Larguemos mão, minha gente. Pra que essa briga toda? Tanta contenda, peleja, quiproquó. Por que todo esse bate-boca? De que vale tanto argumento jogado fora? Pra que servem mesmo nossos raciocínios e reflexões a esta hora? Tem um tempo em que bom é deixar pra lá. Se não faz bem, mal também não vai fazer. Deixemos estar. Se não tem jeito, rejeite. Pense bem. Vencer a discussão, destroçar o adversário, arrancar-lhe as vísceras e jogar para o cachorro vai mesmo dar jeito no mundo? Você e eu aqui, entrincheirados, guerreando por razão, defendendo cada qual seu soberano ponto de vista, e os canalhas lá fora decidindo por nós. Vivendo nossa vida enquanto nos odiamos de morte. Não está certo, não. O que há de se fazer será feito na prática. Por nós ou por alguém. No duro, para além do bate-boca estéril e enfezado que nos leva a nada e nos rouba o tempo. Esse tempo que é tão raro, tão pouco. Tempo em que podíamos pensar novas saídas, outras possibilidades. Juntos, somados, unidos, multiplicando vontades, dividindo tarefas. Fazendo acontecer. Não assim, um contra o outro, inflamados, enfraquecidos. Cegos dessa sanha inútil de mudar a opinião alheia. A gente devia passar mais tempo sozinhos, sabe? Assim, uma hora e outra, trancar nossas coisas aqui dentro e pensar no sentido de tanta falação jogada fora. De tanto ganhar razão a qualquer custo, o fato é que a gente acaba perdendo o afeto. De tanto alongar pendenga inútil, a gente faz a vida mais curta do que ela já é. Tudo por uma verdade ilusória e boboca. Depois a gente se encontra, resolve o que se pode resolver e esquece o resto. Por ora, chega de peleja inútil. Se é para investir no que nada vale, que seja a conversa amiga sem utilidade definida, os inofensivos papos furados, a prosa à toa, as horas inocentes de fazer nada, os diálogos sem pretensão, em que ninguém precisa convencer ninguém de nada e cada lado passa a bola ao outro com cuidado, jogando pela vitória comum, a beleza do movimento, a saúde do corpo e da alma. Como no frescobol jogado em dia de praia e sol, céu aberto, gente passando pra lá e pra cá, gente de todos os tipos e cores, credos e origens caminhando sem medo, os pés na água e os olhos à frente, um jogador rebate a bola e a devolve delicada à raquete do colega. O outro acompanha e a retorna com capricho, empenhado no acerto. E os dois se deixam estar ali, artesãos inocentes e aplicados, passando a bola de um lado a outro, como quem costura com linha invisível uma rede de segurança que haverá de salvar o mundo em sua queda. Dois soldados gentis, cavalheiros seguros, avançando sua conversa pela noite e pela vida em total camaradagem dialogal. Quem sabe sejamos assim? Quem sabe possamos tentar? Eu digo “vem, pessoa amiga, entra que o feijão tá no fogo”. Você traz um vinho barato e nós bebemos com arroz, feijão e ovo, falando da vida sem medo, sem culpa. Sem pretender razão nenhuma. Alongando essa vida tão curta com esperança e jeito. Quem sabe um dia. Quem sabe.
(..) A política do país não é vida pessoal de ninguém, portanto está sujeita a deliberação coletiva. No popular: cada cabeça é uma sentença e só existe uma forma de coexistirmos cordialmente, tratando uns aos outros com EDUCAÇÃO E RESPEITO. Minha vida pessoal não é da sua conta, mas a vida política do Brasil é da nossa conta e se eu penso que estou certo e você pensa que está certo e nós dois somos pessoas inteligentes, éticas e sérias, quem está certo? Quem julgará? Tudo na política é uma questão de negociação e nossa negociação chama-se democracia. Por enquanto é a melhor via para a cidadania, o bem comum, a ordem jurídica e a paz pública. Destarte, não há outro caminho que não seja A DEMOCRACIA, O DIÁLOGO E A DIPLOMACIA. Você não irá impor seus interesses a mim e nem eu a você. Teremos que chegar a um denominador comum sobre os direitos negociáveis (públicos, é claro). O nome disso é eleição. Agora, considerando a qualidade intelectual e moral de nossos representantes políticos, como dizia Drummond “Chegou um tempo em que não adianta morrer” e segundo Manuel Bandeira “Nascer de novo também não adianta.”. Qual é a solução? A boa e velha ética, o bom-senso e a solidariedade que nunca tivemos. Mas sempre é tempo de mudar, melhorar e recomeçar dessa vez com mais inteligência, responsabilidade e por que não um pouco de bondade? Podemos? “Mas você tentou?” Dostoievski. É imprescindível cultivarmos o respeito às diferenças e transigir sempre. Afinal, “Deixa de ser nobre o que não é maleável.” Drummond. Quer me convencer? Aperfeiçoe seus argumentos. Não os tem? Cale-se. E nunca se esqueça da partícula elementar da Constituição (nossa lei suprema): O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
* * *
Resumindo: cuida da sua vida que eu cuido da minha e ambos cuidamos da nossa vida política brasileira. **
Não sei por que, estou com uma estranha sensação de palhaçada no ar... (mais uma).
O que os 'doutores políticos' e demais 'autoridades' estão fazendo com a população neste momento creio não haver precedentes 'neste país'.
Um joguinho sujo de vai não vai. Longe de parecer uma boa partida de xadrez (olha a esnobe aí) está mais para jogo de azar, com toda a carga negativa que esta palavra (azar) possa conter.
As estratégias de enganar, blefar, fazer o adversário suar de ansiedade são técnicas amplamente utilizadas também naquele outro joguinho popularíssimo: 'Truco!'
Vem, então, aquela sensação da vitória, para rcomeçar a disputa mais uma vez.
Como já disse inúmeras vezes, entendo pouco ou nada dessa mixórdia toda a que dão o nome de política, mas o sentimento de ser enganada, de fazer papel de trouxa persiste.
Lembro-me bem da votação no comediante Tiririca. Na época, eu, acusada de elitista, de esnobe e de ter 'preconceito intelectual' - não sei bem o que é isto - enfim, assim me consideram e eu até aceito, viu? Ainda que não concorde inteiramente.... O que eu disse foi que, pelo menos, se ele nada fizesse já estaria ajudando. E que o país elegia os que melhor combinavam com a nossa cara. Nossa!, o mundo quase caiu na minha cabeça.
Após o vexame da tal votação no Plenário da Câmara, li em algum lugar um conceito bem parecido com o que eu havia exposto.
O que ficou daquela vergonhosa votação (17 abril 2016), mesmo que o resultado tenha sido favorável aos anseios e necessidades da maioria na qual me incluo, é a certeza de que em razão do nível dos parlamentares, na Câmara dos Deputados tem muito mais palhaços do que imaginávamos.
Enfim, vou continuar estudando, lendo e quem sabe assim eu me garanta... (rsrsrs)
ao chamar impeachment de golpe, diz ministro Celso de Mello
Abril 20, 2016
A presidente Dilma Rousseff recebeu críticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal- STF nesta quarta-feira(20) por usar a viagem que fará aos Estados Unidos esta semana para defender que o processo de impeachment em curso é um golpe contra a democracia.
O ministro Celso de Mello, decano da Corte, disse que a presidente comete um “gravíssimo equívoco” ao fazer essa avaliação, pois o processo que pede o seu afastamento no Congresso está correndo dentro da normalidade jurídica. “Ainda que a senhora presidente da República veja, a partir de uma perspectiva eminentemente pessoal, a existência de um golpe, na verdade, há um grande e gravíssimo equívoco, porque o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal deixaram muito claro que o procedimento destinado a apurar a responsabilidade política da presidente da República respeitou, até o presente momento, todas as fórmulas estabelecidas na Constituição”, defendeu. O decano observa que Dilma tem o direito de viajar para o exterior mesmo após a Câmara decidir aceitar o pedido de impeachment porque ela ainda não foi afastada das suas funções na Presidência. Ele, no entanto, voltou a criticar o tom do discurso que poderá ser adotado pela petista. “Eu diria que é no mínimo estranho esse comportamento ainda que a presidente possa, em sua defesa, alegar aquilo que lhe aprouver. A questão é saber se ela tem razão“, disse. Um dos maiores críticos ao governo no STF, o ministro Gilmar Mendes também ironizou a possibilidade de Dilma fazer um discurso em Nova York nesse sentido. “Eu não sou assessor da presidente e não posso aconselhá-la, mas todos nós que temos acompanhado esse complexo procedimento no Brasil podemos avaliar que se trata de procedimentos absolutamente normais, dentro do quadro de institucionalidade“, disse. Os dois ministros, porém, evitaram comentar sobre a situação do maior algoz de Dilma, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), responsável por conduzir o processo na Casa. Celso de Mello defendeu que o Supremo não está demorando para julgar o pedido, feito em dezembro pela Procuradoria-Geral da República, de afastamento do presidente da Câmara do cargo. “Não há atraso, há estrita observância ao que estabelece a lei”, disse. Os dois ministros, no entanto, admitiram que o STF poderá discutir se Cunha poderá ou não assumir a Presidência, em caso de impeachment de Dilma, já que ele será o segundo na linha sucessória após o vice-presidente, Michel Temer. O peemedebista já é réu num processo do Supremo e há um artigo na Constituição que impede alguém denunciado de ocupar o cargo. ** Informações: "Isto É" Da página 'mudancadeparadigmas.com'
Josias de Souza - 20/04/2016, 16:05 – Blog do Josias
Ao adiar o julgamento sobre a legalidade da nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil, o Supremo Tribunal Federal adicionou humilhação ao drama do cacique do PT. Na prática, Lula foi, por assim dizer, aprisionado na condição de ministro-chefe do quarto de hotel. Permanecerá como articulador das trevas por tempo indeterminado. Dilma estava esperançosa de ter o criador, finalmente, despachando no gabinete do andar de cima. Mas, por mal dos pecados, o STF sinalizou que a esperança às vezes é a última que mata. Enviado à UTI pelo voto dos 367 deputados que deflagraram o processo de impeachment, o governo pode morrer antes que Lula tenha a oportunidade de assumir a Casa Civil. Num dos grampos telefônicos que o juiz Sérgio Moro jogou no ventilador do PT, Lula disse para Dilma: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado. […] Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido. Não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar. Sinceramente, eu tô assustado com a República de Curitiba.” Hoje, a covardia do Supremo estica o calvário, o Parlamento acovardado administra o funeral, o fodido presidente da Câmara toca a marcha fúnebre, o comandante fodido do Senado cava a sepultura e “os parlamentares ameaçados” na Lava Jato levam as mãos à última pá de cal. Se quisesse, Lula poderia abandonar facilmente a condição de articulador aprisionado. Bastaria que renunciasse ao cargo que a liminar do ministro Gilmar Mendes o impediu de assumir. Nessa hipótese, porém, ele voltaria a ficar ao alcance da caneta do doutor Moro. Talvez prefira ficar preso no escurinho dos fundões do hotel brasiliense a ter de enfrentar os rigores da República de Curitiba.
Muitos, como eu, ainda estão curando a ressaca do último domingo, não por causa dos votos, mas pelos discursos que em geral acompanhavam o “sim” e o “não”, compondo o retrato falado do Brasil, ou de como seus representantes na Câmara pensam e se expressam verbalmente. A falta de educação formal do país já foi encarnada pelos jogadores de futebol de outros tempos, que antes ou depois de uma partida tropeçavam na gramática para agradecer a Deus, à mulher, à mãe ou aos filhos, mais ou menos como aconteceu no julgamento do impeachment da presidente Dilma. A diferença é que agora não era apenas uma questão de forma, mas igualmente de conteúdo. Não agrediram apenas a língua, mas também os bons modos, a civilidade e a ética. Houve até quem citasse como exemplo moral o marido, prefeito de Montes Claros — que, no dia seguinte, estaria sendo preso por corrupção, estelionato e falsidade ideológica. Entre as contradições de domingo houve uma nada folclórica nem engraçada; ao contrário, chocante: a homenagem que o deputado Jair Bolsonaro prestou à memória do coronel Brilhante Ustra, o primeiro agente da ditadura militar a ser reconhecido como torturador pela Justiça brasileira. Apesar da apologia a um crime hediondo, como a tortura é considerada oficialmente, o autor, em vez de ser advertido, foi aplaudido por muitos de seus pares. A única hostilidade que sofreu foi uma cusparada do seu colega Jean Wyllys, chamado de viado por esse notório homofóbico, líder do obscurantismo no Congresso. Tudo muito natural numa casa em que seu presidente foi qualificado, diante das câmeras de TV, de “corrupto”, “gangster” e “ladrão”, entre outros xingamentos menores. No lugar dessas classificações, porém, talvez tivesse sido melhor para os telespectadores saber objetivamente que quem comandava o processo de impedimento da presidente da República por crime de responsabilidade é réu no Supremo Tribunal Federal e está sendo processado no Conselho de Ética da própria Câmara por ter mentido sobre suas milionárias contas não declaradas no exterior. Por incrível que pareça, há peemedebistas trabalhando para que, como gratidão ao empenho dele em conseguir votos pró- impeachment, haja um acordo para anistiá- lo, livrando-o da cassação. O Brasil está sendo passado a limpo, mas isso de fato só acontecerá inteiramente quando Eduardo Cunha, o hábil manobrista, o minucioso conhecedor dos desvãos da Câmara, o imperturbável, o “gênio do mal” for punido por ser também o mais notório ficha-suja do país.
(...)
Acompanhei a votação do processo de impeachment na integra, ouvindo todos os deputados.
Durante a votação, não foram felicidade e esperança que foram tomando conta de mim, mas vergonha.
Vergonha em confirmar o que há muito suspeitava: as vidas de mais de 200 milhões de brasileiros encontram-se nas mãos de meio milhar de pessoas desprovidas de qualquer noção do ridículo, do regimento parlamentar e de bom senso.
Praticamente a totalidade dos votantes demonstrou absolutamente não ter ciência daquilo que se passava e que estavam postos a julgar.
Triste, ainda mais, foi ver que tamanha irresponsabilidade e desorientação refletiu-se na população.
Era ínfimo, tanto na Câmara dos Deputados, quanto nas manifestações pró e contra o governo, o número de pessoas que estavam cientes de que tudo que se estava votando ali era a admissão do processo de impeachment, sem qualquer juízo de culpabilidade ou garantia de concretização do mesmo.
Em uma nação civilizada, dois discursos seriam predominantes no palanque:
1. “Ao julgar as evidências apresentadas durantes as 11 reuniões e mais de 50 horas de discussão, parece-me haver a necessidade da presidente ser submetida a julgamento, considerando que pode ter cometido crime de responsabilidade. Meu voto é sim.”
2. “Ao julgar as evidências apresentadas durantes as 11 reuniões e mais de 50 horas de discussão, parece-me não haver a necessidade da presidente ser submetida a julgamento, considerando que não há evidências de crime de responsabilidade. Meu voto é não.”
Infelizmente, o que se seguiu na selva brasilis ficou muito aquém de qualquer expectativa de civilidade.
Os deputados de todas as vertentes conseguiram fazer aqueles que ainda tem interesse por uma república sentir vergonha alheia e perguntar-se até mesmo se o anarquismo não seria uma solução melhor a sustentar 513 parlamentares desprovidos de vergonha na cara.
O plenário foi transformado em uma versão institucionalizada do programa da Xuxa: “Um beijo pro pai, pra mãe e especialmente pra você.”
Mas o nível cairia.
Cada um dos deputados julgando-se o arauto da representatividade popular, o único Verdadeiro defensor da Democracia (com V e D maiúsculos), um por um, fizeram a inteligência ser varrida para fora da casa. Desconsiderando por completo a sua função, fizeram do púlpito um palanque para panfletagem de ideias pútridas.
(...)
Saindo dos extremos, não há muito o que salvar também.
A Câmara estava dividida em jumentos de direita, asnos de esquerda e mulas oportunistas.
Discursos b***** (não há outra palavra) e nenhuma informação de relevância: “bla bla bla bla, meus eleitores, bla bla bla, minha cidade natal” e nada sobre o processo de impeachment.
Por fim, apesar do resultado positivo, o sentimento que se instaurou profundamente em mim foi o de completo desrespeito dos congressistas pelos seus eleitores.
Mais de 500 insultos às inteligências dos cidadãos e nenhum motivo para acreditar que depois de Dilma, apenas Cunha e Temer devam ser afastados: a Câmara dos Deputados inteira deve ser substituída. O nível está baixo demais e está na hora de o Brasil abandonar os pelegos idealistas, saudosos das ditaduras - tanto de esquerda quanto de direita -, ater-se aos procedimentos legais, abandonar as demagogias e olhar para o futuro.
É claro que abro margem, aqui, para ser acusado de “isentão”, ou de ser tão ideólogo quanto aqueles que critico, por almejar uma Câmara dos Deputados idealizada e “utópica”.
...simplesmente deixo aqui um apelo para as próximas eleições: façamos o nível dos que nos representam condizer com os nossos níveis intelectuais.”
**
MATHEUS DALPIZZOL – Jornal da Cidade
Sueli Madeira.
Jornalista, especializada em política, e mestre em História pela Universidade Federal de Goiás.
Sem querer o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ofereceu ao Brasil uma grande oportunidade ao realizar a sessão de votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff em um domingo para o brasileiro acompanhar ao vivo. Cunha mirou em um alvo. Queria que o Brasil parasse em frente à TV e, assim, constrangesse os parlamentares contrários ao impeachment a votar a favor da presidente. Difícil saber se esse alvo foi atingido. A julgar pelos discursos eloquentes de todos os que votaram no governo, parece que não houve constrangimento. O presidente da Câmara, entretanto, acertou outro alvo. A sessão deste domingo (17) foi extremamente educativa. A transmissão ao vivo permitiu aos brasileiros conhecer melhor seus representantes no Parlamento. E o que viram não foi nada interessante. As declarações de voto da imensa maioria dos deputados revelaram a baixa qualidade política dos nossos representantes e beiraram à bizarrice ou a uma ópera bufa. Houve declaração de voto pelo aniversário da neta, oferecimento à mulher, a pais e mães, a filhos, netos, tios, sobrinhos, todos citados nominalmente. Votos pela “família quadrangular”, pelos “fundamentos do cristianismo”, pelos princípios que ensinou à filha, a Deus etc. Teve cenas hilárias, como a do deputado que levou o filho para votar por ele. Cunha agiu rápido e o impediu. O voto do dito cujo era pelo impeachment e poderia ser anulado. Todavia nem tudo foi piada. Houve momento de terror: o voto do deputado Jair Bolsonoro (PSC-RJ). “Eles perderam em 1964 e vão perder em 2016”, disse ele comparando o atual momento político brasileiro com a vitória do golpe militar. Disse que derrotaria “os comunistas” e prestou homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, e um dos maiores representantes dos torturadores da ditadura militar. A população espera mudança, acredita que o país viverá uma nova história a partir da aprovação do impeachment por 367 votos favoráveis, 137 contrários, 7 abstenções e 2 ausências. No entanto, não há como nos iludir. Assistindo aos discursos ficamos cara a cara com quem nos representa. Não sou ingênua, mas até eu que sou veterana em coberturas políticas me assustei com esse encontro, sem intermediário, com os deputados. A população, mais distante desses círculos, deve ter se assustado mais ainda. Vimos parlamentes despreparados, sem formação política, sem treino para a oratória, que deveria ser uma das qualidades de um bom político. Muitos berraram, pois confundem contundência política com grosseria. Ouvimos falar muito do “baixo clero”, mas poucos sabem bem o que é baixo clero e seu tamanho. A sessão deste domingo confirmou que ele existe e que é bem maior do que poderíamos imaginar. Então me pergunto: como eles conseguiram passar no “vestibular” da eleição se são tão incapacitados para o exercício da função parlamentar? Uma das respostas pode estar no financiamento das campanhas. Ressalvando as exceções de meia dúzia de parlamentares que se elegeram pelo conjunto de seus trabalhos, a maioria chegou lá graças a caríssimas campanhas eleitorais. Em 2014, ouvia-se no meio político que a eleição de um deputado federal não custaria menos de R$ 4 milhões. Óbvia a conclusão de que com dinheiro não é necessário ter preparo para o exercício da função. Basta ter ricos doadores. É como comprar o mandato. Dilma Rousseff caiu na Câmara, e certamente cairá no Senado, mas essa mesma Câmara que conhecemos hoje continuará lá. Nós devemos um agradecimento especial ao Eduardo Cunha por ter nos possibilitado ficar face a face com os parlamentares que ele lidera. Tomara que essa exposição por seis longas horas pela TV contribua para que nós eleitores melhoremos a qualidade de nosso voto. Não podemos nos esquecer do aprendizado de hoje para qualificar a nossa escolha nas eleições. E já, na eleição de outubro.
* * *
2.
Deputados deram show burlesco no plenário;
que credibilidade é essa?
*Tatiana Marotta, 18/04/2016 17:50 - site "Brasileiros"
Domingo, 17 de abril, à tarde, liguei a televisão como milhões de brasileiros e assisti a exposições políticas bizarras, teatrais e exageradas.
Um desfile de deputados cheios de gestos, mímicas, gritando até beirar a perda da voz, como se o volume empregado nas falas ao microfone garantissem credibilidade às orações [em seu duplo sentido].
Homens engravatados pulando feito menininhos. Um espetáculo burlesco.
Cartazes e faixas, algumas delas levadas sobre os ombros, exibiam “gritos de guerra” como “Impeachment já” “Fora Dilma” ou “Fora Cunha”.
O espetáculo apresentado numa votação tão séria esteve mais para uma partida de futebol.
Houve de tudo, o que para mim, como espectadora estrangeira, foi ao mesmo tempo curioso e surpreendente.
Por exemplo, jamais imaginei ver em uma sessão que decide o destino de um país um deputado lançar confetes para o alto, a exemplo do que eu vira em Florianópolis, em 2013, mas era Carnaval. Tampouco vira homens engravatados dançando sorridentes como se seu rebolado e seus braços esfuziantes evocassem o espírito do impeachment.
Teve show no plenário! Era para encarar com seriedade e dizer sim ou não, os dez segundos propostos para tais respostas eram mais que suficientes. Mas não foi assim. Foi longo, com berros, risadas, gente ao celular, foi demorado. Uma verdadeira tortura, desnecessária até para eles próprios.
Mas justiça seja feita. Embora surpreendente pelas atitudes, devido à importância de sua causa [o sim ou o não ao impeachment], mentiria se dissesse ser a primeira vez em que eu presenciara algo tão espetaculoso.
Na verdade, a votação do impeachment me fez lembrar comportamentos semelhantes protagonizados por políticos franceses.
Veio-me à mente, por exemplo, a imagem de alguns deputados -velhos, machistas e desrespeitosos- assoviando e urrando em uma sessão da Casa quando uma deputada, que normalmente se vestia com poucas estampas, apareceu com um lindo vestido florido. Isso foi em 2012. Mas, aparentemente, o trauma não foi grande o bastante para barrar tal atitude.
Em 2015, parlamentares insanos chamaram de macaca a ministra da Justiça à época, Christiane Taubira, pelo fato de ela ser negra. A lista é longa.
Claro, não se pode alinhar os comportamentos nos plenários brasileiros e francês, mas o que se viu neste domingo foi inadequado para qualquer ambiente de trabalho, sobretudo na Câmara dos Deputados, cujos membros foram escolhidos pela população para representar seu país.
Na minha opinião, e tomara que eu me engane, aqueles que vêm no impeachment uma viagem para um novo Brasil, livre de todos os males que o gangrenam, deram, na verdade, mais um passo dentro do círculo do vício e da corrupção.
Se dos 513 atores do espetáculo de domingo, 299 têm ocorrências judiciais e 76 já foram condenados, a maioria desse grupo, mesmo que a favor do impeachment e se dizendo ”contra a corrupção”, não pode ser confiável.
*Tatiana Marotta é jornalista e mestranda em Ciências Políticas na Université Sciences – Po, em Grenoble, França.
O que não consigo entender é o que foi aquilo ontem, no Plenário.
Que gente é aquela?! Coisa mais chinfrim...
Como dizemos lá na terrinha mineira, "teve de um tudo". Até cantaram... cantaram aquele negócio horroroso das partidas de futebol: "Eu sou brasileiro..."; tudo muito, muito grotesco.
De qualquer modo, vamos em frente. Foi só a primeira etapa. Vejamos o que virá a seguir.
Ainda temos que passar muita vergonha até que possamos repensar o país.
Sim, somos nós - o povo - que precisamos melhorar.
Aquilo lá... tem jeito não.
Mario Vitor Rodrigues - Blog do Noblat, 17/04/2016 - 01h10
Se me fosse concedida a chance, aconselharia aos brasileiros que anotassem com muito zelo duas datas para a posteridade: 26/10/2014 e 17/04/2016. Desta forma, quando suas memórias já estivessem carcomidas pelo tempo, consultas ainda possibilitariam contemplar ajuizadamente a saga dantesca que se encerra hoje. A primeira marca a reeleição de Dilma Rousseff, enquanto a segunda coroa o derradeiro desabafo de um país há 14 meses atônito, na prática imobilizado pelos seguidos escândalos de corrupção, sem falar nas decorrentes crises ética, política, e econômica, as mais graves em sua história. Às vésperas do segundo julgamento na Câmara dos Deputados de um presidente democraticamente eleito em 25 anos, eis que o país não se esquiva do frisson, mas vive com intensidade absoluta a expectativa cada vez maior por um desfecho que o liberte do estupor. Assim, deixando de lado propagandas e falsos alaridos de parte a parte, as projeções inevitavelmente acabam toureando o ambiente, provocando excitação entre aqueles esperançosos na punição de Dilma, e desânimo por parte dos governistas e militantes de esquerda. Não é para menos. Se levarmos em conta o cenário indicado pelas projeções de dois dos maiores jornais do país - O Globo e O Estado de São Paulo - o governo petista não apenas será destituído, mas em momento algum, durante a votação de hoje, amealhará motivos que corroborem o desafiante otimismo que teimam em esbanjar. Logo de saída, por exemplo, não poderá ser mais sintomático o placar em Roraima, estado designado a iniciar a votação: 7 a 1 em favor do SIM. A partir de então, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, mesmo intercalados, somente tornarão mais difícil a sobrevida do atual mandato presidencial, e quando Amazonas, Rondônia e Goiás já tiverem votado, tudo indica que o volume de votos favoráveis ao impeachment será quatro vezes maior em comparação ao de seus detratores. Tal proporção diminuirá quando chegar a vez de São Paulo, mas, convenhamos, o triplo continua sendo uma vantagem confortável, e o alardeado efeito cascata, motivo de celeuma por conta do efeito que poderia causar nos deputados indecisos, finalmente poderá ser comprovado. Ainda segundo as projeções, caberá a algum parlamentar de Minas o voto que ultrapassará a barreira das três centenas, e então muito provavelmente a balbúrdia já terá tomado conta da Casa, como o episódio Collor de Mello nos ensinou. Ironia das ironias, o voto que promete determinar o fim da era petista deve mesmo sair de Pernambuco ou da Bahia. Em resumo, caberá ao Nordeste, há décadas cantado em verso e prosa como celeiro de votos petistas, o fardo de impedir a presidente. Melhor dizendo, a honra. A impopularidade e a fragilidade política do governo Dilma impressionam, porém nada resume melhor a sua esqualidez moral, quero dizer, a esqualidez moral do PT, do que as grotescas propostas feitas a parlamentares em troca de apoio contra o impeachment. Esqueçamos emendas parlamentares, falo aqui de milhões provenientes de restos a pagar dos orçamentos de 2014 e 2015. Falo aqui, por exemplo, de uma oferta de 6 milhões de reais a um parlamentar. Exato, meia dúzia. Por um voto. Dilma está descontrolada, assim como Lula e o Partido dos Trabalhadores. Jamais imaginaram sua azeitada máquina de fazer dinheiro, um tal de Brasil, de uma hora para outra disposta a cobrar anos de lavagem cerebral, disparates fiscais, e falcatruas financeiras destinadas a falsear a democracia para eternizá-los no poder. Tem razão quem aposta em um Brasil pouco diferente sem o PT no poder. De fato, pelo menos em um primeiro momento, não deixaremos de ser uma nação refém de seus próprios algozes. E basta ver a quantidade de pessoas que ainda levam Marina Silva a sério para constatar este fato. Mas first things first, como gostam de dizer os gringos. Se o simples afastamento do PT não será capaz de fazer o país mudar, sua continuidade tornaria esta tarefa impossível. Que o impedimento de Dilma, e por conseguinte a libertação desta torpe ditadura de esquerda, sirva de aprendizado para todos nós. Não podemos mais nos permitir certas escolhas. E que seja um marco, o início de uma nova era, que tenhamos adquirido o hábito de prestar mais atenção ao nosso próprio destino, dispensando todo apoio possível aos vários Moros e Deltans Brasil a fora. O futuro não será fácil, o debate político está apenas começando, felizmente muita sujeira ainda resta para ser descoberta, e o estrago na economia levará tempo para ser recuperado. Tudo bem, mas hoje é dia de festa. **
É o fim
Mary Zaidan - Blog do Noblat, 17/04/2016 - 01h20
Entre 130 e 135 votos declarados em um colégio de 513 deputados. Isso é o máximo que a presidente Dilma Rousseff, o ex Lula, o PT e companhia conseguiram arregimentar em meses de despudoradas barganhas para evitar o impeachment. Um fiasco que, independentemente do resultado da votação deste domingo, sepulta o governo. Sem rodeios: um governo que aposta na omissão como única hipótese de não ser derrotado e que sem qualquer escrúpulo compra a peso de ouro a ausência de parlamentares em sessão de votação, inexiste. Acabou. E há tempos. Objetivamente, Dilma sempre foi um desastre. Os anos de seu primeiro mandato já não tinham sido fáceis. Talvez pela herança de casa arrombada que Lula deixou. Mas os desmandos de 2013, como a explosão do crédito e a redução populista das tarifas de energia - uma mistura venenosa de soberba e voluntarismo -, derrotaram de vez a economia. As contas públicas, mesmo pedaladas, começaram a não fechar. A roubalheira na Petrobras emergiu, a seleção brasileira tomou de 7 a 1 da Alemanha, dentro de casa, naquela que seria “a Copa das Copas”. Dilma se reelegeu depois de, com mentiras e artimanhas, fazer o diabo. Muita mentira, reconhecida até pelo seu inventor. “Tivemos um problema político sério, porque ganhamos a eleição com um discurso e depois das eleições tivemos que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer”, admitiu Lula, em outubro do ano passado. O governo que já era uma catástrofe conseguiu quase o impossível: piorar. E muito mais. Em 2015, Dilma fingiu tentar um ajuste fiscal que, por oposição do PT e aliados, pouco saiu do papel. Ainda assim, é ao ajuste fiscal que não existiu – basta olhar o descalabro das contas governamentais -- que Dilma, Lula e o PT atribuem o insucesso do primeiro ano do segundo mandato. Ao ajuste necessário que Dilma não fez, soma-se a Operação Lava Jato, que, de acordo com a inteligência bandida de Lula, emperra o crescimento do país, como se o investigador, e não o meliante, fosse o culpado pelo crime. E o ano de 2016 não começou. Há meses o impeachment é pauta única. Para evitá-lo, o governo tentou de tudo: comprar deputados com cargos e verbas, incentivar exércitos de movimentos sociais, judicializar até as vírgulas. E, de acordo com a colunista Dora Kramer, pode até decretar Estado de Defesa para valorizar a posição de vítima. Papel predileto sempre que se veem encurralados, as “vítimas” Dilma, Lula e PT não devem parar por aí. Já fazem correr aos quatro cantos que, se derrotados, vão incendiar o país. Lula garantiu que não sairá das ruas e não dará trégua a Temer. “Não estaremos nessa de união nacional, não vamos colaborar”. Nada de novo, já que nunca colaborou. O PT e ele não assinaram a Constituição de 1988, ajudaram a destituir Collor e viraram as costas para Itamar Franco, demonizaram o Plano Real. Até aqui, o governo experimentou diferentes adaptações de discursos. Primeiro, taxou a previsão constitucional de impeachment como golpe. Mudou o tom depois de o STF negar a existência de artigos golpistas na Constituição. Passou então a acrescentar a ausência de crime para subsidiar o impedimento. Agora, anuncia que um governo do vice seria ilegítimo, por não vir das urnas, brigando de novo com a Constituição que prevê o vice como substituto do titular. Os governistas que restam ainda tentam faturar com a impopularidade do deputado Eduardo Cunha, enrolado até acima do pescoço em bandidagens de vários matizes. Vendem a ideia de que o impeachment é vingança de Cunha, escamoteando o fato de que o rito foi ditado e referendado pela Suprema Corte. E, sem pudor, inventam o cerne do “golpe”: Cunha mancomunou-se com Michel Temer porque na linha sucessória o presidente da Câmara é vice e, portanto, pode vir a substituir Temer. Fazem de conta que não sabem que, desde que se tornou réu, Cunha não pode assumir a Presidência da República. Põem fogo nos “nem-nem”, que, ao rejeitar Dilma, Temer e Cunha, negariam votos ao impeachment e evitariam a derrota da presidente. Podem até obter sucesso. Mas o resultado pífio da votação, com menos de um terço da Câmara, associado à incapacidade, inépcia e incompetência demonstradas nos últimos anos, inviabilizam por completo Dilma como mandatária. Aprovado, o impeachment só oficializa algo que há tempos o país já vive: o fim de um governo que não existe. **
Alvorada e Jaburu viraram casas da Mãe Joana
Josias de Souza - 17/04/2016, 04:03
A corrupção em Brasília, uma cleptomania incurável, atingiu o seu ponto mais alto nas articulações a favor e contra o impeachment. Desapareceu até o recato. Os palácios da Alvorada e do Jaburu, projetados por Oscar Niemeyer como residências oficiais do presidente e do vice-presidente da República, foram transformados em casas da Mãe Joana. Sob seus tetos modernistas, pratica-se o troca-troca sem culpa, o vale-tudo sem ressalvas. Quem não quiser perder a compreensão do que está acontecendo deve levar em conta o seguinte: Dilma Rousseff e Michel Temer negociam o futuro do país com o rebotalho do mensalão e do petrolão. Fazem isso com a mesma pose de líderes realistas obrigados pelas circunstancias a lidar com políticos viciados. Dilma adota meios sórdidos para alcançar o nobre fim de evitar um golpe contra os valores democráticos. E Temer manda às favas qualquer perspectiva de revisão das práticas que conspurcam a política sob o pretexto de livrar o Brasil da delinquência fiscal e do atraso petista. Ambos oferecem a nódoas como PP, PR e assemelhados a oportunidade de obter prontuários limpos e novos negócios. Num comício para militantes petistas, Lula resumiu assim a cena: “É uma guerra de sobe e desce. Parece a Bolsa de Valores. O cara está com a gente uma hora e, em outra, não está mais.” O que o morubixaba do PT declarou, com outras palavras, foi o seguinte: os homens de bens da Câmara acompanham a cotação de Dilma e Temer, para investir seus votos naquele que oferecer as melhores perspectivas de lucro. Nesse mercado, você, caro contribuinte, entre com o prejuízo. A convivência com o vício manjado tem um lado prático. Com ou sem impeachment, não será necessário organizar sondagens sobre o apetite dos aliados. Basta que Dilma ou Temer abram as gavetas para resgatar os anseios de mensaleiros e petroleiros. Gente como o condenado Valdemar Costa Neto, o mandachuva do PR, que saltou subitamente da prisão domiciliar para a ribalta. Valdemar, citado aqui por ser o exemplo mais notório da desfaçatez, brilha no submundo do fisiologismo há mais de duas décadas. Ele tem experiência em impeachment. Na derrubada de Collor, quando o PR ainda se chamava PL, apressou-se em obter posições sob Itamar Franco. Nessa época, tinha uma queda pela Receita Federal. Ganhou a inspetoria da alfândega do Aeroporto de Cumbica. Ali, mandava mais que FHC e Rubens Ricupero, os ministros da Fazenda de então. Em declaração de 1995, dada à Folha, Valdemar explicou o porquê do apreço pelo fisco: “Você imagina se tem um cara de poder com problemas na Receita. Você chega e pergunta se o cara pode te arrumar uns 3.000 votos. Você livra o cara e está eleito''. Sobre a alfândega: “O pessoal chega do exterior e pede para liberar a bagagem (…). Às vezes eu mandava um fax pedindo a liberação''. A farra das nomeações políticas na Receita acabou com a chegada do técnico Everardo Maciel. Mas Valdemar era apenas líder de um periférico PL. Hoje, controla o PR como um cartório de sua propriedade. Do modo como o tratam, vai acabar nomeando não um inspetor de alfândega, mas o secretário da Receita Federal. De um líder político se espera que fixe padrões morais para os seus liderados. Diante das extravagantes negociações firmadas no Alvorada, no Jaburu e em anexos como o quarto de hotel que Lula converteu em bunker, não sobra no palco nenhum ator capaz de se firmar como uma liderança ética. A cruzada do impeachment descerá aos livros como um marco da falta de ética cujo epílogo será um acordo para livrar Eduardo Cunha da cassação. Devagarinho, o fisiologismo e a imoralidade vão deixando de ser percebidos como parte do sistema. Passam a ser vistos como o próprio sistema. Tão integrados ao cenário brasiliense quanto as curvas dos palácios de Niemeyer. **
17 de abril, um dia inesquecível
Elio Gaspari, O Globo, 17/04/2016 - 08h02
Por motivos diversos, o dia de hoje será inesquecível para Dilma Rousseff, Lula e Fernando Henrique Cardoso. Em 1984, há 32 anos, esse mesmo 17 de abril tornou-se inesquecível para todos eles. Juntos, deslumbravam-se com o êxito do último comício da campanha das Diretas, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Foi a maior manifestação popular ocorrida no país até então. Parecia um espetáculo produzido pelos delírios de Glauber Rocha e pela precisão de Francis Ford Coppola. Afora a multidão, a noite habitualmente modorrenta do centrão de São Paulo tinha cantorias, holofotes, a orquestra da Unicamp tocando a Quinta Sinfonia de Beethoven e uma banda com “Cisne Branco”. Tudo isso e mais Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Lula e Fernando Henrique no palanque. Ninguém seria capaz de supor que no espaço de uma geração acontecesse um rompimento tão radical. Talvez hoje eles nem fossem capazes de lembrar que nesse dia estiveram juntos. Também não devem lembrar que, no dia 17 de abril de 1997, Fernando Henrique Cardoso estava na Presidência da República, o MST terminou sua marcha sobre Brasília, e 30 mil pessoas entraram no Eixo Monumental. Slogans da marcha diziam: “FHC vendido entregando o ouro ao bandido” ou “É lutar para vencer e derrubar FHC”. Outro viria a ser profético: “Fernando um, Fernando dois, qual será a merda que vem depois”. Vieram Lula e Dilma. Assim, chega-se ao dia de hoje. O 17 de abril não é uma data cabalística, mas um dia como os outros. Exposto ao tempo, revela pontos na vida das pessoas. Fernando Henrique Cardoso certamente não lembra que no dia de hoje, em 1964, saiu das casas de amigos onde se escondia desde 1º de abril e embarcou para a Argentina. Penaria o “amargo caviar do exílio”. Por coincidência o Dops registrava em seu prontuário que ele estivera ligado aos comunistas nos anos 50, “mas nunca mais exerceu qualquer tipo de atividade ou de militância política comunista, socialista ou que fosse”. Dilma Rousseff talvez nem saiba, mas no dia 17 de abril de 1970 dois militantes da Vanguarda Popular Revolucionária regressaram ao Rio depois de uma reunião com Carlos Lamarca para finalizar o plano de sequestro do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben. Ela estava na cadeia desde janeiro, e seu nome foi colocado numa lista de presos que seriam trocados pelo diplomata. O embaixador foi sequestrado em junho, mas Dilma não entrou na lista. José Genoino, ex-presidente do PT, talvez ainda lembre que esteve na marcha do MST de 1997, mas pode ter esquecido que foi no dia 17 de abril de 1972 que uma patrulha do Exército o capturou quando caminhava numa trilha da mata do Araguaia. Ele ia avisar a outros guerrilheiros que o Exército chegara à região. Foi no dia 17 de abril de 1980 que o governo do último general decidiu esmagar a greve de metalúrgicos do ABC e acabar com a liderança de um tal de Lula. Tomada a decisão, no dia 18 intervieram nos sindicatos, e no dia seguinte prenderam Lula e outras 14 pessoas. Enquadrado na Lei de Segurança Nacional, ele viraria carta fora do baralho. Vinte e três anos depois, recebeu a faixa presidencial de Fernando Henrique Cardoso. O rei de copas de hoje pode ir para o lixo (ou bagaço), mas cartas não saem do baralho. Elio Gaspari é jornalista **
Impeachment de Dilma. “Isto vai acabar mal, qualquer que seja o resultado”
José Pedro Frazão, 17 Abr, 2016 - 09:39
No programa "Fora da Caixa" da Renascença, Santana Lopes e António Vitorino partilham cepticismo em relação ao desfecho da crise política brasileira, marcada agora pelo pedido de destituição da Presidente Dilma Rousseff. Dia D (de Dilma) é domingo (mas a palavra final é do Senado) A convulsão política no Brasil atinge este domingo um ponto alto com a votação do pedido de destituição de Dilma Rousseff do cargo de Presidente da República. O caso pode seguir ainda para o Senado, dando continuidade a uma batalha política que coloca em causa o lugar cimeiro da hierarquia institucional brasileira. António Vitorino duvida que deste domingo saia uma solução pacificadora para a política brasileira. “A única coisa que sei é que isto vai acabar mal, qualquer que seja o resultado. Uma Presidente que sobrevive a um voto de destituição porque tem com ela apenas um terço dos congressistas sai politicamente ferida de morte. Porque estaria numa situação de enorme debilidade a partir do voto deste domingo”, afirma o antigo comissário europeu no programa “Fora da Caixa” da Renascença. Já Santana Lopes tem algumas dúvidas sobre essa tese. “Às vezes, mesmo que tenha uma votação pequena, se não perde neste processo, não sei se Dilma não ganha alguma força, não sei. Confesso que é uma personagem política cuja força própria sempre duvidei muito”, acrescenta o antigo primeiro-ministro na Renascença. A lama suja todos A política brasileira vive dias de brasa. "Aquilo é um bocado caricato”, opina Santana Lopes. "Quando se anuncia que o partido x está a favor da destituição, os que estão de pé atrás começam aos gritos como se fosse um comício ou estivessem a tratar de um assunto de brincadeira”, descreve o comentador. Santana Lopes fala numa “onda” anti-Dilma, ressalvando que a Presidente do Brasil "não está rigorosamente acusada de nada”. O antigo primeiro-ministro português esclarece que, não alinhando na tese de um golpe de estado, esta situação configura uma "destituição por razões políticas”. O ex-líder do PSD assinala que o que se está a passar no Brasil atinge a classe política toda. E António Vitorino recorda que quase não há políticos brasileiros que não sejam associados ao escândalo da Operação “Lava Jato”. “A dificuldade é depois saber se aquela lista tem alguma credibilidade. Porque a partir de certa altura, vão todos os nomes para a fogueira. Os justos e os pecadores são tratados da mesma maneira. Do ponto de vista da estabilidade do regime, isso torna muito problemático o que se está a passar neste momento do Brasil. Não estou a dizer que seja um golpe de estado. Acho que há aqui uma vertigem autofágica do sistema politico brasileiro. E os protagonistas ainda não perceberam que estão todos a atirar também nos pés”, afirma António Vitorino na Renascença. O antigo comissário europeu compara este escândalo com o que abalou Itália nos anos 90, com profundo impacto na vida política italiana. “Eu vivi a operação ‘Mani Polite’ (Mãos Limpas) em Itália, nos anos 90, e tenho a terrível sensação de ‘deja-vu’. Eu já vi isto. Na Itália havia um sistema de loteamento na distribuição das luvas nos concursos públicos, em função da representatividade de cada um dos partidos a nível nacional e regional. Foi isso que esteve na base da grande operação que começou na Procuradoria de Milão que destruiu depois o Partido Democrata Cristão Italiano, o Partido Socialista Italiano, o próprio Partido Comunista não saiu incólume destas suspeitas. Estamos a viver exactamente uma situação desse género. O escândalo Petrobrás é um escândalo de loteamento de luvas em que todos os partidos estavam associados à quota. É difícil encontrar um que não tenha culpas no cartório”, argumenta o comentador da Renascença. Sistema disfuncional E a seguir, quem virá? "Se não correr muito mal há de emergir alguém em democracia. Talvez um daqueles novos governadores que possa assumir alguma posição liderante”, alvitra Santana Lopes que não ficou agradado com a prestação do vice-presidente Michel Temer, tal como António Vitorino. O antigo ministro do PS lembra que Temer é o segundo na linha de sucessão de Dilma e critica a conduta política deste politico brasileiro. “Ele já disse que se a Presidente sobreviver, ele também não sai do lugar. Ou seja, ele tenta derrubá-la, mas se por caso falhar ele não sai do lugar dele. Isto revela um grau zero da vergonha e do pudor na política. O que indicia um problema mais de fundo, para além das personagens em concreto. O sistema é profundamente disfuncional, manifestamente em desequilíbrio politico. O Brasil precisava de tudo neste momento menos de uma crise institucional”, remata António Vitorino. **
E agora?
Ana Maria Machado, O Globo, 16/04/2016 - 16h11
"Este é tempo de partidos, tempo de homens partidos." O eco de versos de Drummond nos acompanha nestes dias. "Esse é tempo de divisas, tempo de gente cortada." Um tempo em que estamos diante de uma escolha de Sofia, tendo de optar entre situações repelentes. Qualquer que seja a alternativa, o resultado será desastroso, deixará ressentimentos, frustrações, cobranças, hostilidade, um clima impossível para reconstruir a economia destruída e a convivência política em frangalhos. Não se discute uma agenda ou um projeto, o país está paralisado, o governo fica só às voltas com seu balança-mas-não-cai, a comprovar que, embora tenha decidido que está acima das leis, não consegue se desvencilhar da lei da gravidade. E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? Vira-se a página mas a agonia não acaba. Pior ainda… a festa era ilusão, mal deixou lembrança boa. Mas fomos arrastados a essa situação. Mesmo quem sempre soube que não se trata de golpe mas inicialmente não era favorável ao impeachment, cansou de esperar em vão que se colocassem outras alternativas além dessa punição prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal. À medida que as coisas avançaram, constatados os crimes de empréstimo proibido de bancos públicos, sobretudo em ano eleitoral, e mais os créditos não autorizados pelo Congresso, em vão se passou pelo cartão amarelo das advertências e ressalvas dos tribunais no exame das contas. Em vão se esperou um reconhecimento do erro, um pedido de desculpas, uma garantia de não repetir o crime, uma explicação que fosse além da mentira de dizer que era necessário por causa dos benefícios sociais e não por benesses a empreiteiros e campanhas eleitorais de marketing milionário. Como se a ínfima proporção estatística do Bolsa Família e outros programas pudesse fazer frente aos gastos exorbitantes que ajudam a compor a Bolsa Amém, de compra de apoio e créditos subsidiados. E quem preferia não seguir para o trauma do impedimento acabou tendo de ceder para não ser cúmplice da impunidade, diante do desprezo à responsabilidade como valor e das descaradas manobras de obstrução da Justiça, incluindo até termo de posse antecipado para o caso de necessidade e edição extra do Diário Oficial, em meio a um crescendo de ataques às instituições e de provocação às pessoas de bem. O ideal para evitarmos que as coisas chegassem a esse ponto seria termos parlamentarismo. A Constituição de 88 até caminhara nesse sentido, mas acabou dando nesta coisa híbrida e estéril onde atolamos, porque interesses de presidenciáveis na ocasião impediram que ela confirmasse o que seu arcabouço se preparara para acolher. Só que não é hora de querer essa saída como casuísmo, só para se livrar da crise imediata. Tem de ser amadurecido, numa discussão equilibrada e sempre recusada. E agora, José? Debate amadurecido anda em falta. Ainda outro dia, o ex-ministro do STF Ayres Brito se queixava de que o debate está infantilizado e maniqueísta, na base do herói ou vilão e é necessário um chamamento ao entendimento. Vamos precisar muito disso na reconstrução do país. Por exemplo, deve-se criticar os excessos e qualquer atitude ilegal nas investigações mas quem tem de dar a última palavra sobre isso é o Supremo, não uma campanha sistemática de desqualificação das instituições dirigida à opinião publica nacional e estrangeira. Equilíbrio e sensatez são fundamentais para sairmos dessa insanidade geral. Para o bem do país é preciso unir o Brasil acima dos partidos e das torcidas inflamadas, assumindo responsabilidade pelas decisões a tomar e passando confiança à nação, sem o pensamento mágico infantil de se apresentar como Salvador da Pátria ou pintar o adversário como o inimigo público número 1. Há tarefas muito duras pela frente, quando só no estado de São Paulo mantém-se há mais de um ano a média diária de 13.000 demissões e 20 fábricas fechando. Como assinalam Cesar Benjamin e outros, o ciclo de distributivismo sem reforma que marcou os governos do PT foi superficial e já terminou. E agora, José? Essas reformas necessárias têm de ser discutidas a sério — e não apenas na economia ou na legislação trabalhista. Estamos vivendo uma profunda crise na democracia representativa, que leva o eleitor a não se sentir representado por quem elege. Seja porque as campanhas marqueteiras mentem e enganam, seja porque o sistema partidário trai o voto, tem partido demais, deputado demais, qualidade de menos, ética de menos. Democracia é meta, não pode ser tática eleitoreira. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Procuro a citação exata que me dança na memória. Você marcha, José, para onde? Abro a antologia a esmo e encontro outro poema, “Pneumotórax”, de Manuel Bandeira. Talvez seja a resposta para estes dias tristes: A vida inteira que podia ter sido e não foi. (…) A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. Ana Maria Machado é escritora **
Nada para comemorar
Dorrit Harazim - O Globo, 17/04/2016 - 10h05
Aviso a quem festejar com arroubos cívicos o final da votação de hoje no Congresso, fadada a culminar com o triunfo de um dos brasis em confronto: nada há a comemorar. Este domingo 17 de abril em que o país assiste à etapa-chave do rito de impeachment da presidente Dilma Rousseff representa um dia de derrota nacional. Para todos, inclusive quem festejar até o sol raiar. Um país que desde 1945 só conheceu quatro transmissões de faixa entre presidentes eleitos deveria ter tido mais zelo por suas instituições antes de permitir que elas sejam testadas com atalhos constitucionais. Ao contrário do que ocorreu no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, 24 anos atrás, as parcelas de responsabilidade por este domingo amargo acabarão sendo amargas para todos. A começar para a disfuncional ocupante do Palácio do Planalto, encalacrada em pedaladas fiscais, responsável por uma economia em ruínas, abandonada por eleitores fieis até seis meses atrás, e respingada pelo lamaçal de corrupção do petrolão. Dilma decepcionou, mas manteve intacta sua honestidade pessoal. As responsabilidades se estendem ao comando do PT, que até hoje não achou necessário tratar a militância com maturidade e com ela debater o mensalão e o petrolão. Já são duas as gerações de companheiros que aguardam em vão essa prestação de contas. No momento a responsabilidade maior se concentra nos 513 bípedes que nos representam na Câmara dos Deputados, somados aos 81 com assento no Senado Federal. Ali os instalamos através de eleições legislativas de representação proporcional, e dali exercerão seu poder de voto e veto ao mandato da presidente sitiada. Ao resto do país cabe o papel duplo de protagonista e plateia desse capítulo em aberto da História do país. “Aqueles que abrem mão de liberdades essenciais para obter alguma pequena segurança temporária”, ensinou Benjamin Franklin séculos atrás, “não são merecedores nem de liberdade nem de segurança”. Pois o Congresso Nacional está coalhado dessa espécie que nada merece. A começar pelo presidente da Casa e chefe da fila julgadora, Eduardo Cunha, cuja lista de crimes levantados pela Operação Lava-Jato empalidece as acusações arroladas para justificar o impeachment de Dilma Rousseff. Segundo dados da Transparência Brasil citados por Simon Romero, do “New York Times”, 60% das excelências do Congresso têm no currículo acusações de corrupção, fraude eleitoral, sequestro, homicídio ou desmatamento ilegal. Um terço da tribo legislativa também tem a biografia entrelaçada às delações premiadas da Lava-Jato e talvez sonhe em ver tudo apagado na euforia de um admirável mundo novo — o Brasil pós-Dilma. Certamente nunca ouviu as palavras do americano — “Aqueles que abrem mão de liberdades essenciais...” A cena que melhor retrata o déficit cívico de Brasília e ofende os milhões de brasileiros angustiados com o descarrilamento da vida nacional foi produzida esta semana pelo Corregedor da Câmara, deputado Carlos Manato, e seu companheiro de partido Paulinho da Força, ambos do Solidariedade. Foi uma cena que pode ter parecido inofensiva diante do drama maior, ou bem humorada em meio à tensão política. “Não passou de brincadeira”, disseram seus autores. Nem eles nem os demais congressistas que dela participaram sequer perceberam o quanto ela foi insultuosa, quase obscena. Sem qualquer constrangimento Manato e Paulinho, ambos favoráveis ao afastamento da presidente da República, iniciaram um bolão entre os colegas sobre o placar da votação do impeachment. Cada aposta custava R$ 100. Manato, cuja campanha foi abastecida em parte com dinheiro de empresas envolvidas na Lava-Jato, tem por função, como corregedor parlamentar, “manter o decoro, ordem e disciplina no âmbito da Câmara dos Deputados”. Esta semana, ele circulou pelos corredores da Casa com uma pasta que continha a lista e o dinheiro arrecadado. Quanto ao deputado Paulo Pereira da Silva, um dos principais aliados de Eduardo Cunha, o ar rarefeito de Brasília deve tê-lo feito esquecer o real valor de R$ 100 para um trabalhador no resto do país. O bolão do impeachment é a cara do Brasil que acha que tem algo a comemorar no dia de hoje.
Sagrado leitor, eu confesso que roubei, tramei, colei, menti e pequei por minha culpa. Minha máxima e mais absoluta, vergonhosa e indesculpável culpa! Aliás, dizendo mais abertamente, eu não só menti como saltei de bonde andando, pulei muro, matei passarinho, roubei goiabas do quintal dos vizinhos, comi os chocolates dos irmãos mais novos, usei escondido as gravatas do papai, roubei para ganhar um campeonato de futebol de botão e fiquei muito tempo no banheiro com as garotas do Vargas, um desenhista de “pin-ups” de quem o Waltinho tinha uma coleção que ele emprestava ou alugava aos amigos. Mas minha maior aventura nessa misteriosa, irremovivelmente humana e interminável área foi quando espiei a belíssima mulher do nosso mal-encarado vizinho, o capitão de mar-e-guerra Rodoaldo mudando de roupa e com as pernas bambas de nervoso quase cai do telhado. Papai brotou na varanda empunhando o seu niquelado revólver Smith & Wesson calibre 38-duplo e, não fosse o seu grito irritado de “Quem está ai em cima?!”, eu provavelmente não estaria tirando esse 1º de abril que tem meu infinito “isso” sendo filtrado pelo meu pequeno “eu”. Também colei muito nas provas de matemática, latim e francês e mais ainda nas de física e química, que eram territórios de um outro povo o qual falava uma língua que eu jamais entendi. No quesito da inveja eu até hoje peco brutal e exageradamente, porque fui o “irmão mais velho", o que dá o exemplo, não pode ser egoísta e é sempre o culpado das brincadeiras mais perigosas. De tal modo fui perseguido por esse dever que até hoje pouco distingo generosidade de correção. Em consequência, sou perseguido por um tirânico super-ego — por um conjunto de regras morais que liquidaram o meu sono quando estilhacei com uma pedra um vidro de janela, imitando o Garoto do filme de Carlitos e, como sobremesa, beijei por interesses “baixos” a inocente Lurdinha que estava trocando de roupa com a porta aberta. Falei mal, caluniei e intriguei como é hoje moda e ganha-pão no Brasil. E como não estamos na tal “pátria educadora", mas no “país dos ladrões", confesso que roubei muito do bolso do paletó do papai e da bolsa de mamãe. Foram tantos trocados que, mesmo considerando a mentirosa e imoral folha corrida deste governo, se tais trocados fossem somados, dava para comprar um bom vinho comemorativo da vitória na sacrossanta eleição que foi vencida graças às mentiras contadas ao povo bom e fiel. Afinal, ele não deve ser cultivado por escolas e hospitais, mas cuidado pelas obras e pelos pixulecos pagos (e recebidos) dos nossos compadres miliardários que são a glória e a graça da nossa cada vez mais densa desonestidade e má-fé. Imagina, leitor, se algum dos nossos barões — do Legislativo, do Judiciário ou do obviamente solitário e, por isso mesmo, totalmente surtado Executivo, mais os nossos mais dignos, honestos e criativos empresários presos, decidissem “pregar” a todos vocês, esse meu 1º de abril confessional? Sobraria alguma coisa? Ou todos repercutiriam as sábias palavras do intemerato ministro do STF Luís Barroso, quando disse: “Meu Deus do céu! Essa é nossa alternativa de poder. Não vou fulanizar mas quem viu a foto sabe do que estou falando". Como o ministro não sabia que estava sendo transmitido pelo sistema interno de TV, o desabafo é uma pérola de sinceridade, mais do que apropriada — com a devida vênia — de um 1º de abril deste malfadado ano de 2016! Isso posto, eu pergunto com o devido respeito: E se nos fosse estampada uma foto de todos — isso mesmo — de todos os ocupantes dos três poderes? Quem não faria, com as devidas ressalvas de sua fé e confiança do “esse ou essa eu conheço!”, essa mesma exclamação? Ou o ministro Barroso pensa que ele ficaria de fora do axioma de Maria Madalena, devidamente acionado por Cristo e usado como artigo de fé no Brasil petista que reza: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra?” E assim vamos para um poço sem fundo porque sem a verdade (nua e bela dentro do poço como disse um esquecido Jorge Amado no seu “Os velhos marinheiros”) não há democracia que aguente. Infelizmente, nas democracias igualitárias, o público e o particular não são separados. Esse impedimento é o que se chama “verdade” — é o peso às vezes absurdo que vem com o cargo. Nelas, o cargo não alivia ou desculpa, mas agrava e penaliza. E é justamente isso que falta neste nosso Brasil perdido no labirinto de sua incapacidade de sequer supor a existência da verdade.