Rubem Braga |
São Cosme e São Damião
Rubem Braga
Escrevo no dia dos meninos.
Se fosse escolher santos, escolheria sem dúvida nenhuma São Cosme e São Damião, que morreram decapitados já homem feitos, mas sempre são representados como dois meninos, dois gêmeos de ar bobinho, na cerâmica ingênua dos santeiros do povo.
"São Cosme e São Damião, protegei os meninos de Brasil, todos os meninos e meninas do Brasil.
Protegei os meninos ricos, pois toda a riqueza não impede que eles possam ficar doentes ou tristes, ou viver coisas tristes, ou ouvir ou ver coisas ruins.
Protegei os meninos dos casais que não se separam e se dizem coisas amargas e fazem coisas que os meninos vêem, ouvem, sentem.
Protegei os filhos dos homens bêbados e estúpidos, e também os meninos das mães histéricas ou ruins.
Protegei o menino mimado a quem os mimos podem fazer mal e protegei os órfãos, os filhos sem pai, e os enjeitados.
Protegei o menino que estuda e o menino que trabalha, e protegei o menino que é apenas moleque de rua e só sabe pedir esmola e furtar.
Protegei ó São Cosme e São Damião! - protegei os meninos protegidos pelos asilos e orfanatos, e que aprendem a rezar e obedecer e andar na fila e ser humildes, e os meninos protegidos pelo SAM, ah! São Cosme e São Damião, protegei muitos os pobres meninos protegidos!
E protegei sobretudo os meninos pobres dos morros e dos mocambos, os tristes meninos da cidade e os meninos amarelos, e barrigudinhos da roça, protegei suas canelinhas finas, suas cabecinhas sujas, seus pés que podem pisar em cobra e seus olhos que podem pegar tracoma - e afastai de todo perigo e de toda maldade os meninos do Brasil, os louros e os escurinhos, todos os milhões de meninos deste grande e pobre e abandonado meninão triste que é o nosso Brasil, ó Glorioso São Cosme, Glorioso São Damião!"
Setembro, 1957.
* * *
In: "200 crônicas escolhidas", Record, 2002, p. 328-329.
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