A voz rouca da crise
Ronald de Carvalho (*) O Globo - 26/03/2016 - 16h11
A corrupção no Brasil pode acabar pela própria voz dos corruptos. O juiz Sérgio Moro quer manter as mãos limpas da Justiça, através do sucesso da operação Lava-Jato.
A corda da execução está sendo trançada pelo próprio enforcado, e o juiz Moro explica como a transparência do processo e a aliança com a sociedade são fundamentais para resistir às pressões dos poderosos que quer processar na investigação.
Sérgio Moro, dirigindo no império da Justiça e no limite da lei, promoveu a divulgação do conteúdo dos grampos de Lula que escandalizaram o país. Esse era o objetivo.
Moro tem consciência que administra muito mais do que um simples processo criminal, mas a demolição de uma organização empresarial criminosa com ramificações parlamentares, jurídicas e administrativas.
Só com a aliança do povo não correria os riscos cometidos na Itália pela operação Mãos Limpas, dos anos 90.
A ironia é um dos melhores temperos da História. Casos de amor terminam em tragédia, e festejados ideais podem ser levados ao esgoto.
A portentosa Mãos Limpas, realizada a partir da década de 1980, na Itália, pelos magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, começou pelas denúncias de que Bukovsky, ex-agente da KGB, estava injetando dinheiro no Partido Comunista Italiano e terminou com o testemunho do ex-mafioso Tommaso Buscetta, por ser o primeiro capo da máfia italiana a quebrar o código de silêncio ou a omertà.
Qualquer semelhança, não é mera coincidência.
Houve um momento em que a população perdeu a capacidade de se indignar. A falta de informação e a banalização dos delitos anestesiaram o caráter do povo italiano.
A farsa da História corria o risco de se repetir.
O promotor Di Pietro, o homem que inventou a delação premiada na Itália, temeu a repetição no Brasil e, sobretudo, as pressões que Sérgio Moro irá receber. Ele alertou que Moro vai ser criticado e podem querer transformá-lo no inimigo da classe política brasileira e, com isso, desviar a atenção das investigações.
Sérgio Moro tem plena consciência de que a divulgação dos diálogos de Lula deixaram o mito despido. O povo fala de forma simples e descuidada, mas não gosta que sua mãe, mulher e filhas ouçam grosserias e palavras sujas.
Lula esqueceu que o povo é pobre, mas é limpo.
O juiz, com frieza de cirurgião, estratégia de diplomata e malícia de feiticeiro, em 48 horas, fez o povo saber quem é o verdadeiro Luiz Inácio da Silva, que, com a publicação de meia dúzia de diálogos sórdidos, provou a seu povo que nunca foi a criatura imaginária que criaram para Lula.
O rouco e pornográfico Luiz Inácio da Silva traiu o mito Lula.
Há anos, quando Sérgio Moro era apenas um grande estudioso do processo italiano, que imortalizou Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, já sabia o papel que reservaria à opinião pública na hora exata.
“A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações”, já garantia o juiz Moro.
A voz rouquenha e o destempero oratório que fizeram de Lula o mito popular podem soar como frases musicais de seu réquiem.
As palavras impróprias de Luiz Inácio e o inconveniente de entrar nas casas de família traem Lula, mesmo quando ele tenta falar como o velho líder das multidões.
Há pouco, quando do alto de um palanque, confessava que era o único capaz de incendiar o país, não mais assustava, apenas revelava a absurda irresponsabilidade que representa.
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(*) Ronald de Carvalho é assessor especial do governo de Brasília
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