quarta-feira, 18 de junho de 2014

ARIANO SUASSUNA na TV

Ariano Suassuna
João Pessoa, 16 de junho de 1927
dramaturgo, escritor e poeta
segundo ele mesmo, "paraibano de Nascimento, adotado por Pernambuco"



O que conto hoje é apenas para que não me esqueça de como passo parte do meu tempo aqui em casa, nos dias de semana, não tendo muito o que fazer 'de concreto', segundo alguns...

Ontem vi, no canal TV Senado, parte de uma palestra de Ariano Suassuna ("A pedra do reino", "O auto da compadecida" e tantas outras maravilhas).
Quando liguei a TV já havia começado, por isso não sei quando aconteceu. Imagino que tenha sido no ano passado, porque às tantas ele diz estar com 86 anos; ele nasceu em 1927, então...
Uma verdadeira aula de bom humor, graça e agilidade mental.

Muitas pessoas gostam de me alfinetar sobre as preferências políticas de figuras que admiro como este Suassuna, Chico Buarque, Érico Veríssimo e outras...
Pois bem, penso ser isto - as alfinetadas - fruto de pobreza de espírito. Um artista não perde seu talento nem tem sua arte diminuída por seu direcionamento político.

Em sua apresentação, Suassuna diz:
"Não, eu não sou um homem para atuar na política; meu trabalho é outro, embora exponha, sim, nos livros, o que penso politicamente. Tenho o maior respeito pela política séria. Política é a arte do bem comum, não é assim?"

O tema de sua palestra era A Filosofia da Arte e fiquei comovida com o que disse sobre vocação:
"Eu não seria um bom político porque não é o que sei fazer; eu gosto de escrever, de levar aos outros as minhas histórias - que, aliás, não são minhas, eu fiz pouco, são histórias do povo simples da minha terra. Eu apenas as recolho e ordeno. 
Eu sou, assim, um professor. Me perdoem a vaidade, mas um bom professor de Filosofia da Arte. Quando lecionava eu gostava dos meus alunos e eles gostavam de mim." 

Ele não alega competência, empenho acadêmico, nada disso. Ele fala em "gostar' das pessoas e ser amado por elas. O mais é consequência.

Sobre sua arte diz:
"Desde menino, eu tenho dois encantamentos: um é a leitura; eu não tenho o hábito da leitura, eu tenho a paixão da leitura; o outro é o circo. Sim, quando ouvia o grito "O circo chegou!', eu sabia que o mundo ficava melhor. E no circo, eu gostava do Palhaço e do Mágico.
Cheguei a criar um circo e viajei o interior desse Brasil.  O 'Circo da Onça Malhada'. Onça malhada é o povo brasileiro, bonito e todo misturado."

São muitas as histórias ilustrativas que ele vai narrando mas em momento algum se perde do objetivo, pontuando sempre com as máximas dos grandes teóricos.

Falando da alegria e do bom humor, diz que o povo brasileiro é bom, alegre e gosta de rir de tudo, até de si mesmo.
Cita Molière: "Não existe tirania que resista a gargalhadas que lhe deem três voltas em torno."
 e explica: "É por isso que os tiranos temem os autores cômicos"

O que deseja explicar seriamente vem sempre com a graça da piada consigo mesmo: "Eu sou um pouco  - um pouco, não - atrapalhado com essas coisas eletrônicas. Parecem assombradas."

Sobre o seu material artístico, enaltece todo o tempo a Língua Portuguesa, brincando com os outros idiomas - demonstrando que os conhece.
"Se eu nascesse na Alemanha eu era mudo; aquela língua eu não aprendia não. Língua feia da peste!"

"O Inglês... o inglês nos confunde. Vocês vejam: (levanta um copo que está na mesa) o que é isto? Você pergunte ao mais humilde trabalhador, sem instrução  e ele vai dizer que é um copo; todo mundo sabe. Já em Inglês é 'glass'... isto tem cara de 'glass'? Não, tem cara de copo! Mas, em Inglês, é também vidro. Ora veja, nós temos duas palavras para definir coisas diferentes, eles têm uma só! Isto aqui é um glass de glass. (risada geral da plateia)


"A Língua Portuguesa é a mais sonora e musical"

Conta que certa vez, com uma palestra marcada em uma escola, ao chegar viu uma faixa que anunciava sua "aula-show" . Imediatamente corrigiu: "Eu não dou aula-show, eu dou aula-espetáculo. Na minha terra, 'xou' é interjeição pra espantar galinha."

Daí ele parte para considerações sobre a classificação como Arte, a escrita, o emprego das palavras e esse modismo de achar-se qualquer coisa 'genial'.  "Ora, se eu gasto esse adjetivo com o guitarrista dessa banda, o que vou usar para falar de Beethoven?"

Sempre voltando ao tema, conta a história de dois homens num barco: um totalmente cego e outro com um olho bom, para explicar Aristóteles:


"O cômico é uma desarmonia de pequenas proporções e sem consequências dolorosas."


E faz, ele mesmo, a crítica à historinha que, de algum modo, contraria a máxima, quando o cego total perde um remo e num equívoco de interpretação da exclamação "Pronto!" termina por cegar completamente o outro que tinha um olho bom. Evidentemente não se trata, nesse caso,de 'desarmonia' apenas nem de 'pequenas proporções' e muito menos 'sem consequências dolorosas'. Imagine...
Então ele diz que a comicidade tem o elemento surpresa. A quebra da expectativa.  Muuuito legal!

Diverte ainda mais quando diz que gosta muito de três tipos: o mentiroso, o doido e o palhaço. Ao falar da mentira, explica, em versos:
"Há uma mentira com asas
e uma com chifre e rabo.
Há a mentira de Deus
e a mentira do Diabo."

Sem conotação religiosa, a mentira 'boa' que, de modo geral, o brasileiro se vale para sair de alguns 'apertos sociais'.  Algumas historinhas bem verdadeiras...

Ele fala também na teoria de Bergson e o tombo, ou queda. Por que é engraçado ver alguém cair? E ainda no uso indiscriminado do palavrão nos espetáculos humorísticos (em outro post - "As hienas vão ao teatro" -  lembro que comentei isso).

"O cômico é a superposição do mecânico ao vivo" (Henri Bergson)

E ilustra com a historinha dos trigêmeos: Se eu estou aqui e, de repente, entrasse um gêmeo, vocês achariam interessante; se depois ainda entrasse um terceiro "eu", vocês ririam. Pareceria que eu fui feito em série..."

E com a questão do tique nervoso, ação repetida e involuntária (o mecânico) que, muitas vezes, provoca o riso também.

Em seguida, ele comentou, seriamente, o acontecimento 'Guerra de Canudos' e disse que quem não entende Canudos não entende o Brasil.

Terminou brilhantemente dizendo que o povo brasileiro não pode ser tratado como cachorro do qual se diz que 'adora' um osso.
"Pois sim... experimente dar a ele (o cachorro) dois pratos: um com osso e outro com filé. Qual ele escolherá?
Pois bem, estão dando ao povo - principalmente aos jovens - apenas o osso. 
Eu tento trazer o filé."
.......
Pode parecer bobagem, mas fiquei muito emocionada com essa aula maravilhosa.

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