segunda-feira, 2 de junho de 2014

Sucessos musicais... kkkk!!


MIB  (Música Imbecil Brasileira)
Rafael Teodoro - advogado, crítico de música e literatura
"Revista Bula" 

"(...) Sertanejo que é sertanejo universitário evita a prolixidade; é sucinto, direto, objetivo.
Sua linguagem despreza floreios verbais, construções frasais longas, vocábulos de difícil entendimento.

Dado o portento de seu talento poético, ele acentua a desnecessidade do vocabulário complexo, adepto que é da lógica do “dizer muito com muito pouco” ou do “falar fácil é que é difícil”.

Conhecedor profundo da fonologia da gramática da língua portuguesa, ele lança mão do rico alfabeto fonético do idioma românico-galego e, conjugando-o com seu ideal filosófico de concisão e com as técnicas redacionais modernas que enaltecem o “texto enxuto”, passa a compor valorizando a mínima emissão de voz na entonação dos seus versos, economizando em palavras o que pode expressar, em seu entender, perfeitamente com vocábulos monossílabos.

É daí que nasce a tendência manifesta das composições do estilo em priorizar a vocalização de uma única sílaba.
Exemplificativamente, temos: “Eu quero tchu, eu quero tcha”, de João Lucas e Marcelo: “Eu quero tchu, eu quero tchã. Eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tchã. Tchu tcha tcha tchu tchu tchã”.

“Eu quero tchu, eu quero tcha” é, sem dúvida, um dos mais formidáveis exemplos de como se pode economizar palavras, de como se pode fundir o dígrafo consonantal “ch” com o “t” e uma vogal (“a” ou “u”) e criar um hit nacional.
O significado poético-filosófico do “tchu” e do “tcha” na composição também merece registro: o eu lírico cria um jogo de contrastes, antitético como as leis da dialética, onde o “tchu” só existe para o “tcha”, de modo que não pode haver “tcha” sem “tchu” nem “tchu” sem “tcha”.
Daí o porquê de invocar-se as expressões alternadamente, silabando-as na velocidade da luz: “Tchu tcha tcha tchu tchu tchã”.

Na mesma linha vem a composição “Tchá tchá tchá”, cantada por Thaeme e Thiago: “Ai que vontade, ai que vontade que me dá. De te colocar no colo e fazer o tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. De beijar na sua boca fazer o tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchã. De beijar na sua boca e fazer o tchá tchá tchã”.

Outro exemplo notável do uso de monossílabos é observável em “Lê lê lê”, de João Neto e Fre­derico. Vejamos: “Sou simples. Mas eu te garanto. Eu sei fazer o Lê lê lê. Lê lê lê. Lê lê lê. Se eu te pegar você vai ver. Lê lê lê. Lê lê lê”.

Mais uma vez temos o eu lírico usando de monossílabos, economizando em palavras, porque riqueza vocabular tornou-se algo desprezível.
Sendo possível conotar com um mero “lê”, por que falar mais? O “lê, lê, lê”, no entanto, guarda uma mensagem subliminar perigosa: se tomado isoladamente na segunda pessoa do imperativo afirmativo, pode vir a constituir-se em ordem para leitura.

Nada mais distante do que pretende o compositor e a “filosofia de vida” que a­nima o sertanejo que frequenta a universidade. Logo, é preciso apreender o “lê lê lê” de maneira contextualizada, ou seja, como registro onomatopaico que emula o sentimento de auto compensação libidinosa do eu lírico diante da vergonha que é, numa sociedade de consumo, ter uma condição financeira oprobriosa.
(...)

É o estereótipo desejável da sociedade globalizada por relações líquidas sob o elo do idioma da velocidade: no falar, no vestir, no relacionar-se, tudo que se refere ao gênero humano passa numa piscadela.
Na música, não é diferente. Predomina o sertanejo universitário como o modelo supremo da juventude irresponsável, mediocrizada, de baixíssimo nível cultural.

As composições são cunhadas no esteio da pobreza vocabular de quem as escreve, mas também de quem as canta — em ambos os casos denunciando a mais absoluta falta de leitura.
É um autêntico movimento circular, no qual aquele que nada tem a oferecer intelectualmente alimenta com sua arte quem já se encontra morrendo de inanição cerebral.

Por essas razões é que me sinto autorizado a declarar que, depois da hecatombe cerebral que a' axé mu­sic' proporcionou na década de 1990, contribuindo decisivamente na deseducação do povo brasileiro com seus versos de “balançando a bundinha” e “boquinha da garrafa”, o sertanejo universitário, gestado pela indústria fonográfica em crise, desponta como o meio mais fácil de lucrar em cima do desejo hedonístico, cotidianamente instigado pelos meios de comunicação, que impele o jovem a aproveitar a vida a qualquer preço, de qualquer maneira, custe o que custar — incluindo o próprio senso do ridículo daqueles aos quais falta massa encefálica para perceber o quão patético é idolatrar “artistas” incapazes de compor com vocábulos polissílabos.
É quando aos olhos de uma garota, na balada, torna-se “bonito” ser um completo idiota.

Com o sertanejo universitário, a MIB entrou definitivamente na “era da imbecilidade monossilábica”.
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