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Intervenção no Rio: Para especialistas, medida é paliativo necessário, mas dificilmente resolve problema de segurança
Decisão de nomear um interventor militar tem caráter político e está atrelada à votação da Reforma da Previdência, segundo pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil.
BBC BRASIL.com - 16 FEV 2018 14h59 atualizado às 15h14
A decisão do presidente Michel Temer de decretar intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro está sendo tratada como um paliativo por especialistas ouvidos pela BBC Brasil, que acreditam que a figura de general do Exército no comando das polícias e dos bombeiros dificilmente vai resolver o problema da violência.
Para os pesquisadores, ela gera ainda o risco de uma crise institucional e pode aumentar a pressão para que se federalize a segurança em todo país.
O pesquisador Christoph Harig, especialista em missões de paz e segurança pública com doutorado pelo King's College London, classifica a medida como "drástica" e avalia que ela parece ter motivação mais "política que técnica", uma vez que as experiências anteriores indicam que a atuação das Forças Armadas para conter a violência urbana melhora a sensação de segurança apenas de forma passageira.
Já o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança, o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diz que o decreto é "uma jogada habilidosa em termos políticos, mas é apenas tópica porque é de curto prazo". "É igual a um anestésico para ajudar a limpar a ferida, mas a ferida não será cicatrizada com essa medida", avalia Lima.
O decreto assinado por Temer na tarde desta sexta prevê que um general do Exército assuma o comando das forças de segurança do Rio até 31 de dezembro. A medida entra em vigor depois de publicada no Diário Oficial.
Michel Temer assinou o decreto de intervenção na segurança pública na tarde desta sexta-feira |
A decisão foi tomada pelo presidente na madrugada de sexta, diante da escalada da violência no Rio. O interventor militar passará a ter responsabilidade sobre as polícias Militar e Civil, os bombeiros e a área de inteligência do Estado, inclusive com poder de troca de comando e abertura de processo contra os integrantes das forças.
O interventor escolhido foi o general Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste. Ele foi um dos responsáveis pela coordenação da segurança durante a Olimpíada do Rio, em 2016, e também ocupou o serviço de inteligência do Exército. O secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá, por sua vez, foi afastado da função.
Resposta extrema
Depois de assinar o decreto, Temer disse que a medida é extrema, mas o país está a demandar medidas extremas.
Para Harig e Lima, trata-se de uma resposta imediata e é um sinal de que o governo federal está atento e agindo.
Contudo, lembra Lima, os problemas de segurança não estão apenas no Estado do Rio de Janeiro. "O Rio não está sozinho no quadro de completo descontrole da segurança pública", diz o sociólogo, emendando que outros Estados enfrentam crises similares.
Harig pondera que as Forças Armadas brasileiras nunca esconderam o desconforto quando convocadas para conter a violência urbana. "Mas o Exército costumava acusar a Polícia Militar de vazar informações sobre as operações. Então, pode ser que eles se sintam mais confortáveis em liderar agora", pondera o pesquisador.
O decreto de Temer inova ao coloca um militar do Exército formalmente no comando das forças de segurança. Mas os especialistas lembram que as Forças já tinham autorização para atuar nas ruas do Rio - no ano passado, o presidente havia assinado outro decreto, o de Garantia de Lei e Ordem (GLO), que permitia a militares atuarem nas ruas do Estado.
Essa atuação se baseia no artigo 142 da Constituição, que prevê o uso de tropas da Aeronáutica, Exército e Marinha por ordem do presidente da República caso haja esgotamento das forças tradicionais de segurança pública.
Reforma constitucional vetada
Ao decretar intervenção, Temer e o Congresso ficam, automaticamente, proibidos de alterarem a Constituição.
Por isso, Harig acredita que a medida está atrelada à dificuldade do governo de fazer passar a Reforma da Previdência no Congresso. "O presidente mata dois pássaros. Reage à crise de segurança pública e tem uma boa desculpa para não votar a reforma", observa o pesquisador, dizendo que as mudanças na previdência, assim como qualquer emenda à Constituição, estão agora proibidas.
E, para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança, isso é impeditivo também para se buscar uma solução mais definitiva para o problema da segurança pública.
"Se quisesse fazer mudança vigorosa no campo da segurança pública, ele teria que pensar em mudanças na Constituição e na forma de organização das polícias. Essas mudanças estão vedadas enquanto durar a intervenção. A medida joga o ônus para o próximo eleito que assume o governo em 2019", observa Lima.
Mas o sociólogo acredita que a decisão de Temer pode surtir efeito, ainda que apenas de imediato. "Em termos de curto prazo, foi astuto e pode surtir efeito se conseguir criar circulo virtuoso com a retomada do controle no Rio de Janeiro. Mas em médio e longo prazo, as cartas não foram mudadas, a crise continua e as causas estruturais da falta de segurança no Rio e no país não foram afetadas", diz.
Há ainda o risco de as polícias reagirem negativamente à presença de um comandante do Exército à frente das forças de segurança do Estado.
"A polícia estava infeliz com o governo de (Luiz Fernando) Pezão por causa da falta de recursos. Ainda que seja difícil prever a reação, quero acreditar que não vai ter uma reação negativa", completa Harig.
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