QUEM AQUI É PRECONCEITUOSO?
Eduardo Mahon
Não, não é por isso que eu não gosto de Jojo Todynho.
Billie Holiday era negra, marginalizada, viciada e maravilhosa. Idem para uma Nina Simone, Ella, Sara etc. Amy Winehouse era branca, mas pobre, viciada, marginalizada. Morreu da mesma forma que uma Elis Regina. E Sandra Sá que é negra, gay, suburbana? E daí? Daí que eram excelentes! Ninguém tem nada com a vida sexual de Madonna.
Nada tenho contra o pop, contra o popular. Michael Jackson vivia na Neverland dele sabe-se lá de que jeito e era bom, desde pequeno.
Não sou preconceituoso com a Broadway ou com a off-Broadway. Gosto de coisas boas de Boal e gosto do Fantasma da Ópera. Há coisas péssimas em Augusto Boal e Gerald Thomas e coisas péssimas em cartaz em NY. Aliás, acho mesmo que temos aqui em MT grandes artistas sem oportunidade: pintores que fariam sucesso em Paris, fotógrafos que deixariam Berlim de boca aberta, músicos que roubariam a cena nos porões do jazz americano. No Brasil todo, talentos encobertos pela fábrica de sucessos instantâneos do pop.
Por que acontece uma distorção dessas? É fácil entender: um estrupício artístico como Jojo Todynho aparece, mais como a celebração do exótico do que a certificação da burrice, abocanha o horário comercial do rádio e da tevê como animal em extinção para, depois, os intelectualóides tentarem “decifrar” o fenômeno com base em teorias sofisticadas.
Querem nos fazer engolir uma "representatividade" que não existe. É apenas burrice. Nada mais do que burrice, uma catarse coletiva em que se opta pelo menor esforço.
Reconheço que a arte é, também, entretenimento. Deus me livre se não fosse.
Ninguém merece um Tchaikovsky num churrasco à beira da piscina. Evidente que esse padrão de sofisticação demanda atenção máxima como o próprio compositor demandou na criação.
Nada mais sacal do que um cara metido a culturete no meio de uma farra, ouvindo Paganini. Nem Sonrisal dá jeito em um porre desses.
Deve haver uma música dessas? Deve! Claro que deve. Há espaço para tudo, para todos! Mas não me digam que é boa, que é representativa, que é simbólica, que é identidade de um gueto. Isso é mentira!
Na literatura, há muita mistificação e celebração da burrice. ”Fala sério, mãe!” é tão ruim quanto a péssima produção marginal que certos intelectualóides querem fazer acreditar que é boa. Não é.
Tem gente que parou no tempo e não faz nada de novo, desde a década de 70.
Para ser Leminski é preciso comer muito feijão com arroz.
De vez em quando vejo um dinossauro que ainda está lendo Marx como se fosse um achado teórico. Discriminam os “burgueses capitalistas” quando, na maioria, o que mendigam é uma boquinha por falta de talento.
Na pintura, por exemplo, a máxima sofisticação é ser simples, mas há aqueles que são simplórios dizendo-se "naïf". Me engana que eu gosto! São coisas muito diferentes: ser simples por opção ou por falta de opção...
Aqui no Brasil, um grupelho acha que é preciso ter tuberculose para fazer poesia ou escrever sobre as misérias de catadores de lixo para o reconhecimento literário. É a mentalidade da “reserva social” da arte, uma estupidez inominável.
Precisamos escrever sobre a pobreza, a miséria, a humilhação, a violência. Do contrário, não entra no pequeno círculo iluminado dos intelectuais.
De qualquer maneira, é insólito permitir que Ludmila, Jojo Todynho, Pablo Vittar e essa intrépida trupe roube o tempo em que poderíamos ouvir um funk melhor, um rap melhor, um punk melhor, uma música popular melhor.
A arte de rua tem qualidade, assim como o samba, o sertanejo, o siriri, o cururu, o funk, enfim, tudo tem uma escala.
Ora, ora, Ney Matogrosso já nos apresentava um requebrado de muito mais qualidade nos Secos & Molhados do que um Vittar e o seu horrendo K.O.
Aliás, adoro o Johnny Hooker com sua provocação brega, gay e inteligente. É mara!, como se diz. Até mesmo no brega, um Rossi é melhor que um Odair José. Isso para não falar do Lupicínio no melhor da fossa. No axé, por exemplo, há letras maravilhosas, consistentes que nos são queridas até hoje. A questão aqui não é preconceito por ser Jojo Todynho negra ou Pablo Vittar, LGBT. Há qualidade nos diversos gêneros, sejam eles populares ou eruditos. Estou falando apenas de negros? Negativo. Há os estrupícios musicais como Luan Santana, Latino, além dos branquíssimos KLB, todos numa mesma categoria - a dos péssimos.
Há excelência em tudo na vida, da mesma forma como há porcaria.
Quer escrever? Dedique-se como a negra, pobre e magica Carolina de Jesus! Quer pintar? Vá aprender a técnica de um Caribé. Quer dançar? Horas de treino como o negro Sammy Davis Jr.
Não há quotas para ter talento. Talento não vem na pobreza, nem na riqueza, nem com a negritude, nem com o tipo caucasiano. Não somos obrigados a admirar algo ou alguém por pena, por consideração ou por justificativas sociais. Não podemos nos constranger de dizer que uma cantora é ruim por ser pobre, negra, ou por ser gay, marginalizado, ou mesmo branco, rico, lindo, cool. Nada mais burro do que lavar as mãos e dizer a milhões de brasileiros: não escute. Ora, isso é muito cômodo, mas impossível num país de semi-analfabetos que assiste majoritariamente a um só canal de televisão. Esses alienados não conhecem o território nacional onde apenas 58% da população tem acesso à internet.
Essa história de julgar a obra de acordo com a classe social do autor é o que há de mais idiota neste mundo. Como se apenas um grupo de “eleitos” tivesse a legitimidade para a arte.
Volto a dizer: não é pela cor, nem pelo estilo, nem tampouco pela forma de se vestir. Cada macaco no seu galho. Gosto não se discute, lamenta-se. Absurdo mesmo é celebrar a mediocridade.
Fiquem absolutamente tranquilos: se não gostam de Jojo e Cia, não é porque são preconceituosos. Já basta de constrangimento, de patrulhamento, de filosofia barata.
Não vamos cair na tentação de encontrar explicações de ordem sociológica a legitimar o que é, no fundo, uma m****.
(*) Eduardo Mahon - escritor e advogado.
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