segunda-feira, 30 de junho de 2014

Foto João Saboia

"Um céu de lápis de cor"
Em Resende (RJ), 28/6/2014
Foto: João Saboia

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"Meu pedacinho de chão"


A pedagogia poética de “Meu pedacinho de chão”
 Daniela Mercedes Kahn -  26/06/2014

O remake de “Meu pedacinho de chão” (primeira versão em 1971-72) é uma obra-prima de teledramaturgia.
 Isso se deve, em primeiro lugar, à bem-sucedida parceria do autor Benedito Rui Barbosa e o diretor Luiz Fernando Carvalho com grande elenco e uma cenografia afinadíssima com o espírito da obra. Mas também ao fato de chegar à tela totalmente finalizada, o que a preservou das flutuações do ibope e das consequentes mudanças de rumo tão comuns nas produções desse gênero.

Na verdade, vários dos assuntos abordados nessa trama de folhetim retomam novelas anteriores do escritor. Representativos da crônica oscilação nacional entre o progresso e o atraso, esses temas incluem o confronto de gerações, de gêneros e de vínculos trabalhistas em cenário de dominação patronal masculina; o conflito entre o autoritarismo das velhas gerações e a ambição democrática das novas; o impacto das tecnologias modernas sobre a lavoura arcaica; o anacronismo das pequenas comunidades campestres e sua carência de infraestrutura básica; o choque dos atuais costumes urbanos com as tradições do interior rural.

A inovação do atual folhetim das seis consiste na abdicação do habitual tratamento realista desses e de outros temas, em prol de um sedutor conto de fadas. Narrada a partir de uma ótica infantil (mas nem tanto), ela evoca um esquecido vilarejo do interior paulista. Situada num colorido cenário de brinquedo, a vila de Santa Fé se converte num reino encantado. Os seus príncipes e princesas são jovens formados na capital que pretendem trazer o progresso para o lugarejo; o ogro do castelo é o coronel autoritário, enquanto a sua despachada esposa faz as vezes da fada madrinha; o capataz analfabeto veste a aura do poeta enamorado, o bufão é personificado com malandragem pelo seu auxiliar. Complementam o quadro o órfão sem-teto e a princesa mirim, filha do ogro e da fada.

Tendo em vista a sua origem, é natural que esse reino mágico não seja movido a toques de varinha de condão, e sim por ações políticas fundamentadas em bases bastante realistas. São ações que dinamizam o confronto entre tradição e inovação, oscilando entre as possibilidades e os limites da mudança.

O desejo de inovação é ilustrado por uma cena emblemática logo no primeiro capítulo: o empregado do sítio espera o filho do patrão, que chega de viagem, na estação do trem. A volta para casa traz uma bem-vinda inversão de funções: o filho do coronel empurra alegremente o carrinho de mão carregado com as suas malas e o malandro capataz.

Com efeito, o personagem Fernando, interpretado com sensibilidade, humor e vigor por Johnny Massaro, sofre uma profunda transformação da primeira para a segunda versão da novela. A mudança de playboy para engenheiro agrônomo coloca o conflito de gerações num patamar mais original do que a primeira versão. Pois, ao diploma exigido pelo pai, o filho contrapõe um outro, na verdade muito mais adequado à condição de um futuro fazendeiro rural. Diploma que o pai despreza por desconhecer a profissão. Mais que um simples conflito de gerações, o que entra em confronto são duas visões de administração rural que evoluirão para duas formas de fazer política.

Isso ainda fica mais claro ao considerarmos como o progresso adentra a pequena vila de Santa Fé. As melhorias locais se devem à iniciativa de três jovens recém- formados: o engenheiro agrônomo, seu amigo médico e a professora Juliana. O engenheiro introduz modernas técnicas de alimentação do solo, o médico constrói um posto de saúde na vila e a professora (na esteira do ensino Mobral, inspirador da primeira versão do folhetim) se encarrega de alfabetizar as crianças e os adultos do lugar.

Graças à “perfessora” Juliana, a educação passa a ocupar um lugar central na novela. A pequena escola é um templo de conhecimento e a instrução é vista como um privilégio ao qual todos devem ter acesso.

Parte da árdua missão desse folhetim é a recuperação do prazer infantil da leitura. Mas isso não é tudo! A importância de saber ler e escrever é demonstrada de forma lancinante no episódio das cartas de amor de Zelão. Concebidas com tanta delicadeza de sentimentos pelo rústico poeta, elas chegam à amada “perfessora” na forma de rabiscos e garatujas. Isso porque o “escrevinhador” Rodapé, que se encarrega da correspondência amorosa do amigo, é tão analfabeto quanto ele.

É pena que alguns temas recebam um tratamento menos ousado. Assim, em tempos áureos de reavaliação dos papéis dos gêneros, a valente Gina, na excelente interpretação de Paula Barbosa, cujo caráter espinhoso e arredio revela seu parentesco com a inesquecível Juma Marruá, é instada a abraçar a versão mais tradicional possível de feminilidade. E isso pela independente professora Juliana, que saiu da capital, para começar uma nova vida no interior. Da mesma forma, o oportuno tema da carteira de trabalho, desconhecida no campo, morre na praia, ou melhor, na roça. Mais uma vez, é a própria professora, encarregada de abrir a mente dos seus alunos, quem coloca um ponto final no assunto.

Por outro lado, caberia também ponderar a repercussão sobre uma audiência jovem, da tão enfatizada questão do beijo forçado, certamente concebida num momento em que a violência e o assédio sexual não estavam tão na ordem do dia quanto atualmente.

Se, por vezes, a própria perspectiva narrativa apela para resoluções mais tradicionais dos conflitos, do ponto de vista estético, o que se vê é um comovente casamento da fantasia com a realidade. Ao articular de forma convincente problemas muito reais com um contexto maravilhoso, “Meu pedacinho de chão” evoca com felicidade o pioneiro da literatura infantil brasileira, Monteiro Lobato.  O efeito produzido é o contrário da série americana “Era uma vez…”, em que o tratamento convencional dos episódios destrói todo e qualquer resquício de magia dos contos originais que inspiraram os seus episódios.

Isto se deve, sobretudo, à boa atuação do elenco que ocupa o cenário de brinquedo. Em contraste com os diálogos realistas, as vezes até duros, a sua representação antinaturalista fornece a oportunidade de ver atores conhecidos brilhando em papéis inusitados. É o caso do lúdico casal Napoleão, formado por Osmar Prado e Juliana Paes, dois atores que surpreendem a cada novo desafio. Também o vendeiro Giacomo de Antonio Fagundes e o Pedro Falcão de Rodrigo Lombardi aderem ao humor circense.  Entre a ala mais jovem, o destaque vai para o antológico Zelão de Irandhir Santos, estreante nas novelas da Globo mas seguramente já veterano na arte da interpretação. (Aliás, quem teve a ideia de fazer o personagem se movimentar como uma marionete?) E Flávio Bauraqui faz do seu Rodapé uma divertida versão brasileira do bufão shakespeariano. Bruna Linzmeyer confere à “perfessora” Juliana doses acertadas de charme e severidade. É também promissora a estreia da bela Cintia Dicker, intérprete de Milita. Determinação, humor e malandragem são as qualidades do menino Lepe de Tomás Sampaio.

Porém, ao mesmo tempo em que a história se aproxima do telespectador infantil, a estética do maravilhoso cria um distanciamento com relação à cena quotidiana brasileira tal qual ela se apresenta hoje.

É que nos tempos atuais de violência, intolerância e radicalismos, em que o Brasil escancara suas feridas sociais, as não tão remotas mazelas do coronelismo se fazem mais amenas na evocação, remetendo à irrealidade do universo do faz-de-conta. Pensado sob esse aspecto, a roupagem de conto de fadas se revela profundamente irônica. Devidamente confeitadas em azul e rosa, as pílulas amargas da história do país são aceitas com maior facilidade.

Nos dias que correm, as doces lições de cidadania e direitos humanos do mestre Benedito Rui Barbosa são particularmente bem-vindas. Oxalá, o seu efeito seja plural e duradouro.  Que as pessoas de boa vontade do reino de Santa Fé despertem em crianças e adultos o gosto pela instrução, pelo saber que alarga horizontes tornando-se a base indispensável para as demais conquistas pessoais e sociais.
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Daniela Mercedes Kahn é doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP. É autora de A via crucis do outro: identidade e alteridade em Clarice Lispector, tradutora, redatora e revisora de textos. Atualmente faz o pós-doutorado sobre a representação das mudanças sociais no teatro alemão da época de Goethe na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. 

sábado, 28 de junho de 2014

Simplicidade

Mais uma vez, este senhor JOSE MUJICA, Presidente do Uruguai.  Tem todo respeito e admiração de minha parte.



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sexta-feira, 27 de junho de 2014

Cultura no Conforto


Na sua próxima viagem pela Turquia não se assuste se os bancos das praças tiverem o formato de livros. 
Como forma de incentivar e promover a leitura, a prefeitura de Istambul instalou 18 bancos em praças públicas da cidade com a forma e conteúdo de grandes obras da literatura local.





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Fonte: Página 'Geração Editorial'

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Poesia em Foco - Fotos João Saboia

Resende em Junho
Foto: JOÃO SABOIA



POR TODA PARTE O RIO
Astrid Cabral 

Por toda a parte o rio
solta serpente a rojar-se
na paisagem da planície
cobra domada à força por
barrancas e algemas de pontes
ou cativo fragmento no pote
na palma côncava do púcaro
no copo translúcido e mínimo
leite a pojar o seio das cuias.
Em águas batismais comungo
e mergulho o arcaico corpo de
remotíssimo passado anfíbio
nós todos tão sáurios tão
irmãos de peixes e quelônios
e espelho o rosto em fuga por
águas igualmente fugitivas
e comigo vai o rio rente rindo
roendo ruindo riando submim
num subsolo de sonhos.


Andorinhas em Resende
Foto: JOÃO SABOIA

quarta-feira, 25 de junho de 2014

J.G.de ARAÚJO JORGE - Paradoxo

Paradoxo

A dor que abate, e punge, e nos tortura,
que julgamos às vezes não ter cura
e o destino nos deu e nos impôs,
é pequenina, é bem menor, e até
já não é dor talvez, dor já não é
dividida por dois.

A alegria que às vezes num segundo
nos dá desejos de abraçar o mundo,
e nos põe tristes, sem querer, depois,
aumenta, cresce, e bem maior se faz,
já não é alegria, é muito mais
dividida por dois.

Estranha essa aritmética da vida,
nem parece ciência, parece arte;
compreendo a dor menor, se dividida,
não entendo é aumentar nossa alegria
                                      se essa mesma alegria se reparte.                                         

(J.G. de Araújo Jorge in: Festa de Imagens – 1948)


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segunda-feira, 23 de junho de 2014

HONRADEZ POLÍTICA

Jose Mujica - Presidente do Uruguai


Definición de honorabilidad política: El Presidente de Uruguay espera su turno en un Hospital Público de su país.

(Definição de honradez política: O Presidente do Uruguai, JOSE MUJICA, aguarda sua vez em Hospital Público de seu país)

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domingo, 22 de junho de 2014

Afinidade

Arte:  Edward Hopper
"Não tenho jeito pra esse negócio de amor. Acho lindo, acho lindo nas canções... 
Mas na verdade, assim, no tempo duro de um dia depois do outro, o amor toca desafinado para mim, obrigatório, repetido, música com refrão meloso.

Sou dessa gente que precisa ser só, mesmo em comunidade, como unidade.

O sol que bate agora reacende aqui dentro uma saudade dolorida do que já foi e do que sequer aconteceu. Minha cidade perdida, minha casa na infância...

Essa saudade, para mim, é o que mais se parece com o que tanta gente chama de amor. 
É só o que eu tenho, moça. E é tão pouquinho que mal dá pra mim.

É um foguinho de palha que eu tento — ah, como eu tento! — alimentar e espalhar e incendiar o quarteirão. Mas não dá, minha amiga. Não dá.

Meu amor anda pequeno.

É uma saudadinha que dói mansa, um fio de água, um cheiro distante, um raio morno de luz patética quase apagando. É muito pouco. 

Preciso ir adiante, abrir o portão e liberar os cachorros que vivem cá dentro de mim. Se os deixo por aqui, trancados em casa, uma hora eles terão destruído tudo. 
Preciso conduzi-los à rua, deixá-los mijar nos postes, tombar as latas, rasgar os sacos, revirar o lixo alheio.
E para isso eu tenho de ser só."

ANDRÉ J. GOMES - In  'Revista Bula' 22 de junho 2014


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quarta-feira, 18 de junho de 2014

ARIANO SUASSUNA na TV

Ariano Suassuna
João Pessoa, 16 de junho de 1927
dramaturgo, escritor e poeta
segundo ele mesmo, "paraibano de Nascimento, adotado por Pernambuco"



O que conto hoje é apenas para que não me esqueça de como passo parte do meu tempo aqui em casa, nos dias de semana, não tendo muito o que fazer 'de concreto', segundo alguns...

Ontem vi, no canal TV Senado, parte de uma palestra de Ariano Suassuna ("A pedra do reino", "O auto da compadecida" e tantas outras maravilhas).
Quando liguei a TV já havia começado, por isso não sei quando aconteceu. Imagino que tenha sido no ano passado, porque às tantas ele diz estar com 86 anos; ele nasceu em 1927, então...
Uma verdadeira aula de bom humor, graça e agilidade mental.

Muitas pessoas gostam de me alfinetar sobre as preferências políticas de figuras que admiro como este Suassuna, Chico Buarque, Érico Veríssimo e outras...
Pois bem, penso ser isto - as alfinetadas - fruto de pobreza de espírito. Um artista não perde seu talento nem tem sua arte diminuída por seu direcionamento político.

Em sua apresentação, Suassuna diz:
"Não, eu não sou um homem para atuar na política; meu trabalho é outro, embora exponha, sim, nos livros, o que penso politicamente. Tenho o maior respeito pela política séria. Política é a arte do bem comum, não é assim?"

O tema de sua palestra era A Filosofia da Arte e fiquei comovida com o que disse sobre vocação:
"Eu não seria um bom político porque não é o que sei fazer; eu gosto de escrever, de levar aos outros as minhas histórias - que, aliás, não são minhas, eu fiz pouco, são histórias do povo simples da minha terra. Eu apenas as recolho e ordeno. 
Eu sou, assim, um professor. Me perdoem a vaidade, mas um bom professor de Filosofia da Arte. Quando lecionava eu gostava dos meus alunos e eles gostavam de mim." 

Ele não alega competência, empenho acadêmico, nada disso. Ele fala em "gostar' das pessoas e ser amado por elas. O mais é consequência.

Sobre sua arte diz:
"Desde menino, eu tenho dois encantamentos: um é a leitura; eu não tenho o hábito da leitura, eu tenho a paixão da leitura; o outro é o circo. Sim, quando ouvia o grito "O circo chegou!', eu sabia que o mundo ficava melhor. E no circo, eu gostava do Palhaço e do Mágico.
Cheguei a criar um circo e viajei o interior desse Brasil.  O 'Circo da Onça Malhada'. Onça malhada é o povo brasileiro, bonito e todo misturado."

São muitas as histórias ilustrativas que ele vai narrando mas em momento algum se perde do objetivo, pontuando sempre com as máximas dos grandes teóricos.

Falando da alegria e do bom humor, diz que o povo brasileiro é bom, alegre e gosta de rir de tudo, até de si mesmo.
Cita Molière: "Não existe tirania que resista a gargalhadas que lhe deem três voltas em torno."
 e explica: "É por isso que os tiranos temem os autores cômicos"

O que deseja explicar seriamente vem sempre com a graça da piada consigo mesmo: "Eu sou um pouco  - um pouco, não - atrapalhado com essas coisas eletrônicas. Parecem assombradas."

Sobre o seu material artístico, enaltece todo o tempo a Língua Portuguesa, brincando com os outros idiomas - demonstrando que os conhece.
"Se eu nascesse na Alemanha eu era mudo; aquela língua eu não aprendia não. Língua feia da peste!"

"O Inglês... o inglês nos confunde. Vocês vejam: (levanta um copo que está na mesa) o que é isto? Você pergunte ao mais humilde trabalhador, sem instrução  e ele vai dizer que é um copo; todo mundo sabe. Já em Inglês é 'glass'... isto tem cara de 'glass'? Não, tem cara de copo! Mas, em Inglês, é também vidro. Ora veja, nós temos duas palavras para definir coisas diferentes, eles têm uma só! Isto aqui é um glass de glass. (risada geral da plateia)


"A Língua Portuguesa é a mais sonora e musical"

Conta que certa vez, com uma palestra marcada em uma escola, ao chegar viu uma faixa que anunciava sua "aula-show" . Imediatamente corrigiu: "Eu não dou aula-show, eu dou aula-espetáculo. Na minha terra, 'xou' é interjeição pra espantar galinha."

Daí ele parte para considerações sobre a classificação como Arte, a escrita, o emprego das palavras e esse modismo de achar-se qualquer coisa 'genial'.  "Ora, se eu gasto esse adjetivo com o guitarrista dessa banda, o que vou usar para falar de Beethoven?"

Sempre voltando ao tema, conta a história de dois homens num barco: um totalmente cego e outro com um olho bom, para explicar Aristóteles:


"O cômico é uma desarmonia de pequenas proporções e sem consequências dolorosas."


E faz, ele mesmo, a crítica à historinha que, de algum modo, contraria a máxima, quando o cego total perde um remo e num equívoco de interpretação da exclamação "Pronto!" termina por cegar completamente o outro que tinha um olho bom. Evidentemente não se trata, nesse caso,de 'desarmonia' apenas nem de 'pequenas proporções' e muito menos 'sem consequências dolorosas'. Imagine...
Então ele diz que a comicidade tem o elemento surpresa. A quebra da expectativa.  Muuuito legal!

Diverte ainda mais quando diz que gosta muito de três tipos: o mentiroso, o doido e o palhaço. Ao falar da mentira, explica, em versos:
"Há uma mentira com asas
e uma com chifre e rabo.
Há a mentira de Deus
e a mentira do Diabo."

Sem conotação religiosa, a mentira 'boa' que, de modo geral, o brasileiro se vale para sair de alguns 'apertos sociais'.  Algumas historinhas bem verdadeiras...

Ele fala também na teoria de Bergson e o tombo, ou queda. Por que é engraçado ver alguém cair? E ainda no uso indiscriminado do palavrão nos espetáculos humorísticos (em outro post - "As hienas vão ao teatro" -  lembro que comentei isso).

"O cômico é a superposição do mecânico ao vivo" (Henri Bergson)

E ilustra com a historinha dos trigêmeos: Se eu estou aqui e, de repente, entrasse um gêmeo, vocês achariam interessante; se depois ainda entrasse um terceiro "eu", vocês ririam. Pareceria que eu fui feito em série..."

E com a questão do tique nervoso, ação repetida e involuntária (o mecânico) que, muitas vezes, provoca o riso também.

Em seguida, ele comentou, seriamente, o acontecimento 'Guerra de Canudos' e disse que quem não entende Canudos não entende o Brasil.

Terminou brilhantemente dizendo que o povo brasileiro não pode ser tratado como cachorro do qual se diz que 'adora' um osso.
"Pois sim... experimente dar a ele (o cachorro) dois pratos: um com osso e outro com filé. Qual ele escolherá?
Pois bem, estão dando ao povo - principalmente aos jovens - apenas o osso. 
Eu tento trazer o filé."
.......
Pode parecer bobagem, mas fiquei muito emocionada com essa aula maravilhosa.

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terça-feira, 17 de junho de 2014

Palavras - o Sakamoto que eu gosto...


Leonardo Sakamoto -  in: blog do Sakamoto - UOL - 17 de junho 2014

(...)
Palavras têm significados. Eles não são estanques, variam de acordo com o tempo e a sociedade em que elas estão inseridas.
Somos moldados por elas, mas também as moldamos. E significados podem ser impostos ou construídos coletivamente, atendendo a um indivíduo, um grupo ou a toda a coletividade.

Respeitar o significado das palavras é importante. Da mesma forma que o contexto em que foram ditas e a forma com a qual foram proferidas.
Gritar “Você é um idiota'' é diferente de, durante um cafuné no colo da amada, ouvir de forma doce através de um sorriso um “Você é um idiota''.

Ao mesmo tempo, por conta das facilidades trazidas pelas tecnologia, palavras nunca foram tão escritas e nunca foram tão longe.

Dito todos esses blablablás, fica a dica: se não souber o significado de uma palavra, consulte.
Não use-a achando que sabe o que ela significa só porque seu amigo usou também.
Apesar de ser uma prática em desuso, consulte o dicionário. Tem um monte online.
(...)

A vida não está nos dicionários. Mas referências são úteis para possibilitar que nos comuniquemos de forma clara.

Da mesma forma, palavras machucam. Pelo menos é o que me dizem. Não costumo passar por isso porque tenho sangue de barata nas veias, mas o uso indiscriminado de certos termos chulos ou violentos na internet agridem mais do que você pode imaginar.

“Ah, mas por que tanto drama? Não foi isso que eu quis dizer.'' Intenções pouco importam, o que vale é o que, de fato, você disse.

Como na internet não dá para ver que você gostaria de colocar a cabeça do outro no colo e falar de forma doce e sorridente que ele é um idiota, o que será entendido é que você chamou o outro de idiota.
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Leonardo Sakamoto 
Jornalista e doutor em Ciência Política.
Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão.
Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

sábado, 14 de junho de 2014

"Não basta vestir a camisa..."

NÃO BASTA APENAS VESTIR A CAMISA
Mariana Kalil - blog "Por Aí"

Acabo de chegar da casa do pai e da mãe. Muitos e muitos amigos se reuniram pra ver o jogo do Brasil x Croácia e, claro, o convite foi estendido a mim e ao animal.
Mas, fazia alguns dias, não desfrutávamos da companhia de mama e baba e nada poderia vir mais a calhar do que uma quinta-feira livre às 5 h da tarde para comer pipoca na companhia de quem mais nos quer bem.
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CARINHO DE PAIS
Confesso que nunca fui e continuo não sendo uma entusiasta de Copa do Mundo. Nem na China e muito menos no Brasil.
Não acho que estaríamos menos mobilizados se essa Copa fosse do outro lado do mundo.
A paralização do país seria a mesma, como sempre foi.
Sim, esse dinheiro que foi gasto para concretizar a Copa poderia ter sido gasto em hospitais e escolas padrão Fifa.
Mas tenho certeza que, não existindo a Copa no Brasil, jamais saberíamos que existia a cor desse dinheiro. Ou seja: com Copa ou sem Copa não veríamos escolas e hospitais padrão Fifa.
Hoje, vemos estádios. Sem Copa aqui, nem isso veríamos.

ELA É BASTANTE CÉTICA
Eu não sou cética. Sou realista e compartilho da opinião do ex-ministro Rubens Ricupero de que vivemos em um país de corrupção endêmica.
Eu não acredito que um dia o Brasil se tornará um exemplo de país desenvolvido e honesto. Estamos fadados a ser um país de terceiro mundo e subdesenvolvido e lamento demais por isso. Mas, enfim, falo do fundo do coração.
Não temos educação suficiente para oferecer aos cidadãos a noção de cidadania e aí é que a coisa já começa toda torta.

BASTANTE TORTA
Eu fui assistir ao jogo hoje mais pela vontade de estar entre pai e mãe comendo pipoca do que pelo jogo em si.
Mas então a Seleção entrou em campo. E então, tocou o hino. E então o hino foi suspenso e a torcida e os jogadores seguiram cantando. E então eu vi David Luis, Julio Cesar, Tiago Silva e minha mãe com os olhos cheios de lágrimas.
E então eu fiquei fula da vida quando a TV mostrou a presidente Dilma no palanque vestida de verde.
E estão eu pensei comigo: “Está vendo? Está vendo? Está vendo que lindo esse povo? Está vendo que lindo esse povo e que carinho e amor ele tem pelo seu país? E é justo a falta de segurança que vivemos, a falta de saúde, educação, mobilidade urbana, segurança?”
Não, não é justo.
Se culpei a presidente Dilma? Não, não culpei.
Culpei, sim, a cada um de nós, que não recorda em quem votou para deputado, vereador, senador e, quiçá, presidente.

Ahhhhhhh!!A CULPA É NOSSA, MARIANA?
Em termos.
Não somos culpados, obviamente, pela falta de ética e honestidade dos políticos.
Mas somos culpados, sim, de não nos engajarmos e levarmos tão a sério uma eleição como levamos uma Copa do Mundo.
A escalação das pessoas que vão decidir nossas vidas começa em outubro e essas pessoas vão decidir nossas vidas pelos próximos 4 anos.
Gostaria que esse engajamento fosse pelo menos semelhante à torcida que faremos pela Seleção em apenas 7 jogos.
Fora isso, meu vinho está ótimo.

LOVE U, PULENTA
De resto, era isso.
Queria desabafar o que passa na minha cabeça e no meu coração.
Queria ter mais orgulho do que tenho de ser brasileira.
Queria que esse otimismo ao ver Neymar batendo um pênalti não terminasse com o fim da Copa do Mundo.
Queria que o Brasil acreditasse que podemos ser mais e melhor e que o início dessa transformação em mais e melhor começa nas urnas e na cobrança de cada um sobre aquele líder em quem votou.

Sempre lembro de uma provocação de um grande amigo, Leonardo Lamachia, advogado. Falávamos de política e tal e ele largou.
- Quem aqui nesta sala lembra em quem votou para deputado estadual, federal e senador?
A sala ficou em silêncio – e, então, alguém respondeu.
- Acho que ninguém lembra. Tu lembra, Lamachia?
E ele:
- Não só lembro, como tenho o email de cada um e cobro as promessas de campanha toda a semana.

Aquilo pra mim fez todo o sentido: cidadania. Isso é cidadania.
Cantar o hino nacional em um estádio, fantasiado de verde e amarelo não é cidadania.
Cidadania é o que seremos capazes de fazer e cobrar quando a Copa acabar.

neymar-0a

quinta-feira, 12 de junho de 2014

O Amor é o tema...

 
(...)
Pintaram os antigos ao amor menino, e a razão, dizia eu o ano passado que era porque nenhum amor dura tanto que chegue a ser velho.
(...)
Pois se há também amor que dure muitos anos, por que no-lo pintam os sábios sempre menino? Desta vez cuido que hei de acertar a causa.

Pinta-se o amor sempre menino, porque, ainda que passe dos sete anos, como o de Jacó, nunca chega à idade de uso de razão.
Usar de razão e amar, são duas coisas que não se ajuntam.
A alma de um menino que vem a ser? Uma vontade com afetos, e um entendimento sem uso.
Tal é o amor vulgar.

Tudo conquista o amor quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético.

O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor.
Nunca o fogo abrasou a vontade que o fumo não cegasse o entendimento.
Nunca houve enfermidade no coração que não houvesse fraqueza no juízo.
Por isso os mesmos pintores do amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem que isto, que vulgarmente se chama amor; tem mais partes de ignorância; e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor.

Quem ama porque conhece, é amante; quem ama porque ignora, é néscio.
Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento.
Quem ignorando ofendeu, em rigor não é delinquente.
Quem ignorando amou, em rigor não é amante.


PADRE ANTÔNIO VIEIRA
Trecho do  SERMÃO DO MANDATO - Pregado na Capela Real em 1645

**


Sete anos de pastor Jaco servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: — Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!

Luís Vaz de CAMÕES

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quarta-feira, 11 de junho de 2014

Natureza divina...

A espécie de planta Habenaria radiata é conhecida por ter suas flores com formato de "pombinha da paz".
Publicada no facebook em 11 de junho 2014.


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segunda-feira, 2 de junho de 2014

Sucessos musicais... kkkk!!


MIB  (Música Imbecil Brasileira)
Rafael Teodoro - advogado, crítico de música e literatura
"Revista Bula" 

"(...) Sertanejo que é sertanejo universitário evita a prolixidade; é sucinto, direto, objetivo.
Sua linguagem despreza floreios verbais, construções frasais longas, vocábulos de difícil entendimento.

Dado o portento de seu talento poético, ele acentua a desnecessidade do vocabulário complexo, adepto que é da lógica do “dizer muito com muito pouco” ou do “falar fácil é que é difícil”.

Conhecedor profundo da fonologia da gramática da língua portuguesa, ele lança mão do rico alfabeto fonético do idioma românico-galego e, conjugando-o com seu ideal filosófico de concisão e com as técnicas redacionais modernas que enaltecem o “texto enxuto”, passa a compor valorizando a mínima emissão de voz na entonação dos seus versos, economizando em palavras o que pode expressar, em seu entender, perfeitamente com vocábulos monossílabos.

É daí que nasce a tendência manifesta das composições do estilo em priorizar a vocalização de uma única sílaba.
Exemplificativamente, temos: “Eu quero tchu, eu quero tcha”, de João Lucas e Marcelo: “Eu quero tchu, eu quero tchã. Eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tchã. Tchu tcha tcha tchu tchu tchã”.

“Eu quero tchu, eu quero tcha” é, sem dúvida, um dos mais formidáveis exemplos de como se pode economizar palavras, de como se pode fundir o dígrafo consonantal “ch” com o “t” e uma vogal (“a” ou “u”) e criar um hit nacional.
O significado poético-filosófico do “tchu” e do “tcha” na composição também merece registro: o eu lírico cria um jogo de contrastes, antitético como as leis da dialética, onde o “tchu” só existe para o “tcha”, de modo que não pode haver “tcha” sem “tchu” nem “tchu” sem “tcha”.
Daí o porquê de invocar-se as expressões alternadamente, silabando-as na velocidade da luz: “Tchu tcha tcha tchu tchu tchã”.

Na mesma linha vem a composição “Tchá tchá tchá”, cantada por Thaeme e Thiago: “Ai que vontade, ai que vontade que me dá. De te colocar no colo e fazer o tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. De beijar na sua boca fazer o tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. De beijar na sua boca e fazer o tchá tchá tchã”.

Outro exemplo notável do uso de monossílabos é observável em “Lê lê lê”, de João Neto e Fre­derico. Vejamos: “Sou simples. Mas eu te garanto. Eu sei fazer o Lê lê lê. Lê lê lê. Lê lê lê. Se eu te pegar você vai ver. Lê lê lê. Lê lê lê”.

Mais uma vez temos o eu lírico usando de monossílabos, economizando em palavras, porque riqueza vocabular tornou-se algo desprezível.
Sendo possível conotar com um mero “lê”, por que falar mais? O “lê, lê, lê”, no entanto, guarda uma mensagem subliminar perigosa: se tomado isoladamente na segunda pessoa do imperativo afirmativo, pode vir a constituir-se em ordem para leitura.

Nada mais distante do que pretende o compositor e a “filosofia de vida” que a­nima o sertanejo que frequenta a universidade. Logo, é preciso apreender o “lê lê lê” de maneira contextualizada, ou seja, como registro onomatopaico que emula o sentimento de auto compensação libidinosa do eu lírico diante da vergonha que é, numa sociedade de consumo, ter uma condição financeira oprobriosa.
(...)

É o estereótipo desejável da sociedade globalizada por relações líquidas sob o elo do idioma da velocidade: no falar, no vestir, no relacionar-se, tudo que se refere ao gênero humano passa numa piscadela.
Na música, não é diferente. Predomina o sertanejo universitário como o modelo supremo da juventude irresponsável, mediocrizada, de baixíssimo nível cultural.

As composições são cunhadas no esteio da pobreza vocabular de quem as escreve, mas também de quem as canta — em ambos os casos denunciando a mais absoluta falta de leitura.
É um autêntico movimento circular, no qual aquele que nada tem a oferecer intelectualmente alimenta com sua arte quem já se encontra morrendo de inanição cerebral.

Por essas razões é que me sinto autorizado a declarar que, depois da hecatombe cerebral que a' axé mu­sic' proporcionou na década de 1990, contribuindo decisivamente na deseducação do povo brasileiro com seus versos de “balançando a bundinha” e “boquinha da garrafa”, o sertanejo universitário, gestado pela indústria fonográfica em crise, desponta como o meio mais fácil de lucrar em cima do desejo hedonístico, cotidianamente instigado pelos meios de comunicação, que impele o jovem a aproveitar a vida a qualquer preço, de qualquer maneira, custe o que custar — incluindo o próprio senso do ridículo daqueles aos quais falta massa encefálica para perceber o quão patético é idolatrar “artistas” incapazes de compor com vocábulos polissílabos.
É quando aos olhos de uma garota, na balada, torna-se “bonito” ser um completo idiota.

Com o sertanejo universitário, a MIB entrou definitivamente na “era da imbecilidade monossilábica”.
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