quinta-feira, 12 de abril de 2012

'FEBRE' EDITORIAL

"Os livros de autoajuda deturpam os conhecimentos das ciências humanas, difundem chavões da "psicologia pop" e são nocivos, porque induzem seus leitores a dramatizar problemas, simplificam conflitos e soluções, criam dependência emocional e servem apenas para enriquecer seus autores, que se preocupam só com a autopromoção e os lucros."

As acusações são do neuropsicólogo Paul Pearsall, que mora em Honolulu (Havaí), autor do bombástico ¨"O seu último livro de autoajuda".
O título sarcástico reflete o conteúdo da obra, que ataca os principais gurus do gênero de autoajuda.

Para Pearsall, é um exagero afirmar que a humanidade vive uma crise de baixa autoestima. Na sua avaliação, a vida sempre foi repleta de dificuldades, de desafios, e os homens devem encarar isso com normalidade, como fizeram seus ancestrais. Nada de se fragilizar e ficar adotando rituais recomendados por best-sellers de autoajuda.

"Não se esqueça de que a autoajuda é um negócio. Autores e editores querem que você compre, leia, convença-se do que leu e compre novamente. Isto não quer dizer que seus livros não têm valor, mas apenas que devemos abordá-los como consumidores cautelosos, realizando uma compra, e não como pacientes contratando um terapeuta virtual", escreve o professor da Universidade do Havaí.

Ao longo da obra, o autor vai questionar as principais premissas dos livros de autoajuda, mostrando inconsistências nos argumentos dos principais escritores do gênero. Para Pearsall, é um erro demonizar o medo e a culpa, como fazem essas obras. Na sua opinião, o ser humano precisa conhecer seus limites, assumir suas responsabilidades, ou então o mundo vira uma barbárie.

"Um pessimismo levemente defensivo cai bem na construção da vida boa. Raramente você ficará desapontado e, às vezes, agradavelmente surpreso. A menos que seja do seu perfil tentar sempre pensar positivamente, o esforço é estressante, exaustivo e restritivo", defende o autor.

Um dos capítulos mais interessantes fala sobre a obsessão do homem de fugir dos estereótipos da velhice, em vez de aceitar o processo natural de envelhecimento e ver as vantagens de ter mais experiência acumulada e sabedoria.
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Um trecho do livro: 

A autoestima elevada pode ser prejudicial para você e para os que lhe são próximos. Pense sobre o seguinte: quando falta a alguém a capacidade de autocrítica, ele pode atropelar os sentimentos dos outros - ou seus direitos- sem remorsos.
Eis aqui algumas das questões abordadas pelos reconhecidos pesquisadores Martin Seligman e David Myers sobre crenças tendenciosas:
  • Será que as crianças não precisam errar ou se sentir tristes, nervosas e zangadas se é que desejam conhecer sucesso, alegria, contentamento e afabilidade?
  • Será que as crianças não precisam aprender a encarar medos, tristezas e decepções tanto quanto situações mais positivas?
  • O que dizer do argumento "não há dias sem noite"? Será que evitar sentir-se mal torna mais difícil o sentir-se bem ou mesmo saber o que se sentir bem realmente significa?
  • Será que alguns dos adultos mais felizes e bem-sucedidos também não tiveram suas infâncias cheias de acontecimentos negativos?
  • Será que algumas das piores e mais cruéis pessoas do mundo não terão vindo, por vezes, de lares amorosos e protetores?
  • Será realmente válida a antiga premissa de Freud sobre a importância da história passada?
Culpa: a nobre emoção
De acordo com os autoajudantes, a culpa é a emoção antifelicidade por excelência. Dizem eles que não podemos ser felizes quando nos sentimos culpados: eu, porém, afirmo que não podemos ser realmente felizes se não sentirmos culpa.

Acredito que a felicidade não é, de forma alguma, uma emoção isolada e individual. Ela, na verdade, depende de uma felicidade coletiva. Quando alguém se sente culpado, é porque, muitas vezes, sabe que golpeou aquela felicidade coletiva e, assim, não consegue sentir, ele mesmo, a felicidade.

Culpa é essencial para que verdadeiras mudanças aconteçam. Ela pode conduzir a uma consideração mais reflexiva sobre a vida, sobre como a levamos e como influenciamos a vida de outras pessoas. É possível que uma criança que aprende a não se sentir profundamente envergonhada por ter agredido um amigo jamais aprenda que bater é errado ou venha a perceber este princípio como uma regra arbitrária de autoridade. O cônjuge que trai, a pessoa que faz um comentário mordaz sobre um amigo, os pais que negligenciam um filho - todos deveriam se sentir culpados. Sem culpa, nós nos tornaríamos, na melhor das hipóteses, seres ensimesmados ou até mesmo sociopatas.

Nas palavras do psiquiatra Willard Gaylin a um entrevistador: "Todos os psicológos 'pop' estão orientando mal as pessoas no que se refere a culpa e consciência. A culpa é uma emoção nobre; a pessoa que não a sente é um monstro."

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