terça-feira, 6 de maio de 2014

Esticando o atraso cultural

"(...)
Esta semana, surgiu uma notícia para lá de bizarra, que causou a indignação – e com razão – de muitos leitores brasileiros. A notícia é a seguinte: Uma escritora, com recursos do Ministério da Cultura, alterou e reescreveu a obra O Alienista, de Machado de Assis, com o intuito de facilitar e incentivar a leitura para os jovens que não leem as obras machadianas. O nome desta escritora é Patrícia Secco.
'Entendo por que os jovens não gostam de Machado de Assis. Os livros dele têm cinco ou seis palavras que não entendem por frase. As construções são muito longas. Eu simplifico isso', disse Patrícia à Folha.

Pois bem, vamos lá Patrícia! Eu também entendo o porquê da minha irmãzinha não gostar muito do quadro O Nascimento de Vênus, de Botticelli, mas nem por isso eu tenho o direito de colocar a boneca Barbie em cima da concha, no lugar da deusa Vênus, né? Seria uma grande afronta.
(...)"
(RENAN PEREIRA - página "Homo Literatus", 06 de maio 2014)
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Pois é...pois é.  Certas coisas vão minando a esperança da gente em qualquer melhora da situação educacional e cultural neste país.
Fiquei tão espantada que meu comentário foi o mais idiota: 'Se a moda pega, 'tâmu lascado...'
Mas, pensando bem, é isso mesmo! Aí é que se perde a direção de vez.
Infelizmente, uma corrente de "mudernos especialistas" certamente defenderá a ideia esdrúxula de que é preciso facilitar o aprendizado, democratizar o acesso às grandes obras e na esteira desses argumentos (aliás, não são argumentos, mas me falta a palavra no momento, desculpem) vem o despreparo não apenas cultural - a palavra cultura é polissêmica, viu? - mas a impossibilidade de se construir um país que tenha voz no contexto mundial.

Depois de assistir à entrevista de um professor da USP, soube que nos Estados Unidos e na Inglaterra é utilizada a estratégia de simplificação da obra de Shakespeare para que os jovenzinhos possam entendê-lo. Compreensível, uma vez que o grande poeta e dramaturgo viveu há cinco séculos e a linguagem deve ter sofrido mudanças significativas.
Entretanto, sua atualidade permanece com a crítica sutil de uma sociedade que embora mude seus costumes é impotente quanto à essência da condição humana.

Machado publicou "O Alienista" no século XIX em  linguagem perfeitamente entendível nos dias atuais.

Mas aqui, na terrinha simpática do carnaval e do futebol, é assim: tudo facilitado. Tudo sempre nivelado por baixo... muito baixo.

Então alguém que conclua o ciclo de estudos do Ensino Médio não possui recursos para ler e entender os grandes autores em sua forma original?
E o estilo, responsável pela originalidade e individualidade da escrita? E o talento? Nada disso vale mais?
O que é que vale? A historinha? O enredo? O tema?
Ôôô...me poupem, por favor!

Não se está aqui tratando de gosto literário, não é isto. Mas para dizer que se gosta ou não de um livro, de um determinado autor, é preciso um mínimo de conhecimento sobre a obra, o que - num círculo vicioso - só se adquire...lendo!
Nem todos gostarão de Machado de Assis, nem todos se tornarão leitores de Guimarães Rosa.
Também não há problema algum em não gostar de autores consagrados. O que é esquisito é não saber, não conhecer nada e dizer que não gosta.
Em qualquer área do conhecimento, os padrões são construídos a partir de leituras; a informação criteriosa é que fornece condições para se desenvolver os parâmetros do gosto pessoal.
Enfim... é outra história.

A arte na literatura não está no que se escreve, mas em COMO se escreve, assim como o peso ou leveza das palavras não está no falar, mas em COMO falar...
E, claro, no momento atual, esse COMO precisa ser da maneira mais explícita, mais aberta, assim como se abriram as comportas da ignorância e da preguiça mental.

Mais uma vez informo: esse blog é meu, a opinião é minha e quem quiser discordar sinta-se à vontade.

Como diz o autor da notícia: "Machado de Assis é fácil, difíceis são seus leitores."

Para bom entendedor...
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Mais uma notinha: "Machado NÃO está se revirando no túmulo coisa nenhuma. Conhece melhor que ninguém a alma humana, não é assim? Aliás, ele não "tá nem aí". Sua missão foi muitíssimo bem cumprida, o que talvez não se possa dizer de alguns dos intelectuais  por aqui.
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