
“Atenção: não me escrevam mais pelo inbox.
Quem quiser contato comigo, faça-o por e-mail, telefone, pomba voadora, mula, correio, seja lá o que for.
(“¦)
A partir de hoje eu caio fora desse Facebook aqui! Saiu das proporções de graça etc.
Vejo que é ocupação de quem não trabalha!
(“¦)
Tem uns que narram (berram) (gritam) o quanto está o jogo, como se ninguém soubesse! E lá vai esse ridículo exercício de clicar “like” (ou “curtir”).
(“¦)
Vou manter as páginas abertas por medo de clonagem (já aconteceu três vezes antes quando tentei fechar isso), mas não lerei os comentários e não lerei os recados da inbox.
Bom trabalho, seus vagabundos! Curem-se da solidão e realizem-se na vida
(“¦).”
Com essa mensagem, o autor e diretor de teatro Gerald Thomas abandonou sua página no Facebook semana passada.
Não foi a primeira vez.
Alguns vão lembrar que ele também já anunciou o abandono do teatro, mas acabou voltando, como antigos namorados voltam a namorar, restando aos amigos reconstruir os vínculos depois da clássica e traumática divisão entre os “amigos dela” e “os amigos dele”.
Talvez ele volte ao Facebook. Talvez não.
Mas isso não muda o principal: o Facebook promove uma “estupidez de massa”, como escreveu Gerald na despedida.
Concordei, mas me abstive de clicar o botão Like, já que ele não ia ver mesmo.
Sei que vou receber mensagens de contestação, elogiando o Facebook e mencionando fatos bacanas, a diversão, a proximidade com os amigos, tralalá.
Eu também poderia mencionar amigos de infância que reapareceram, amigos distantes que parecem próximos, coisas engraçadas ou, com sorte, informações relevantes.
Nada disso é capaz de ocultar o tsunami de bobagens, idiossincrasias e “vergonha alheia” que o Facebook patrocina.
Faz sentido?
Ninguém pode querer ver de tão perto tanta gente o tempo todo.
Ou será que alguém neste Brasil tão sociável é capaz de manter baixinho o número de conexões? Eu não sou, apesar da indecente pilha de “pedidos de amizade” sem leitura nem solução.
Primeiro eu tinha critérios: pessoa jurídica não aceito como amigo; só aceito quem conheço, quem publica foto ou é amigo de amigos etc. Nenhuma regra deu certo.
Não me peçam coerência. Agora é ao acaso. Vi, vi. Não vi, não vi.
Enjoei de tanta gente fotografada para consumo externo, tanto VIP, tanto lugar paradisíaco, tanta lua cheia, tanta opinião a respeito de tudo, tantos animais de estimação, tantos aniversariantes, tantas crianças, tantas mensagens edificantes, tantas piadas, tanto leva-e-traz, tanto proselitismo, tanta má-criação.
Só há uma maneira de lidar com o Facebook, é a esmo.
Então que ninguém fique magoadinho se deixei de ver o seu status, evento ou aniversário. Fracassei. Desisti.
Mas diferentemente do Gerald, parece que agora vou ler as mensagens que chegam no inbox, se forem poucos os que me escreverem e não vierem mensagens de grupo ou propaganda.
E sabe o que fiz hoje? Instalei o Messenger do Facebook no celular.
Meu jovem assistente, o André, recomendou.
Seria um bom jeito de receber mensagens privadas de amigos do Facebook sem entrar no Facebook.
Isso além de SMS, e-mail, celular, WhatsApp, Skype, Instagram...
Será que faz algum sentido isso tudo?
* * *
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