terça-feira, 17 de setembro de 2013

XICO SÁ - Um cronista que me diverte...




Mulher mística é pé-na-bunda na certa
Xico Sá - blog  UOL, 30 de agosto 2013

“Minha pedra é ametista/Minha cor, o amarelo/Mas sou sincero…”

Escuto essa genialidade maluca do João Bosco no táxi para casa. Chupa, seu cronista. Chupo o frio chicabom da solidão a caminho de Copacabana.
Quando você sofre, toda música, principalmente na madrugada, é sua biografia inteira.

“Minha pedra é ametista…”

Repetitivo qual um peru diante de um assobio, o silvo breve do destino, penso, de novo e de novo, a mesma coisa. E banco a vítima, com moral de quem deveras padece o infortúnio.
“Calma, amigo”, diz o taxista. “Tem muita mulher do mundo”.
Você que pensa. Resposto ao vento. Só existe uma fêmea no planeta, a que você acaba de perder. O resto é Édipo ou homem.
Quando ela se põe mística, meu caro taxista, adeus.
Quando ela pisa nos astros distraída, meu caro Orestes Barbosa, demorô, perdeu, pleiba.
A mulher é superstição pura. Toda mulher é pisciana de cabeça e leonina de vontade própria. Viagem. Toda mulher não passa de uma Clarice Lispector assassina, fé cega faca amolada, peixeira de baiano.
Quando a tua fêmea, amigo, começar a falar em retorno de Saturno, na simbologia do tarô, nos recados do feng shui etc, te ligas, campeão: é pé-na-bunda à vista.
Confesso que levei.
Por trás de todo mapa astral ou de uma nova visita à cartomante há sempre um abandono ou, no pior dos cenários, uma dolorosa e rodriguiana traição à nossa espera.
Ai só resta chupar o frio chicabom da solidão, como ensinou o próprio tio Nelson.
Só nos resta mascar o jiló do desprezo e quebrar entre os dentes os palitinhos Gina da descrença e da sorte.
Só nos cabe sentar à margem do rio Piedra e chorar, segundo a recomendação suspeita do mago Paulo Coelho, este sim um incansável místico globalizado.
Sim, amigo, a mulher é esotérica desde a véspera da tragédia. Nós batemos na porta da cigana mais vagabunda apenas depois que Inês é morta.
Aqui me pego, agora mesmo, reparem no ridículo, lendo o destino e a sorte na borra de café, o velho método das Arábias.
No mato sem cachorro ou GPS, o macho moderno, este cara carente de banco de praça, faz sinal de SOS até para náufragos piores do que ele. Ô vidinha-Titanic e miserável.
Opa, calma, calma, que vejo algo nos desenhos involuntários do fundo da xícara.
Tento enxergar na borra do café o meu destino, a minha sorte e as escaramuças da pessoa amada, aquela maldita que nos parafusa na testa uma fantasia de viking.
Sério, amigo, a mulher é mística de véspera. Nós, homens sensíveis ou machos jurubebas, somos esotéricos apenas depois que a casa cai.
Perai, epa, calma de novo que vejo algo bem definido no diabo da xícara.
Parece uma fruta. Pera, uva, maçã? Limpo as lentes de quase dez graus de miopia e astigmatismo e finalmente decifro: uma cebola!
Retrato do meu choro e do abandono? Seria simbologia óbvia demais.
Pera lá. Na dúvida, recorro ao “Guia da leitura no sedimento do café –arte milenar árabe de interpretar sua vida”, um livro da Batia Shorek e Sara Zehavi, que acabo de adquirir em um sebo carioca, que fortuna, que riqueza, viva o sebo Baratos da Ribeiro.
Opa, reparem só no significado da tal cebola: “Indica que a pessoa amada esconde algo do seu cônjuge e o assunto escondido é importante e pode machucá-lo”.
Neste caso nem escondia mais, já havia ido embora, estava da caixa-prego para a frente, mas reparem como funciona a leitura da borra!
Como homem, apenas li atrasado o fundo da xícara. Uma fêmea mística teria sabido tudo de véspera.
Seu taxista, pena de mim não precisava. Foi só a porra da borra.

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