terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O homem lúcido - Domingos de Oliveira

O homem lúcido
Domingos de Oliveira  no filme 'Separações'

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"O homem lúcido sabe que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções que ele nunca se entusiasma com ela. Assim como ele nunca teme a morte.

O homem lúcido sabe que o viver e o morrer são o mesmo em matéria de valor. Posto que a vida contém tantos sofrimentos que a sua sensação não pode ser considerada um mal.

O homem lúcido sabe que ele é o equilibrista da corda bamba da existência. Ele sabe que, por opção ou acidente é possível cair no abismo a qualquer momento interrompendo a sessão do circo.

Pode o homem lúcido optar pela vida. Aí, então, ele esgotará todas as suas possibilidades.

Ele passeará pelo seu campo aberto, pelas suas vidas floridas.

Ele saberá ver a beleza em tudo.

Ele terá amantes, amigos, ideais, urdirá planos e os realizará.

Existirão os infortúnios e até mesmo as doenças. E, se atingido por algum desses emissários saberá suportá-los com coragem e mansidão.

E morrerá o homem lúcido de causas naturais e em idade avançada, cercado pelo seus filhos e pelos seus netos. E seguirá a sua magnífica aventura.

Pairará, então, sobre a memória do homem lúcido uma aura de bondade. Dir-se-á: ‘aquele amou muito’, ‘aquele fez bem às pessoas”.

A Justa lei máxima da natureza obriga que a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem se iguale à grande quantidade de acontecimentos favoráveis. O homem lúcido, porém, esse que optou pela vida, com o consentimento dos deuses, ele tem o poder magno de alterar essa lei.

Na sua vida, os acontecimentos favoráveis serão sempre em maioria porque essa é uma cortesia que a natureza faz com os homens lúcidos."
*             *             *

(Trecho do filme “Separações”, de Domingos de Oliveira, diz-se lá que é um texto muito antigo, encontrado numa rocha e recuperado.)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Senhora de 83 anos escreve a uma amiga


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"Querida Bertha,

Cada vez leio mais e tiro menos o pó. Passo o tempo no pátio desfrutando a vista, sem me preocupar com o mato que cresce no jardim. Passo mais tempo com minha família e amigos e trabalho menos.

Se possível, devemos aproveitar a vida e não apenas suportá-la. Agora tento perceber isso e começo a valorizá-la.

Já não me privo das coisas. Uso minhas xícaras de porcelana em ocasiões especiais, seja pelo meio quilo perdido, a limpeza do banheiro ou a primeira floração de um lírio.

Coloco a roupa mais bonita quando vou ao mercado. Penso que, se me vejo bem sucedida, será más fácil gastar dinheiro.

Não espero uma ocasião importante para usar meu perfume favorito. Uso até para ir ao banco ou ao hospital.

Já não uso a frase “algum dia” ou “qualquer dia desses”. Se uma coisa vale a pena ser vista, ouvida ou feita, quero ver, ouvir e fazer agora mesmo.

Não sei o que outras pessoas fariam no meu lugar, mas elas não estarão aqui amanhã.
Acreditamos que a vida seja algo incondicional. Eu acho que teriam convidado todos os membros de suas famílias e alguns amigos. Talvez chamassem alguém e pedissem perdão por suas palavras e atos do passado. Gosto de pensar que vão a um bom restaurante onde servem sua melhor comida. Posso deduzir isso, mas nunca saberei.

São alguns desses detalhes que não fiz. Muito me arrependi por não ter escrito aos meus entes queridos todas as palavras importantes que gostaria de lhes dizer.

E me dói muito terem sido poucas as vezes que disse ao meu marido e aos meus pais o quanto os amava.

Tento não poupar e não protelar o que poderia somar riso e felicidade a minha vida.

E todas as manhãs, quando abro os olhos, digo que este dia será especial. Cada dia, cada minuto, cada suspiro de verdade são um presente.

Talvez a vida não tenha sido o jogo que gostaríamos de jogar. Mas enquanto estivermos aqui, poderemos dançar."

*            *            *

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Sobre Intervenção RJ

Babel
Sonia Zaghetto, 18 de fevereiro 2018

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Ilustração: Pieter Bruegel. A Torre de Babel.

A intervenção num Rio de Janeiro em ruínas soou como socorro tardio, desconjuntado. E teve o efeito colateral de  desnudar aos últimos viciados em otimismo o que deveria ser óbvio: os problemas do microcosmo fluminense são os do conjunto do País. Sua solução? Quase utopia.

Apesar do fio de  esperança que insiste em sobreviver, sabemos que são de difícil implementação as medidas profundas, estruturais, que poderiam arrancar o Rio e o Brasil da falência generalizada em que mergulharam.

Tarefa imensa aos olhos dos cidadãos comuns, que anseiam por soluções definitivas mas também querem o alívio a curto prazo.  Essa espera nos perturba, exaure e a cada dia nos rouba a alegria, as boas maneiras, os traços básicos de civilidade.

Ao ouvir autoridades e especialistas, acabamos meio perdidos na obscuridade das teorias, que parecem flertar com a impossibilidade. É que algo nos segreda: a solução real – a que paira além das intenções manifestadas pelos homens públicos – exige o tributo do tempo, da seriedade, do planejamento e de um esforço coletivo. Tão distantes.

Sofremos por saber que estamos atrasados. É bem sabido, repetido e decorado que há leis a refazer, de modo a punir de fato a criminalidade – seja a do narcotráfico, da política envilecida, do serviço público ou dos arrastões em vias e praias. Há que se reestruturar o sistema prisional e o educacional. E há o mais difícil de tudo:  reconstruir a alma de um povo que aos poucos se distancia da ética, do bom senso e da empatia.

O que nos abate e corrói por dentro é repetir, sem eco nas altas esferas do poder, que a impunidade encoraja, que o crime louvado em prosa e verso faz discípulos e que o caráter de um povo pode ser corroído até que se instale o canibalismo moral. Somos uns solitários, apelando pateticamente a portadores de surdez voluntária.

Não há como evitar a sensação de desamparo ao constatar que o odor de sangue naturaliza a violência. Aos poucos, entorpece a alma que diariamente vê os cadáveres se acumulando. Fazer o quê? Desafoga-se o peso no carnaval, antecedido por “esquentas” e sucedido pelas micaretas que tomam o país. O torpor individual só cede na hora em que ela – a selvageria – arromba as portas, rebenta as grades, atravessa os úteros e crava balas na cabeça de um filho. Tragédia de todos os dias, devorada pela mídia e logo substituída pelo próximo infortúnio.

Na Babel em que vivemos, o ódio nos faz falar línguas diferentes. Estranhos que compartilham o berço esplêndido. Vocacionados para a imposição de opiniões e para o patrulhamento do pensamento alheio, já não nos entendemos. Pior, perdemos o pudor de declarar em altas vozes a repulsa que sentimos uns pelos outros. Um nojo coletivo que se estende para a terra generosa em que nascemos. Coitada.

No país sitiado pelo crime, o paraíso é compartilhado por abastados e miseráveis, honestos e aproveitadores, malandros e trabalhadores. Sujam o cenário os que se vendem por pouco, os que se lambuzam na corrupção, os que insuflam o ódio e toda aquela gente hipnotizada por ideologias que não resistem a avaliações primárias. Engalfinham-se estes últimos, culpando sempre os supostos adversários. Cains dos trópicos.

Na pátria do clima ameno, das terras férteis e das águas mornas, o diálogo morre, o debate fenece, o entendimento naufraga. Sobram antipatia, implicância, ojeriza, asco, animosidade, ironias, malquerenças, repugnância, aversão. Resta o fastio.

Das janelas surgem, vez por outra, faces onde o desespero aprofunda as marcas de expressão. Pertencem à parcela que acorda cedo, trabalha muito e tem a esperança como profissão.

Estes assistem ao martírio diário de uma população presa entre rajadas de armas de guerra. Escondida atrás dos postes, acocorada no chão da Linha Vermelha, emparedada nas escolas e casinholas, gritando de susto, de medo e de revolta. Quando cessa o ruído dos tiros, resta apenas o soluço de mães que mal conseguem ficar de pé. Esmagadas pela dor, cambaleiam, amparadas, enquanto se arrastam em direção a caixõezinhos cobertos de flores.

Esse rio de dores, correnteza salgada de tantas lágrimas, só verá a recuperação quando a coletividade, exausta de intermediários, se erguer contra tanto descalabro.  Na urna, na lida diária, nas coisas grandiosas e nas miúdas, falando a língua da colaboração para o bem comum. Uma tarefa de Hércules, dado o atual cenário. Por isso nos parece quase inalcançável.

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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Intervenção no Rio de Janeiro

Site  terra.com

Intervenção no Rio: Para especialistas, medida é paliativo necessário, mas dificilmente resolve problema de segurança

Decisão de nomear um interventor militar tem caráter político e está atrelada à votação da Reforma da Previdência, segundo pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil.


BBC BRASIL.com - 16 FEV 2018 14h59 atualizado às 15h14

A decisão do presidente Michel Temer de decretar intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro está sendo tratada como um paliativo por especialistas ouvidos pela BBC Brasil, que acreditam que a figura de general do Exército no comando das polícias e dos bombeiros dificilmente vai resolver o problema da violência.

Para os pesquisadores, ela gera ainda o risco de uma crise institucional e pode aumentar a pressão para que se federalize a segurança em todo país.

O pesquisador Christoph Harig, especialista em missões de paz e segurança pública com doutorado pelo King's College London, classifica a medida como "drástica" e avalia que ela parece ter motivação mais "política que técnica", uma vez que as experiências anteriores indicam que a atuação das Forças Armadas para conter a violência urbana melhora a sensação de segurança apenas de forma passageira.

Já o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança, o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diz que o decreto é "uma jogada habilidosa em termos políticos, mas é apenas tópica porque é de curto prazo". "É igual a um anestésico para ajudar a limpar a ferida, mas a ferida não será cicatrizada com essa medida", avalia Lima.

O decreto assinado por Temer na tarde desta sexta prevê que um general do Exército assuma o comando das forças de segurança do Rio até 31 de dezembro. A medida entra em vigor depois de publicada no Diário Oficial.

 Michel Temer assinou o decreto de intervenção na segurança pública na tarde desta sexta-feira | 

A decisão foi tomada pelo presidente na madrugada de sexta, diante da escalada da violência no Rio. O interventor militar passará a ter responsabilidade sobre as polícias Militar e Civil, os bombeiros e a área de inteligência do Estado, inclusive com poder de troca de comando e abertura de processo contra os integrantes das forças.

O interventor escolhido foi o general Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste. Ele foi um dos responsáveis pela coordenação da segurança durante a Olimpíada do Rio, em 2016, e também ocupou o serviço de inteligência do Exército. O secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá, por sua vez, foi afastado da função.

Resposta extrema
Depois de assinar o decreto, Temer disse que a medida é extrema, mas o país está a demandar medidas extremas.

Para Harig e Lima, trata-se de uma resposta imediata e é um sinal de que o governo federal está atento e agindo.

Contudo, lembra Lima, os problemas de segurança não estão apenas no Estado do Rio de Janeiro. "O Rio não está sozinho no quadro de completo descontrole da segurança pública", diz o sociólogo, emendando que outros Estados enfrentam crises similares.

Harig pondera que as Forças Armadas brasileiras nunca esconderam o desconforto quando convocadas para conter a violência urbana. "Mas o Exército costumava acusar a Polícia Militar de vazar informações sobre as operações. Então, pode ser que eles se sintam mais confortáveis em liderar agora", pondera o pesquisador.

O decreto de Temer inova ao coloca um militar do Exército formalmente no comando das forças de segurança. Mas os especialistas lembram que as Forças já tinham autorização para atuar nas ruas do Rio - no ano passado, o presidente havia assinado outro decreto, o de Garantia de Lei e Ordem (GLO), que permitia a militares atuarem nas ruas do Estado.

Essa atuação se baseia no artigo 142 da Constituição, que prevê o uso de tropas da Aeronáutica, Exército e Marinha por ordem do presidente da República caso haja esgotamento das forças tradicionais de segurança pública.

Reforma constitucional vetada
Ao decretar intervenção, Temer e o Congresso ficam, automaticamente, proibidos de alterarem a Constituição.

Por isso, Harig acredita que a medida está atrelada à dificuldade do governo de fazer passar a Reforma da Previdência no Congresso. "O presidente mata dois pássaros. Reage à crise de segurança pública e tem uma boa desculpa para não votar a reforma", observa o pesquisador, dizendo que as mudanças na previdência, assim como qualquer emenda à Constituição, estão agora proibidas.

E, para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança, isso é impeditivo também para se buscar uma solução mais definitiva para o problema da segurança pública.

"Se quisesse fazer mudança vigorosa no campo da segurança pública, ele teria que pensar em mudanças na Constituição e na forma de organização das polícias. Essas mudanças estão vedadas enquanto durar a intervenção. A medida joga o ônus para o próximo eleito que assume o governo em 2019", observa Lima. 

Mas o sociólogo acredita que a decisão de Temer pode surtir efeito, ainda que apenas de imediato. "Em termos de curto prazo, foi astuto e pode surtir efeito se conseguir criar circulo virtuoso com a retomada do controle no Rio de Janeiro. Mas em médio e longo prazo, as cartas não foram mudadas, a crise continua e as causas estruturais da falta de segurança no Rio e no país não foram afetadas", diz.

Há ainda o risco de as polícias reagirem negativamente à presença de um comandante do Exército à frente das forças de segurança do Estado.

"A polícia estava infeliz com o governo de (Luiz Fernando) Pezão por causa da falta de recursos. Ainda que seja difícil prever a reação, quero acreditar que não vai ter uma reação negativa", completa Harig.
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"Hell' de Janeiro - O Caos

Análise definitiva, lúcida, realista e muito, muito preocupante.

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De Fernando Augusto Martins Canhadas

É impressionante constatar que a grande maioria das análises que leio sobre a situação a que chegou o Rio de Janeiro simplesmente não enfrenta o cerne da questão. Às vezes chego a duvidar da honestidade ou mesmo da lucidez de quem as escreve.

Vamos lá.

O problema é o mesmo em todo o país, mas centremos nossa atenção ao caso do Rio.

Estou obviamente falando do Estado paralelo instaurado há décadas em nosso país, que é o Estado do Tráfico.

E a única explicação para toda essa calamidade que precisa ser exposta e colocada em debate é: ninguém de fato quer o Rio livre do tráfico de drogas.

Mas ninguém é ninguém mesmo: ainda que não tenhamos nos dado conta, nem eu, nem você e nem nós queremos.

A imensa maioria da população que vive nos morros não quer o Rio livre do tráfico, pois sem ele ficaria sem proteção, sem gás, sem luz, sem água e muito provavelmente sem casa. O Estado oficial não propicia a essa parcela da população, nem de longe, o que o Estado do Tráfico propicia.

A maioria das pessoas de todas as classes sociais não quer o Rio livre do tráfico, caso contrário jamais faria do Desfile das Escolas de Samba o evento que é e nem dos bailes funk o sucesso que faz, ambos sabidamente sustentados pelo Estado do Tráfico.

Uma grande parcela da população não quer o Rio livre do tráfico simplesmente por ser sua fiel cliente: do playboy ao trabalhador, do artista ao auxiliar de escritório. Caso contrário não continuariam subindo o morro para comprar sua maconha semanalmente e nem poderiam dar seus tecos nas baladas de Ipanema.

A mídia não quer o Rio livre do tráfico: o pacto social vigente entre a grande imprensa e o Estado do Tráfico funda-se na paz covarde do não mexe comigo que não mexo contigo. Assim as festinhas globais continuam regadas a pó e os programas de maior visibilidade exaltam temas muito mais sérios como a sexualidade dos anões hermafroditas. Sem falar nos noticiários sensacionalistas, cujo Ibope depende basicamente de policiais continuarem matando aviõezinhos e de crianças tomando bala perdida no meio da cara.

Parcela significativa do Judiciário não quer o Rio livre do tráfico: há juízes corrompidos, há juízes covardes e há juízes omissos. E não condeno aqueles que, cientes do risco que correm, fazem vistas grossas e prevaricam para salvar a própria pele.

Parcela mais do que significativa do Legislativo não quer o Rio livre do tráfico: há inúmeros vereadores, deputados e senadores ganhando - muito - dinheiro dele há décadas. Não há Estado paralelo que funcione sem seus braços bem plantados no Estado oficial e a ligação entre ambos é muito mais intrincada do que supõe nossa vã filosofia de bar a discutir sobre helicópteros e Perrellas.

Quanto ao Executivo então, nem se fale. A máquina absolutamente corrompida do Estado oficial atua em plena harmonia com o Estado paralelo: fiscais, policiais e agentes administrativos em geral, se não tiram seu sustento diretamente do tráfico, estão fechados com ele para garantir que tudo continue “funcionando” como está.

O empresariado não quer o Rio livre do tráfico. Redes de supermercados, drogarias, restaurantes e lojas de baixo custo em geral fazem seus planejamentos em torno da população de baixa renda, cuja sobrevivência em grande parte está garantida pelo Estado do Tráfico. Isso sem falar no turismo, que sempre vendeu o Rio como uma cidade maravilhosamente Legalize e agora se aprofunda na cultura favela/baile funk.

Nem mesmo a Igreja quer o Rio livre do tráfico. Quanto mais viciados hoje, mais fiéis convertidos amanhã. Uma população carente, mas sem acesso a drogas ilícitas, não representaria a mesma demanda pelo refúgio na fé.

Percebem como não sobra ninguém? E nem sobrará.

Com o caos generalizado que finalmente chegou na até então intocável Delfim Moreira, surge agora a gritaria e o pânico. Mas não há muito o que temer: virá então o exército e o deixa disso: - voltem para o morro meninos, vocês não precisam do Leblon, mas o Leblon precisa de vocês.

Assim, com poucas mortes da classe A e em pouco tempo, tudo voltará ao normal e o pacto entre os dois Estados voltará a viger normalmente.

E continuaremos não debatendo o cerne do problema.

Porque continuaremos não querendo o Rio livre do tráfico.


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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Preconceito nada...

QUEM AQUI É PRECONCEITUOSO?
Eduardo Mahon


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Não, não é porque ela é negra. Nem tampouco porque foi favelada. Nem muito menos porque canta funk. Nem ainda porque representa um gueto social que é a periferia da zona oeste carioca. 
Não, não é por isso que eu não gosto de Jojo Todynho. 
Billie Holiday era negra, marginalizada, viciada e maravilhosa. Idem para uma Nina Simone, Ella, Sara etc. Amy Winehouse era branca, mas pobre, viciada, marginalizada. Morreu da mesma forma que uma Elis Regina. E Sandra Sá que é negra, gay, suburbana? E daí? Daí que eram excelentes! Ninguém tem nada com a vida sexual de Madonna. 
Nada tenho contra o pop, contra o popular. Michael Jackson vivia na Neverland dele sabe-se lá de que jeito e era bom, desde pequeno. 
Não sou preconceituoso com a Broadway ou com a off-Broadway. Gosto de coisas boas de Boal e gosto do Fantasma da Ópera. Há coisas péssimas em Augusto Boal e Gerald Thomas e coisas péssimas em cartaz em NY. Aliás, acho mesmo que temos aqui em MT grandes artistas sem oportunidade: pintores que fariam sucesso em Paris, fotógrafos que deixariam Berlim de boca aberta, músicos que roubariam a cena nos porões do jazz americano. No Brasil todo, talentos encobertos pela fábrica de sucessos instantâneos do pop. 
Por que acontece uma distorção dessas? É fácil entender: um estrupício artístico como Jojo Todynho aparece, mais como a celebração do exótico do que a certificação da burrice, abocanha o horário comercial do rádio e da tevê como animal em extinção para, depois, os intelectualóides tentarem “decifrar” o fenômeno com base em teorias sofisticadas. 
Querem nos fazer engolir uma "representatividade" que não existe. É apenas burrice. Nada mais do que burrice, uma catarse coletiva em que se opta pelo menor esforço. 
Reconheço que a arte é, também, entretenimento. Deus me livre se não fosse. 
Ninguém merece um Tchaikovsky num churrasco à beira da piscina. Evidente que esse padrão de sofisticação demanda atenção máxima como o próprio compositor demandou na criação. 
Nada mais sacal do que um cara metido a culturete no meio de uma farra, ouvindo Paganini. Nem Sonrisal dá jeito em um porre desses. 

Deve haver uma música dessas? Deve! Claro que deve. Há espaço para tudo, para todos! Mas não me digam que é boa, que é representativa, que é simbólica, que é identidade de um gueto. Isso é mentira! 

Na literatura, há muita mistificação e celebração da burrice. ”Fala sério, mãe!” é tão ruim quanto a péssima produção marginal que certos intelectualóides querem fazer acreditar que é boa. Não é. 
Tem gente que parou no tempo e não faz nada de novo, desde a década de 70. 
Para ser Leminski é preciso comer muito feijão com arroz. 
De vez em quando vejo um dinossauro que ainda está lendo Marx como se fosse um achado teórico. Discriminam os “burgueses capitalistas” quando, na maioria, o que mendigam é uma boquinha por falta de talento. 

Na pintura, por exemplo, a máxima sofisticação é ser simples, mas há aqueles que são simplórios dizendo-se "naïf". Me engana que eu gosto! São coisas muito diferentes: ser simples por opção ou por falta de opção... 

Aqui no Brasil, um grupelho acha que é preciso ter tuberculose para fazer poesia ou escrever sobre as misérias de catadores de lixo para o reconhecimento literário. É a mentalidade da “reserva social” da arte, uma estupidez inominável. 
Precisamos escrever sobre a pobreza, a miséria, a humilhação, a violência. Do contrário, não entra no pequeno círculo iluminado dos intelectuais.
De qualquer maneira, é insólito permitir que Ludmila, Jojo Todynho, Pablo Vittar e essa intrépida trupe roube o tempo em que poderíamos ouvir um funk melhor, um rap melhor, um punk melhor, uma música popular melhor. 

A arte de rua tem qualidade, assim como o samba, o sertanejo, o siriri, o cururu, o funk, enfim, tudo tem uma escala. 
Ora, ora, Ney Matogrosso já nos apresentava um requebrado de muito mais qualidade nos Secos & Molhados do que um Vittar e o seu horrendo K.O. 
Aliás, adoro o Johnny Hooker com sua provocação brega, gay e inteligente. É mara!, como se diz. Até mesmo no brega, um Rossi é melhor que um Odair José. Isso para não falar do Lupicínio no melhor da fossa. No axé, por exemplo, há letras maravilhosas, consistentes que nos são queridas até hoje. A questão aqui não é preconceito por ser Jojo Todynho negra ou Pablo Vittar, LGBT. Há qualidade nos diversos gêneros, sejam eles populares ou eruditos. Estou falando apenas de negros? Negativo. Há os estrupícios musicais como Luan Santana, Latino, além dos branquíssimos KLB, todos numa mesma categoria - a dos péssimos.
Há excelência em tudo na vida, da mesma forma como há porcaria. 
Quer escrever? Dedique-se como a negra, pobre e magica Carolina de Jesus! Quer pintar? Vá aprender a técnica de um Caribé. Quer dançar? Horas de treino como o negro Sammy Davis Jr. 
Não há quotas para ter talento. Talento não vem na pobreza, nem na riqueza, nem com a negritude, nem com o tipo caucasiano. Não somos obrigados a admirar algo ou alguém por pena, por consideração ou por justificativas sociais. Não podemos nos constranger de dizer que uma cantora é ruim por ser pobre, negra, ou por ser gay, marginalizado, ou mesmo branco, rico, lindo, cool. Nada mais burro do que lavar as mãos e dizer a milhões de brasileiros: não escute. Ora, isso é muito cômodo, mas impossível num país de semi-analfabetos que assiste majoritariamente a um só canal de televisão. Esses alienados não conhecem o território nacional onde apenas 58% da população tem acesso à internet.
Essa história de julgar a obra de acordo com a classe social do autor é o que há de mais idiota neste mundo. Como se apenas um grupo de “eleitos” tivesse a legitimidade para a arte. 
Volto a dizer: não é pela cor, nem pelo estilo, nem tampouco pela forma de se vestir. Cada macaco no seu galho. Gosto não se discute, lamenta-se. Absurdo mesmo é celebrar a mediocridade. 
Fiquem absolutamente tranquilos: se não gostam de Jojo e Cia, não é porque são preconceituosos. Já basta de constrangimento, de patrulhamento, de filosofia barata. 
Não vamos cair na tentação de encontrar explicações de ordem sociológica a legitimar o que é, no fundo, uma m****.

(*) Eduardo Mahon  -  escritor e advogado.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

♪♫"E, no entanto, é preciso cantar"♪♫

Geeentee... Diante da TV assistindo a telejornais, cada vez mais apavorada e descrente de que este país possa se tornar uma Nação.

Saldo do carnaval.
O metrô no Rio - limpo, absolutamente limpo - abre as portas e aparece uma boiada desembestada , uns empurrando os outros, numa correria surreal e selvagem. Ao sair, o lugar parece um chiqueiro - desculpem, porquinhos de verdade.
Violência multiplicada desde os bairros de zona sul à periferia e subúrbios. Um verdadeiro pandemônio.
Até pseudo-blocos carnavalescos cujos integrantes portavam fuzis e atiravam para o alto intimidando a população.
Pessoas - entre elas, muitas crianças - assassinadas a tiros. Inúmeros assaltos, 'arrastões', roubos e furtos.

Ausência total do Governador Luiz Fernando Pezão e do Prefeito Marcelo Crivella. O primeiro está em sua cidade (Piraí-RJ, segundo seus assessores 'distante apenas 80 km do Rio de Janeiro' - que belezinha, não?) e o segundo na Europa (Alemanha).

Então, POVO BRASILEIRO, quais são - mesmo - suas reivindicações, projetos e planos daqui para a frente? Ou será daqui para baixo, se é possível? 
Aplaudir sua Escola (de samba, bem entendido) Campeã?
Aguardar o evento da Copa do Mundo? Ou o próximo (!) carnaval?
Lembrando sempre que teremos um negócio aí chamado eleições, certamente com a mesma organização competente a que estamos nos acostumando nos grandes e importantíssimos eventos.

Aguardemos...

Sueli, 14 de fevereiro2018
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