sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

"Hell' de Janeiro - O Caos

Análise definitiva, lúcida, realista e muito, muito preocupante.

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De Fernando Augusto Martins Canhadas

É impressionante constatar que a grande maioria das análises que leio sobre a situação a que chegou o Rio de Janeiro simplesmente não enfrenta o cerne da questão. Às vezes chego a duvidar da honestidade ou mesmo da lucidez de quem as escreve.

Vamos lá.

O problema é o mesmo em todo o país, mas centremos nossa atenção ao caso do Rio.

Estou obviamente falando do Estado paralelo instaurado há décadas em nosso país, que é o Estado do Tráfico.

E a única explicação para toda essa calamidade que precisa ser exposta e colocada em debate é: ninguém de fato quer o Rio livre do tráfico de drogas.

Mas ninguém é ninguém mesmo: ainda que não tenhamos nos dado conta, nem eu, nem você e nem nós queremos.

A imensa maioria da população que vive nos morros não quer o Rio livre do tráfico, pois sem ele ficaria sem proteção, sem gás, sem luz, sem água e muito provavelmente sem casa. O Estado oficial não propicia a essa parcela da população, nem de longe, o que o Estado do Tráfico propicia.

A maioria das pessoas de todas as classes sociais não quer o Rio livre do tráfico, caso contrário jamais faria do Desfile das Escolas de Samba o evento que é e nem dos bailes funk o sucesso que faz, ambos sabidamente sustentados pelo Estado do Tráfico.

Uma grande parcela da população não quer o Rio livre do tráfico simplesmente por ser sua fiel cliente: do playboy ao trabalhador, do artista ao auxiliar de escritório. Caso contrário não continuariam subindo o morro para comprar sua maconha semanalmente e nem poderiam dar seus tecos nas baladas de Ipanema.

A mídia não quer o Rio livre do tráfico: o pacto social vigente entre a grande imprensa e o Estado do Tráfico funda-se na paz covarde do não mexe comigo que não mexo contigo. Assim as festinhas globais continuam regadas a pó e os programas de maior visibilidade exaltam temas muito mais sérios como a sexualidade dos anões hermafroditas. Sem falar nos noticiários sensacionalistas, cujo Ibope depende basicamente de policiais continuarem matando aviõezinhos e de crianças tomando bala perdida no meio da cara.

Parcela significativa do Judiciário não quer o Rio livre do tráfico: há juízes corrompidos, há juízes covardes e há juízes omissos. E não condeno aqueles que, cientes do risco que correm, fazem vistas grossas e prevaricam para salvar a própria pele.

Parcela mais do que significativa do Legislativo não quer o Rio livre do tráfico: há inúmeros vereadores, deputados e senadores ganhando - muito - dinheiro dele há décadas. Não há Estado paralelo que funcione sem seus braços bem plantados no Estado oficial e a ligação entre ambos é muito mais intrincada do que supõe nossa vã filosofia de bar a discutir sobre helicópteros e Perrellas.

Quanto ao Executivo então, nem se fale. A máquina absolutamente corrompida do Estado oficial atua em plena harmonia com o Estado paralelo: fiscais, policiais e agentes administrativos em geral, se não tiram seu sustento diretamente do tráfico, estão fechados com ele para garantir que tudo continue “funcionando” como está.

O empresariado não quer o Rio livre do tráfico. Redes de supermercados, drogarias, restaurantes e lojas de baixo custo em geral fazem seus planejamentos em torno da população de baixa renda, cuja sobrevivência em grande parte está garantida pelo Estado do Tráfico. Isso sem falar no turismo, que sempre vendeu o Rio como uma cidade maravilhosamente Legalize e agora se aprofunda na cultura favela/baile funk.

Nem mesmo a Igreja quer o Rio livre do tráfico. Quanto mais viciados hoje, mais fiéis convertidos amanhã. Uma população carente, mas sem acesso a drogas ilícitas, não representaria a mesma demanda pelo refúgio na fé.

Percebem como não sobra ninguém? E nem sobrará.

Com o caos generalizado que finalmente chegou na até então intocável Delfim Moreira, surge agora a gritaria e o pânico. Mas não há muito o que temer: virá então o exército e o deixa disso: - voltem para o morro meninos, vocês não precisam do Leblon, mas o Leblon precisa de vocês.

Assim, com poucas mortes da classe A e em pouco tempo, tudo voltará ao normal e o pacto entre os dois Estados voltará a viger normalmente.

E continuaremos não debatendo o cerne do problema.

Porque continuaremos não querendo o Rio livre do tráfico.


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