Arte: Edward Hopper |
Mas na verdade, assim, no tempo duro de um dia depois do outro, o amor toca desafinado para mim, obrigatório, repetido, música com refrão meloso.
Sou dessa gente que precisa ser só, mesmo em comunidade, como unidade.
O sol que bate agora reacende aqui dentro uma saudade dolorida do que já foi e do que sequer aconteceu. Minha cidade perdida, minha casa na infância...
Essa saudade, para mim, é o que mais se parece com o que tanta gente chama de amor.
É só o que eu tenho, moça. E é tão pouquinho que mal dá pra mim.
É um foguinho de palha que eu tento — ah, como eu tento! — alimentar e espalhar e incendiar o quarteirão. Mas não dá, minha amiga. Não dá.
Meu amor anda pequeno.
É uma saudadinha que dói mansa, um fio de água, um cheiro distante, um raio morno de luz patética quase apagando. É muito pouco.
Preciso ir adiante, abrir o portão e liberar os cachorros que vivem cá dentro de mim. Se os deixo por aqui, trancados em casa, uma hora eles terão destruído tudo.
Preciso conduzi-los à rua, deixá-los mijar nos postes, tombar as latas, rasgar os sacos, revirar o lixo alheio.
E para isso eu tenho de ser só."
ANDRÉ J. GOMES - In 'Revista Bula' 22 de junho 2014
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