segunda-feira, 18 de abril de 2016

Confuso Brasil...



Alvíssaras
Mario Vitor Rodrigues - Blog do Noblat, 17/04/2016 - 01h10

Se me fosse concedida a chance, aconselharia aos brasileiros que anotassem com muito zelo duas datas para a posteridade: 26/10/2014 e 17/04/2016. Desta forma, quando suas memórias já estivessem carcomidas pelo tempo, consultas ainda possibilitariam contemplar ajuizadamente a saga dantesca que se encerra hoje.

A primeira marca a reeleição de Dilma Rousseff, enquanto a segunda coroa o derradeiro desabafo de um país há 14 meses atônito, na prática imobilizado pelos seguidos escândalos de corrupção, sem falar nas decorrentes crises ética, política, e econômica, as mais graves em sua história.

Às vésperas do segundo julgamento na Câmara dos Deputados de um presidente democraticamente eleito em 25 anos, eis que o país não se esquiva do frisson, mas vive com intensidade absoluta a expectativa cada vez maior por um desfecho que o liberte do estupor.

Assim, deixando de lado propagandas e falsos alaridos de parte a parte, as projeções inevitavelmente acabam toureando o ambiente, provocando excitação entre aqueles esperançosos na punição de Dilma, e desânimo por parte dos governistas e militantes de esquerda. Não é para menos.

Se levarmos em conta o cenário indicado pelas projeções de dois dos maiores jornais do país - O Globo e O Estado de São Paulo - o governo petista não apenas será destituído, mas em momento algum, durante a votação de hoje, amealhará motivos que corroborem o desafiante otimismo que teimam em esbanjar.

Logo de saída, por exemplo, não poderá ser mais sintomático o placar em Roraima, estado designado a iniciar a votação: 7 a 1 em favor do SIM.

A partir de então, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, mesmo intercalados, somente tornarão mais difícil a sobrevida do atual mandato presidencial, e quando Amazonas, Rondônia e Goiás já tiverem votado, tudo indica que o volume de votos favoráveis ao impeachment será quatro vezes maior em comparação ao de seus detratores.

Tal proporção diminuirá quando chegar a vez de São Paulo, mas, convenhamos, o triplo continua sendo uma vantagem confortável, e o alardeado efeito cascata, motivo de celeuma por conta do efeito que poderia causar nos deputados indecisos, finalmente poderá ser comprovado.

Ainda segundo as projeções, caberá a algum parlamentar de Minas o voto que ultrapassará a barreira das três centenas, e então muito provavelmente a balbúrdia já terá tomado conta da Casa, como o episódio Collor de Mello nos ensinou.

Ironia das ironias, o voto que promete determinar o fim da era petista deve mesmo sair de Pernambuco ou da Bahia. Em resumo, caberá ao Nordeste, há décadas cantado em verso e prosa como celeiro de votos petistas, o fardo de impedir a presidente. Melhor dizendo, a honra.

A impopularidade e a fragilidade política do governo Dilma impressionam, porém nada resume melhor a sua esqualidez moral, quero dizer, a esqualidez moral do PT, do que as  grotescas propostas feitas a parlamentares em troca de apoio contra o impeachment.

Esqueçamos emendas parlamentares, falo aqui de milhões provenientes de restos a pagar dos orçamentos de 2014 e 2015. Falo aqui, por exemplo, de uma oferta de 6 milhões de reais a um parlamentar. Exato, meia dúzia. Por um voto.

Dilma está descontrolada, assim como Lula e o Partido dos Trabalhadores. Jamais imaginaram sua azeitada máquina de fazer dinheiro, um tal de Brasil, de uma hora para outra disposta a cobrar anos de lavagem cerebral, disparates fiscais, e falcatruas financeiras destinadas a falsear a democracia para eternizá-los no poder.

Tem razão quem aposta em um Brasil pouco diferente sem o PT no poder. De fato, pelo menos em um primeiro momento, não deixaremos de ser uma nação refém de seus próprios algozes. E basta ver a quantidade de pessoas que ainda levam Marina Silva a sério para constatar este fato.

Mas first things first, como gostam de dizer os gringos. Se o simples afastamento do PT não será capaz de fazer o país mudar, sua continuidade tornaria esta tarefa impossível.

Que o impedimento de Dilma, e por conseguinte a libertação desta torpe ditadura de esquerda, sirva de aprendizado para todos nós. Não podemos mais nos permitir certas escolhas.

E que seja um marco, o início de uma nova era, que tenhamos adquirido o hábito de prestar mais atenção ao nosso próprio destino, dispensando todo apoio possível aos vários Moros e Deltans Brasil a fora.

O futuro não será fácil, o debate político está apenas começando, felizmente muita sujeira ainda resta para ser descoberta, e o estrago na economia levará tempo para ser recuperado.

Tudo bem, mas hoje é dia de festa.
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É o fim
Mary Zaidan - Blog do Noblat, 17/04/2016 - 01h20

Entre 130 e 135 votos declarados em um colégio de 513 deputados. Isso é o máximo que a presidente Dilma Rousseff, o ex Lula, o PT e companhia conseguiram arregimentar em meses de despudoradas barganhas para evitar o impeachment. Um fiasco que, independentemente do resultado da votação deste domingo, sepulta o governo.

Sem rodeios: um governo que aposta na omissão como única hipótese de não ser derrotado e que sem qualquer escrúpulo compra a peso de ouro a ausência de parlamentares em sessão de votação, inexiste. Acabou. E há tempos.

Objetivamente, Dilma sempre foi um desastre.

Os anos de seu primeiro mandato já não tinham sido fáceis. Talvez pela herança de casa arrombada que Lula deixou. Mas os desmandos de 2013, como a explosão do crédito e a redução populista das tarifas de energia - uma mistura venenosa de soberba e voluntarismo -, derrotaram de vez a economia. As contas públicas, mesmo pedaladas, começaram a não fechar. A roubalheira na Petrobras emergiu, a seleção brasileira tomou de 7 a 1 da Alemanha, dentro de casa, naquela que seria “a Copa das Copas”.

Dilma se reelegeu depois de, com mentiras e artimanhas, fazer o diabo. Muita mentira, reconhecida até pelo seu inventor. “Tivemos um problema político sério, porque ganhamos a eleição com um discurso e depois das eleições tivemos que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer”, admitiu Lula, em outubro do ano passado.

O governo que já era uma catástrofe conseguiu quase o impossível: piorar. E muito mais.

Em 2015, Dilma fingiu tentar um ajuste fiscal que, por oposição do PT e aliados, pouco saiu do papel. Ainda assim, é ao ajuste fiscal que não existiu – basta olhar o descalabro das contas governamentais -- que Dilma, Lula e o PT atribuem o insucesso do primeiro ano do segundo mandato. Ao ajuste necessário que Dilma não fez, soma-se a Operação Lava Jato, que, de acordo com a inteligência bandida de Lula, emperra o crescimento do país, como se o investigador, e não o meliante, fosse o culpado pelo crime.

E o ano de 2016 não começou. Há meses o impeachment é pauta única. Para evitá-lo, o governo tentou de tudo: comprar deputados com cargos e verbas, incentivar exércitos de movimentos sociais, judicializar até as vírgulas. E, de acordo com a colunista Dora Kramer, pode até decretar Estado de Defesa para valorizar a posição de vítima.

Papel predileto sempre que se veem encurralados, as “vítimas” Dilma, Lula e PT não devem parar por aí. Já fazem correr aos quatro cantos que, se derrotados, vão incendiar o país. Lula garantiu que não sairá das ruas e não dará trégua a Temer. “Não estaremos nessa de união nacional, não vamos colaborar”. Nada de novo, já que nunca colaborou. O PT e ele não assinaram a Constituição de 1988, ajudaram a destituir Collor e viraram as costas para Itamar Franco, demonizaram o Plano Real.

Até aqui, o governo experimentou diferentes adaptações de discursos. Primeiro, taxou a previsão constitucional de impeachment como golpe. Mudou o tom depois de o STF negar a existência de artigos golpistas na Constituição. Passou então a acrescentar a ausência de crime para subsidiar o impedimento. Agora, anuncia que um governo do vice seria ilegítimo, por não vir das urnas, brigando de novo com a Constituição que prevê o vice como substituto do titular.

Os governistas que restam ainda tentam faturar com a impopularidade do deputado Eduardo Cunha, enrolado até acima do pescoço em bandidagens de vários matizes.

Vendem a ideia de que o impeachment é vingança de Cunha, escamoteando o fato de que o rito foi ditado e referendado pela Suprema Corte. E, sem pudor, inventam o cerne do “golpe”: Cunha mancomunou-se com Michel Temer porque na linha sucessória o presidente da Câmara é vice e, portanto, pode vir a substituir Temer. Fazem de conta que não sabem que, desde que se tornou réu, Cunha não pode assumir a Presidência da República.

Põem fogo nos “nem-nem”, que, ao rejeitar Dilma, Temer e Cunha, negariam votos ao impeachment e evitariam a derrota da presidente. Podem até obter sucesso. Mas o resultado pífio da votação, com menos de um terço da Câmara, associado à incapacidade, inépcia e incompetência demonstradas nos últimos anos, inviabilizam por completo Dilma como mandatária.

Aprovado, o impeachment só oficializa algo que há tempos o país já vive: o fim de um governo que não existe.
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Alvorada e Jaburu viraram casas da Mãe Joana
Josias de Souza - 17/04/2016,  04:03

A corrupção em Brasília, uma cleptomania incurável, atingiu o seu ponto mais alto nas articulações a favor e contra o impeachment. Desapareceu até o recato. Os palácios da Alvorada e do Jaburu, projetados por Oscar Niemeyer como residências oficiais do presidente e do vice-presidente da República, foram transformados em casas da Mãe Joana. Sob seus tetos modernistas, pratica-se o troca-troca sem culpa, o vale-tudo sem ressalvas.

Quem não quiser perder a compreensão do que está acontecendo deve levar em conta o seguinte: Dilma Rousseff e Michel Temer negociam o futuro do país com o rebotalho do mensalão e do petrolão. Fazem isso com a mesma pose de líderes realistas obrigados pelas circunstancias a lidar com políticos viciados.

Dilma adota meios sórdidos para alcançar o nobre fim de evitar um golpe contra os valores democráticos. E Temer manda às favas qualquer perspectiva de revisão das práticas que conspurcam a política sob o pretexto de livrar o Brasil da delinquência fiscal e do atraso petista. Ambos oferecem a nódoas como PP, PR e assemelhados a oportunidade de obter prontuários limpos e novos negócios.

Num comício para militantes petistas, Lula resumiu assim a cena: “É uma guerra de sobe e desce. Parece a Bolsa de Valores. O cara está com a gente uma hora e, em outra, não está mais.” O que o morubixaba do PT declarou, com outras palavras, foi o seguinte: os homens de bens da Câmara acompanham a cotação de Dilma e Temer, para investir seus votos naquele que oferecer as melhores perspectivas de lucro. Nesse mercado, você, caro contribuinte, entre com o prejuízo.

A convivência com o vício manjado tem um lado prático. Com ou sem impeachment, não será necessário organizar sondagens sobre o apetite dos aliados. Basta que Dilma ou Temer abram as gavetas para resgatar os anseios de mensaleiros e petroleiros. Gente como o condenado Valdemar Costa Neto, o mandachuva do PR, que saltou subitamente da prisão domiciliar para a ribalta.

Valdemar, citado aqui por ser o exemplo mais notório da desfaçatez, brilha no submundo do fisiologismo há mais de duas décadas. Ele tem experiência em impeachment. Na derrubada de Collor, quando o PR ainda se chamava PL, apressou-se em obter posições sob Itamar Franco. Nessa época, tinha uma queda pela Receita Federal. Ganhou a inspetoria da alfândega do Aeroporto de Cumbica. Ali, mandava mais que FHC e Rubens Ricupero, os ministros da Fazenda de então.

Em declaração de 1995, dada à Folha, Valdemar explicou o porquê do apreço pelo fisco: “Você imagina se tem um cara de poder com problemas na Receita. Você chega e pergunta se o cara pode te arrumar uns 3.000 votos. Você livra o cara e está eleito''. Sobre a alfândega: “O pessoal chega do exterior e pede para liberar a bagagem (…). Às vezes eu mandava um fax pedindo a liberação''.

A farra das nomeações políticas na Receita acabou com a chegada do técnico Everardo Maciel. Mas Valdemar era apenas líder de um periférico PL. Hoje, controla o PR como um cartório de sua propriedade. Do modo como o tratam, vai acabar nomeando não um inspetor de alfândega, mas o secretário da Receita Federal.

De um líder político se espera que fixe padrões morais para os seus liderados. Diante das extravagantes negociações firmadas no Alvorada, no Jaburu e em anexos como o quarto de hotel que Lula converteu em bunker, não sobra no palco nenhum ator capaz de se firmar como uma liderança ética. A cruzada do impeachment descerá aos livros como um marco da falta de ética cujo epílogo será um acordo para livrar Eduardo Cunha da cassação.

Devagarinho, o fisiologismo e a imoralidade vão deixando de ser percebidos como parte do sistema. Passam a ser vistos como o próprio sistema. Tão integrados ao cenário brasiliense quanto as curvas dos palácios de Niemeyer.
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17 de abril, um dia inesquecível
Elio Gaspari, O Globo, 17/04/2016 - 08h02

Por motivos diversos, o dia de hoje será inesquecível para Dilma Rousseff, Lula e Fernando Henrique Cardoso. Em 1984, há 32 anos, esse mesmo 17 de abril tornou-se inesquecível para todos eles. Juntos, deslumbravam-se com o êxito do último comício da campanha das Diretas, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

Foi a maior manifestação popular ocorrida no país até então. Parecia um espetáculo produzido pelos delírios de Glauber Rocha e pela precisão de Francis Ford Coppola. Afora a multidão, a noite habitualmente modorrenta do centrão de São Paulo tinha cantorias, holofotes, a orquestra da Unicamp tocando a Quinta Sinfonia de Beethoven e uma banda com “Cisne Branco”. Tudo isso e mais Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Lula e Fernando Henrique no palanque.

Ninguém seria capaz de supor que no espaço de uma geração acontecesse um rompimento tão radical. Talvez hoje eles nem fossem capazes de lembrar que nesse dia estiveram juntos.

Também não devem lembrar que, no dia 17 de abril de 1997, Fernando Henrique Cardoso estava na Presidência da República, o MST terminou sua marcha sobre Brasília, e 30 mil pessoas entraram no Eixo Monumental. Slogans da marcha diziam:

“FHC vendido entregando o ouro ao bandido” ou “É lutar para vencer e derrubar FHC”. Outro viria a ser profético: “Fernando um, Fernando dois, qual será a merda que vem depois”. Vieram Lula e Dilma. Assim, chega-se ao dia de hoje.

O 17 de abril não é uma data cabalística, mas um dia como os outros. Exposto ao tempo, revela pontos na vida das pessoas. Fernando Henrique Cardoso certamente não lembra que no dia de hoje, em 1964, saiu das casas de amigos onde se escondia desde 1º de abril e embarcou para a Argentina. Penaria o “amargo caviar do exílio”.

Por coincidência o Dops registrava em seu prontuário que ele estivera ligado aos comunistas nos anos 50, “mas nunca mais exerceu qualquer tipo de atividade ou de militância política comunista, socialista ou que fosse”.

Dilma Rousseff talvez nem saiba, mas no dia 17 de abril de 1970 dois militantes da Vanguarda Popular Revolucionária regressaram ao Rio depois de uma reunião com Carlos Lamarca para finalizar o plano de sequestro do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben.

Ela estava na cadeia desde janeiro, e seu nome foi colocado numa lista de presos que seriam trocados pelo diplomata. O embaixador foi sequestrado em junho, mas Dilma não entrou na lista.

José Genoino, ex-presidente do PT, talvez ainda lembre que esteve na marcha do MST de 1997, mas pode ter esquecido que foi no dia 17 de abril de 1972 que uma patrulha do Exército o capturou quando caminhava numa trilha da mata do Araguaia. Ele ia avisar a outros guerrilheiros que o Exército chegara à região.

Foi no dia 17 de abril de 1980 que o governo do último general decidiu esmagar a greve de metalúrgicos do ABC e acabar com a liderança de um tal de Lula. Tomada a decisão, no dia 18 intervieram nos sindicatos, e no dia seguinte prenderam Lula e outras 14 pessoas.

Enquadrado na Lei de Segurança Nacional, ele viraria carta fora do baralho. Vinte e três anos depois, recebeu a faixa presidencial de Fernando Henrique Cardoso.

O rei de copas de hoje pode ir para o lixo (ou bagaço), mas cartas não saem do baralho.

Elio Gaspari é jornalista
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Impeachment de Dilma. “Isto vai acabar mal, qualquer que seja o resultado”
José Pedro Frazão, 17 Abr, 2016 - 09:39  

No programa "Fora da Caixa" da Renascença, Santana Lopes e António Vitorino partilham cepticismo em relação ao desfecho da crise política brasileira, marcada agora pelo pedido de destituição da Presidente Dilma Rousseff.

Dia D (de Dilma) é domingo (mas a palavra final é do Senado)
A convulsão política no Brasil atinge este domingo um ponto alto com a votação do pedido de destituição de Dilma Rousseff do cargo de Presidente da República. O caso pode seguir ainda para o Senado, dando continuidade a uma batalha política que coloca em causa o lugar cimeiro da hierarquia institucional brasileira.
António Vitorino duvida que deste domingo saia uma solução pacificadora para a política brasileira. “A única coisa que sei é que isto vai acabar mal, qualquer que seja o resultado. Uma Presidente que sobrevive a um voto de destituição porque tem com ela apenas um terço dos congressistas sai politicamente ferida de morte. Porque estaria numa situação de enorme debilidade a partir do voto deste domingo”, afirma o antigo comissário europeu no programa “Fora da Caixa” da Renascença.

Já Santana Lopes tem algumas dúvidas sobre essa tese. “Às vezes, mesmo que tenha uma votação pequena, se não perde neste processo, não sei se Dilma não ganha alguma força, não sei. Confesso que é uma personagem política cuja força própria sempre duvidei muito”, acrescenta o antigo primeiro-ministro na Renascença.

A lama suja todos

A política brasileira vive dias de brasa. "Aquilo é um bocado caricato”, opina Santana Lopes. "Quando se anuncia que o partido x está a favor da destituição, os que estão de pé atrás começam aos gritos como se fosse um comício ou estivessem a tratar de um assunto de brincadeira”, descreve o comentador.

Santana Lopes fala numa “onda” anti-Dilma, ressalvando que a Presidente do Brasil "não está rigorosamente acusada de nada”. O antigo primeiro-ministro português esclarece que, não alinhando na tese de um golpe de estado, esta situação configura uma "destituição por razões políticas”.

O ex-líder do PSD assinala que o que se está a passar no Brasil atinge a classe política toda. E António Vitorino recorda que quase não há políticos brasileiros que não sejam associados ao escândalo da Operação “Lava Jato”.

“A dificuldade é depois saber se aquela lista tem alguma credibilidade. Porque a partir de certa altura, vão todos os nomes para a fogueira. Os justos e os pecadores são tratados da mesma maneira. Do ponto de vista da estabilidade do regime, isso torna muito problemático o que se está a passar neste momento do Brasil. Não estou a dizer que seja um golpe de estado. Acho que há aqui uma vertigem autofágica do sistema politico brasileiro. E os protagonistas ainda não perceberam que estão todos a atirar também nos pés”, afirma António Vitorino na Renascença.

O antigo comissário europeu compara este escândalo com o que abalou Itália nos anos 90, com profundo impacto na vida política italiana.

“Eu vivi a operação ‘Mani Polite’ (Mãos Limpas) em Itália, nos anos 90, e tenho a terrível sensação de ‘deja-vu’. Eu já vi isto. Na Itália havia um sistema de loteamento na distribuição das luvas nos concursos públicos, em função da representatividade de cada um dos partidos a nível nacional e regional. Foi isso que esteve na base da grande operação que começou na Procuradoria de Milão que destruiu depois o Partido Democrata Cristão Italiano, o Partido Socialista Italiano, o próprio Partido Comunista não saiu incólume destas suspeitas. Estamos a viver exactamente uma situação desse género. O escândalo Petrobrás é um escândalo de loteamento de luvas em que todos os partidos estavam associados à quota. É difícil encontrar um que não tenha culpas no cartório”, argumenta o comentador da Renascença.

Sistema disfuncional

E a seguir, quem virá? "Se não correr muito mal há de emergir alguém em democracia. Talvez um daqueles novos governadores que possa assumir alguma posição liderante”, alvitra Santana Lopes que não ficou agradado com a prestação do vice-presidente Michel Temer, tal como António Vitorino.

O antigo ministro do PS lembra que Temer é o segundo na linha de sucessão de Dilma e critica a conduta política deste politico brasileiro.

“Ele já disse que se a Presidente sobreviver, ele também não sai do lugar. Ou seja, ele tenta derrubá-la, mas se por caso falhar ele não sai do lugar dele. Isto revela um grau zero da vergonha e do pudor na política. O que indicia um problema mais de fundo, para além das personagens em concreto. O sistema é profundamente disfuncional, manifestamente em desequilíbrio politico. O Brasil precisava de tudo neste momento menos de uma crise institucional”, remata António Vitorino.
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E agora?
Ana Maria Machado, O Globo, 16/04/2016 - 16h11

"Este é tempo de partidos, tempo de homens partidos."
O eco de versos de Drummond nos acompanha nestes dias.

"Esse é tempo de divisas, tempo de gente cortada."

Um tempo em que estamos diante de uma escolha de Sofia, tendo de optar entre situações repelentes. Qualquer que seja a alternativa, o resultado será desastroso, deixará ressentimentos, frustrações, cobranças, hostilidade, um clima impossível para reconstruir a economia destruída e a convivência política em frangalhos.

Não se discute uma agenda ou um projeto, o país está paralisado, o governo fica só às voltas com seu balança-mas-não-cai, a comprovar que, embora tenha decidido que está acima das leis, não consegue se desvencilhar da lei da gravidade.

E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?

Vira-se a página mas a agonia não acaba. Pior ainda… a festa era ilusão, mal deixou lembrança boa. Mas fomos arrastados a essa situação. Mesmo quem sempre soube que não se trata de golpe mas inicialmente não era favorável ao impeachment, cansou de esperar em vão que se colocassem outras alternativas além dessa punição prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal.

À medida que as coisas avançaram, constatados os crimes de empréstimo proibido de bancos públicos, sobretudo em ano eleitoral, e mais os créditos não autorizados pelo Congresso, em vão se passou pelo cartão amarelo das advertências e ressalvas dos tribunais no exame das contas.

Em vão se esperou um reconhecimento do erro, um pedido de desculpas, uma garantia de não repetir o crime, uma explicação que fosse além da mentira de dizer que era necessário por causa dos benefícios sociais e não por benesses a empreiteiros e campanhas eleitorais de marketing milionário.

Como se a ínfima proporção estatística do Bolsa Família e outros programas pudesse fazer frente aos gastos exorbitantes que ajudam a compor a Bolsa Amém, de compra de apoio e créditos subsidiados.

E quem preferia não seguir para o trauma do impedimento acabou tendo de ceder para não ser cúmplice da impunidade, diante do desprezo à responsabilidade como valor e das descaradas manobras de obstrução da Justiça, incluindo até termo de posse antecipado para o caso de necessidade e edição extra do Diário Oficial, em meio a um crescendo de ataques às instituições e de provocação às pessoas de bem.

O ideal para evitarmos que as coisas chegassem a esse ponto seria termos parlamentarismo. A Constituição de 88 até caminhara nesse sentido, mas acabou dando nesta coisa híbrida e estéril onde atolamos, porque interesses de presidenciáveis na ocasião impediram que ela confirmasse o que seu arcabouço se preparara para acolher.

Só que não é hora de querer essa saída como casuísmo, só para se livrar da crise imediata. Tem de ser amadurecido, numa discussão equilibrada e sempre recusada. E agora, José?

Debate amadurecido anda em falta. Ainda outro dia, o ex-ministro do STF Ayres Brito se queixava de que o debate está infantilizado e maniqueísta, na base do herói ou vilão e é necessário um chamamento ao entendimento. Vamos precisar muito disso na reconstrução do país.

Por exemplo, deve-se criticar os excessos e qualquer atitude ilegal nas investigações mas quem tem de dar a última palavra sobre isso é o Supremo, não uma campanha sistemática de desqualificação das instituições dirigida à opinião publica nacional e estrangeira.

Equilíbrio e sensatez são fundamentais para sairmos dessa insanidade geral. Para o bem do país é preciso unir o Brasil acima dos partidos e das torcidas inflamadas, assumindo responsabilidade pelas decisões a tomar e passando confiança à nação, sem o pensamento mágico infantil de se apresentar como Salvador da Pátria ou pintar o adversário como o inimigo público número 1.

Há tarefas muito duras pela frente, quando só no estado de São Paulo mantém-se há mais de um ano a média diária de 13.000 demissões e 20 fábricas fechando. Como assinalam Cesar Benjamin e outros, o ciclo de distributivismo sem reforma que marcou os governos do PT foi superficial e já terminou. E agora, José?

Essas reformas necessárias têm de ser discutidas a sério — e não apenas na economia ou na legislação trabalhista. Estamos vivendo uma profunda crise na democracia representativa, que leva o eleitor a não se sentir representado por quem elege.

Seja porque as campanhas marqueteiras mentem e enganam, seja porque o sistema partidário trai o voto, tem partido demais, deputado demais, qualidade de menos, ética de menos. Democracia é meta, não pode ser tática eleitoreira. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Procuro a citação exata que me dança na memória. Você marcha, José, para onde? Abro a antologia a esmo e encontro outro poema, “Pneumotórax”, de Manuel Bandeira. Talvez seja a resposta para estes dias tristes:

A vida inteira que podia ter sido e não foi. (…) A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Ana Maria Machado é escritora
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Nada para comemorar
Dorrit Harazim -  O Globo, 17/04/2016 - 10h05

Aviso a quem festejar com arroubos cívicos o final da votação de hoje no Congresso, fadada a culminar com o triunfo de um dos brasis em confronto: nada há a comemorar. Este domingo 17 de abril em que o país assiste à etapa-chave do rito de impeachment da presidente Dilma Rousseff representa um dia de derrota nacional. Para todos, inclusive quem festejar até o sol raiar.

Um país que desde 1945 só conheceu quatro transmissões de faixa entre presidentes eleitos deveria ter tido mais zelo por suas instituições antes de permitir que elas sejam testadas com atalhos constitucionais.

Ao contrário do que ocorreu no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, 24 anos atrás, as parcelas de responsabilidade por este domingo amargo acabarão sendo amargas para todos.

A começar para a disfuncional ocupante do Palácio do Planalto, encalacrada em pedaladas fiscais, responsável por uma economia em ruínas, abandonada por eleitores fieis até seis meses atrás, e respingada pelo lamaçal de corrupção do petrolão. Dilma decepcionou, mas manteve intacta sua honestidade pessoal.

As responsabilidades se estendem ao comando do PT, que até hoje não achou necessário tratar a militância com maturidade e com ela debater o mensalão e o petrolão. Já são duas as gerações de companheiros que aguardam em vão essa prestação de contas.

No momento a responsabilidade maior se concentra nos 513 bípedes que nos representam na Câmara dos Deputados, somados aos 81 com assento no Senado Federal.

Ali os instalamos através de eleições legislativas de representação proporcional, e dali exercerão seu poder de voto e veto ao mandato da presidente sitiada. Ao resto do país cabe o papel duplo de protagonista e plateia desse capítulo em aberto da História do país.

“Aqueles que abrem mão de liberdades essenciais para obter alguma pequena segurança temporária”, ensinou Benjamin Franklin séculos atrás, “não são merecedores nem de liberdade nem de segurança”.

Pois o Congresso Nacional está coalhado dessa espécie que nada merece. A começar pelo presidente da Casa e chefe da fila julgadora, Eduardo Cunha, cuja lista de crimes levantados pela Operação Lava-Jato empalidece as acusações arroladas para justificar o impeachment de Dilma Rousseff.

Segundo dados da Transparência Brasil citados por Simon Romero, do “New York Times”, 60% das excelências do Congresso têm no currículo acusações de corrupção, fraude eleitoral, sequestro, homicídio ou desmatamento ilegal.

Um terço da tribo legislativa também tem a biografia entrelaçada às delações premiadas da Lava-Jato e talvez sonhe em ver tudo apagado na euforia de um admirável mundo novo — o Brasil pós-Dilma.

Certamente nunca ouviu as palavras do americano — “Aqueles que abrem mão de liberdades essenciais...”

A cena que melhor retrata o déficit cívico de Brasília e ofende os milhões de brasileiros angustiados com o descarrilamento da vida nacional foi produzida esta semana pelo Corregedor da Câmara, deputado Carlos Manato, e seu companheiro de partido Paulinho da Força, ambos do Solidariedade.

Foi uma cena que pode ter parecido inofensiva diante do drama maior, ou bem humorada em meio à tensão política. “Não passou de brincadeira”, disseram seus autores. Nem eles nem os demais congressistas que dela participaram sequer perceberam o quanto ela foi insultuosa, quase obscena.

Sem qualquer constrangimento Manato e Paulinho, ambos favoráveis ao afastamento da presidente da República, iniciaram um bolão entre os colegas sobre o placar da votação do impeachment. Cada aposta custava R$ 100.

Manato, cuja campanha foi abastecida em parte com dinheiro de empresas envolvidas na Lava-Jato, tem por função, como corregedor parlamentar, “manter o decoro, ordem e disciplina no âmbito da Câmara dos Deputados”. Esta semana, ele circulou pelos corredores da Casa com uma pasta que continha a lista e o dinheiro arrecadado.

Quanto ao deputado Paulo Pereira da Silva, um dos principais aliados de Eduardo Cunha, o ar rarefeito de Brasília deve tê-lo feito esquecer o real valor de R$ 100 para um trabalhador no resto do país.

O bolão do impeachment é a cara do Brasil que acha que tem algo a comemorar no dia de hoje.


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