Pintaram os antigos ao amor menino, e a razão, dizia eu o ano passado que era porque nenhum amor dura tanto que chegue a ser velho.
(...)
Pois se há também amor que dure muitos anos, por que no-lo pintam os sábios sempre menino? Desta vez cuido que hei de acertar a causa.
Pinta-se o amor sempre menino, porque, ainda que passe dos sete anos, como o de Jacó, nunca chega à idade de uso de razão.
Usar de razão e amar, são duas coisas que não se ajuntam.
A alma de um menino que vem a ser? Uma vontade com afetos, e um entendimento sem uso.
Tal é o amor vulgar.
Tudo conquista o amor quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético.
O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor.
Nunca o fogo abrasou a vontade que o fumo não cegasse o entendimento.
Nunca houve enfermidade no coração que não houvesse fraqueza no juízo.
Por isso os mesmos pintores do amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem que isto, que vulgarmente se chama amor; tem mais partes de ignorância; e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor.
Quem ama porque conhece, é amante; quem ama porque ignora, é néscio.
Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento.
Quem ignorando ofendeu, em rigor não é delinquente.
Quem ignorando amou, em rigor não é amante.
PADRE ANTÔNIO VIEIRA
Trecho do SERMÃO DO MANDATO - Pregado na Capela Real em 1645
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Sete anos de pastor Jaco servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: — Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!
Luís Vaz de CAMÕES
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