domingo, 28 de dezembro de 2014

"A vitória do mal...

Para muuuita reflexão:


Trechos finais de “A VITÓRIA DO MAL E A FALÊNCIA DAS RELIGIÕES”
Alberto Coutinho – em “Obvious – Recortes”

(...)
“Na medida que se aprofunda no caminho do individualismo/egoísmo o homem moderno se molda à imagem daquilo que o capitalismo tem de pior que é interpretar a vida como um produto descartável que, combinado com o instinto de sobrevivência, faz o homem voltar a ser lobo do próprio homem. O pacto social já não basta para evitar este canibalismo, pois a nossa capacidade de ferir, machucar, levar a dor, sofrimento e morte aos mais fracos se supera a cada século. 
Tal conclusão embora trágica é uma constatação histórica baseada em fatos materiais, estatísticas e vivenciadas por milhões de pessoas diariamente pelo nosso mundo.

A felicidade do próximo não tem o menor valor e a satisfação imediata das necessidades ou superfluidades individuais é o que importa mesmo que outros estejam sendo prejudicados e que no final não sobre nada para nossos filhos e netos.

Nesse contexto em que a felicidade coletiva perde sua importância, as religiões se transformaram no maior estimulador desse individualismo/egoísmo ao valorizar a fuga individual da morte para um paraíso improvável em detrimento da construção do reino de paz aqui e para todos. 
Muitos religiosos planejam sua ida para um paraíso sem ao menos manifestar preocupação pelos amigos, filhos, mães, pais, maridos e esposas que supostamente amam mas não ligam se vão sofrer com queimaduras que nunca cicatrizam, conforme a pregação de um ardoroso líder cristão.

Outro exemplo desse individualismo/egoísmo estimulado pelas religiões majoritárias é que a maioria dos religiosos modernos dificilmente se preocuparia com quem está faminto, com quem sofre com as guerras, ou padece de doenças. Caso atentem para o fato de que existem seres humanos que sofrem, seu interesse maior é o de "levar a palavra" e contabilizar mais alguém que conheceu "a palavra" por seu intermédio, garantindo assim a salvação egoísta de sua própria alma. 
Ao expor tal pensamento para um adepto de umas das inúmeras correntes protestantes fui surpreendido com a seguinte frase: “Tem que ter uma compensação... eu vou ser bom e não ganho nada com isso?”  
Isso ilustra o atual quadro do cristianismo em nosso globo.

Outro lado mais cruel desses religiosos se revela diante das frases repetidas fartamente quando interpelados sobre o sofrimento alheio:  "É falta de deus", "Isso que dá não aceitar a Jesus", ou ainda " é tudo adorador de imagem, por isso deus castiga". 
Frases essas sempre acompanhadas dos versículos, capítulos e livros habilmente memorizados para "vencer" qualquer debate.

Essa falência por parte das religiões majoritárias em promover e estimular o bem coletivo se deve ao fato de que estas se afastaram dos ensinamentos do fundador da religião cristã (Jesus).  Muito embora os ensinamentos de Jesus sejam fartamente verbalizados aos gritos nos locais de cultos, sutilmente o sentido prático do bem foi substituído por atitudes puramente reflexivas e/ou contemplativas que nos coloca à mercê da vontade de um ser superior cuja submissão e adoração (ou adulação) nos levariam às suas graças e assim estaríamos livres e protegidos do castigo eterno, independente de estarmos colaborando para tornar esse mundo um lugar pior.

Outro aspecto que fortalece esse afastamento da religião do bem real foi o banimento da ciência, da racionalidade e da lógica. 
Ao infundir a obrigatoriedade da fé cega e não tolerar questionamentos que poderiam servir de exemplo de tolerância para o progresso humano, as religiões majoritárias afastaram as mentes mais críticas e preparadas contribuindo assim com o ceticismo não apenas em relação a um ser supremo e superior mas principalmente em relação ao próprio bem.

Com isso,  o mal dominante decorrente desse individualismo ganhou como aliada a ignorância que espalhou a falsa ideia de que o bem supremo provém de uma fonte divina e externa aos homens, retirando nossa responsabilidade de agir e promover esse bem. 
A crença no improvável e o sacrifício da inteligência,  para os religiosos modernos, se configurou como porta larga para um hipotético céu de facilidades e ócio. 
Essa crença no invisível pode ainda trazer um certo conforto egoísta para alguns, que creem cegamente na salvação de sua alma sem o esforço do exercício das virtudes ensinadas por Jesus, mas está longe de resolver o problema da dor e do sofrimento em escala global.
(...)

A humanidade poderia estar num rumo bem diferente caso as religiões mantivessem seu compromisso de orientar a humanidade ao invés de acender nosso histórico espírito de animosidade e competição fermentadas pela superstição e ignorância. 
Deveriam as religiões cristãs estimularem uma existência dignificante onde a assunção das virtudes do Cristo nos conduziria a uma vida pacífica sem preocupações com a violência, guerras e a opressão do mais forte

A diferença de conceitos religiosos, rituais e as formas diferentes como outros povos interpretam a divindade não seriam motivos de preocupação nem de competição, mas de enriquecimento cultural e de alianças, pois os conceitos de amor ao próximo são inerentes a todos os cultos que se propõem a uma aliança com um ser maior. 
Nessa utópica sociedade a maior glória seria a morte digna com a certeza de que ajudamos a deixar o mundo melhor para nosso filhos e netos.
Tal sociedade só se localiza no campo da utopia pois a religião cristã, em parte graças às condições históricas que se estabeleceram como a interferência do império romano e a reforma protestante, foi contaminada pelo espírito bélico, pelos interesses políticos e egoístas.

Assim, estes acontecimentos colaboraram para transformar a religião em força de dominação onde aqueles que não estivessem em sintonia com as ideias dos lideres estavam contra o próprio deus.

O mais trágico é que todo o peso da história teria seu efeito diminuído se o ser humano não tivesse também essa propensão ao mal e soubesse ler nas entrelinhas dos ensinamentos de todas as religiões que, independente da existência ou não de um deus ou uma espiritualidade além da morte, o que temos de certo e concreto é esse mundo e a convivência uns dos outros e que somente a prática do bem de forma despretensiosa poderá livrar nossos filhos e netos da triste herança que estamos deixando para eles. 
Não basta não fazer o mal,é preciso fazer o bem.


*            *            *

Adagio in G Minor (Albinoni)




quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

2015 está vindo...


Para entrarmos juntos no Ano Novo ali em frente
André J. Gomes - in "Revista Bula"

Tem um Ano Novo ali em frente. Viu? Nós já podemos entrar. Mas vamos com calma. Todos nós cabemos lá. Tem espaço e tem tempo pra você e para mim e todo mundo. Os mesmos trezentos e sessenta e cinco dias que nos cabem estão lá, esperando. O Ano Novo ali em frente já deu as caras. Está no ponto, os motores ligados, os dias organizados em fila indiana, as estações aguardando sua vez de acontecer.

Tem um Ano Novo ali em frente. Olha como é bonito em sua roupa nova, seu cheiro de tinta fresca, seu hálito doce de cachorro filhote lambendo o nariz da gente. Olha! Esse entusiasmo sincero de aluno novo, essa beleza de gente esforçada. Porque pouca coisa nesse mundo tem a graça honesta de quem se empenha no trabalho como quem dá jeito na vida! O Ano Novo ali em frente é uma delas. Está pronto, o coração aberto, as mãos operosas ansiando pelo que será.

Fácil não há de ser. Nunca é. Vai doer. Sempre dói. E talvez a dor piore com o tempo e a idade. Mas tentar ainda é o único jeito de fazer. Tem um Ano Novo ali em frente e eu tenho uma porção de votos para nós. Não repare no jeito, na pressa, mas daqui a pouco é meia-noite do dia 31 e se a gente não corre o prazo acaba e a mágica se perde.

Primeiro, eu desejo a você e a mim um pouco mais de leveza. Aliás, “um pouco” não. Eu desejo que no Ano Novo ali em frente a vida seja muito mais leve para nós. Não estou pedindo menos trabalho, menos afazeres e compromissos e prazos mais brandos. Nada disso. Eu só quero que vá longe o peso morto e inútil das picuinhas que grudam na vida feito carrapatos famintos. Então, libertos de tanta intriga e tanto fardo e tanta bobagem, você e eu seremos simplesmente mais leves e soltos em nosso caminho no Ano Novo ali em frente.

Que nesse caminho sobrem trabalho e saúde, amor e amigos. Que o solzinho manso do sábado de manhã e o vento amoroso do domingo à tarde escorreguem gentis para o resto da semana. E que as noites sejam carinhosas conosco. Que cada dia do Ano Novo ali em frente seja bom de lembrar como o primeiro encontro perfeito entre duas almas gêmeas ou, pelo menos, muito parecidas. Você sabe esses encontros memoráveis em que a gente se pega, horas depois de se despedir, repassando mentalmente diálogos inteiros, um sorriso descarado na cara? É o que eu desejo para nós no Ano Novo ali em frente.

Depois, eu desejo que para cada idiota em que tropeçarmos por aí, a vida nos traga um dia inteiro de boas notícias. E como nunca faltam cretinos em qualquer canto, que o Ano Novo ali em frente seja para nós uma sequência infinita de boas novas.

Que na esteira de cada porrada que nos sobre no meio dessa briga feia de um dia depois do outro, apareça sempre alguém pedindo ajuda e que nós possamos ajudá-lo no Ano Novo ali em frente.

O ódio, a intolerância, o preconceito, a empáfia, a maldade, a indiferença, nada disso será bem-vindo no Ano Novo ali em frente. Melhor se ajeitarem no passado lá atrás.

Que os insultos e as esculhambações se percam na brisa fresca e franca da esperança. Que o mal desista de uma vez por todas. Para o bem de todos nós. E que as balas perdidas prossigam assim, perdidas, até se tornarem inofensivos pedaços de chumbo exaustos do disparo, despencando vencidos no fim. E que esse fim seja nada senão um muro duro, uma montanha vazia, o tronco de uma árvore centenária e sobrevivente, alheia a qualquer intempérie, nunca alguém de carne e osso e sonhos. Para que ninguém mais se machuque.

Quanto àqueles que querem ver você na rua da amargura, que sejam atropelados por um caminhão de amor na avenida dos afetos.

E que apesar de todos os nossos erros, você e eu sigamos levando a vida com correção e decência.

Eu desejo tudo isso, sim. Desejo profundamente. Porque vontade rasa não realiza nada.

E, sobretudo, eu desejo que a gente sonhe, sonhe muito. Sonhe juntos. E se o sonho não virar realidade, que a realidade vire sonho!

Tem um Ano Novo bem ali. Vamos a ele. Vamos a nós. A gente se vê por lá.

Feliz Natal!

Feliz Ano Novo ali em frente!


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segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Flagrante


Recebido da amiga Therezinha Almeida:  "Aqui no Rio é assim..."

Rio de Janeiro
Dezembro 2014
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domingo, 21 de dezembro de 2014

Sakamoto e o fim do ano...



Não dá para dizer que o intenso e inexplicável 2014 acabou até a solenidade de corpo presente às 23h59 do dia 31 de dezembro. Afinal, este ano é ardiloso. Ele fica à espreita e faz de tudo para não deixar jornalista descansar. E, quando menos se espera, apronta mais uma. Afinal, quem diria que ocorreria o anúncio de restabelecimento de relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos aos 45 do segundo tempo do ano?  Portanto, tenho até medo de fazer uma retrospectiva e, de repente, outra jaca gorda cair do pé onde menos se esperava.

A crônica de 2014 ainda precisa ser devidamente escrita, pois 2014 valeu por uma década, para bem e para mal. Mas é sempre saudável relembrar o que aconteceu, seja para fazer balanço, seja porque o final de dezembro é sempre ruim de pauta mesmo.

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Leonardo Sakamoto In: Blog do Sakamoto

sábado, 20 de dezembro de 2014

"Sobre a Resiliência... e a vontade de abandoná-la"

francesca_woodman.jpg
Francesca Woodman
SOBRE A RESILIÊNCIA
E a vontade de abandoná-la 
Larissa Caramel - em "Obvious Magazine - Literatura"



O que desejo é libertar
todas as minhas fraquezas,
chorar até que acabe o fôlego,
dormir até que os dias melhorem,
afogar-me em toda a piedade gratuita,
pedir todo o carinho e os abraços que me faltam,
tornar-me a vítima que tenho todo o direito de assumir.
Mas desejar nem sempre é poder, ou permitir,
então engulo o desânimo e a dor
e sigo a encarar, todos os dias,
todas as pessoas que sempre
só perceberão o que te falta,
sem tempo para entender
as dificuldades
do que
te cabe.
Assim sigo,
independente
de como me sinto,
arrastando os
dias como posso,
resgatando sonhos,
tentando acreditar
que as coisas boas vão, sim,
perdurar, enquanto durar
este pequeno intervalo,
criado por novos anos
que tão logo acabam,
e que aprendemos
a chamar de vida.

*        *        *

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Hoje, no Rio

Braços abertos para o fim de semana e para um lindo amanhecer.


Foto: Thiago Lontra/ Agência O Globo
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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

"O poder da burrice"


O poder da burrice  (trechos) 
Valter Nascimento - em "Obvious Magazine"

A humanidade sempre buscou classificar o saber em suas mais variadas formas. O saber científico, filosófico e artístico. 
Aristóteles classificou as formas de saber, Kant e Descartes estudaram as abordagens ao saber e Hegel criou uma metodologia do saber. 
Unimos esforços em saber mais, conhecer mais, propagar o saber por todos os meios. 
Preservamos o saber em bibliotecas, em arquivos virtuais e em nossas mentes. 
Mas pouco se sabe sobre o não-saber. 
A burrice, como coisa desprendida da constelação dos saberes, não é coisa com que nos preocupemos. 
Ela é o assunto encerrado de nossa roda de botequim. Fulano é burro. Ponto final. A burrice de Fulano não afeta a minha vida. 

O que a internet me ensinou é que a burrice não tem limites, não tem tamanho, não é medida ou sequer classificada. Burros, ignorantes e imbecis são dentro deste balaio de gato um único monstro de muitas cabeças. 

Fugimos dela exibindo a fiel confiança em nossos estudos, leituras e experiência. 
Nos julgamos estar livres dela graças a nossa força cultural, o nosso orgulho e sensação de posse de um saber indestrutível. 
Mas a burrice é maleável, caímos em suas armadilhas sem perceber. E ela está cada vez mais rica e bilionária, ela é poderosíssima.

Quando dizemos que tal pessoa é burra podemos estar caindo no erro de classificar todo tipo de não-saber como burrice. Não é assim. 

Se Fulano não sabe ler, não é burro, mas iletrado ou ignorante. 
Pode-se ser analfabeto e ainda assim ser capaz de julgar e pensar de maneira inteligente. 

Há, ainda, a falta de inteligência, coisa ainda difícil de se classificar. 

Como inteligência é uma coisa relativa, cada um sabe daquilo que precisa saber.

Se dizemos então que tal pessoa comete atos de burrice, ela não é essencialmente burra. 
O que comete atos de burrice por não saber a verdade das coisas é ignorante, pois ignora algo, mas pode vir a descobrir novas coisas no futuro. 
As terminações são muitas e os conceitos se misturam.

Quero falar apenas da burrice consciente, severa e terminal, a burrice aceita como "opinião", "liberdade de expressão", justamente a burrice mais nociva e ainda mais difícil de classificar.

Vou logo avisando que este texto é apenas uma tentativa. 
Se vários filósofos falharam em classificar todo o saber do mundo, eu é que não vou tentar fazer a mesma coisa com a burrice.

O que eu quero dizer é que existe um tipo de pessoas que são burras por preferência. 
Um tipo de ser humano que repete ideias equivocadas não por não saberem, mas por saberem e ainda assim ignorarem o que sabem. 
São pessoas que estiveram expostas ao saber e ainda assim o recusaram. São os burros de fato.
(...)

Não ser burro não implica em nos tornarmos todos intelectuais. 

A intelectualidade é fruto de um processo longo. 
Para nós, gente comum, bastaria apenas questionar nossas ações mais do que as dos outros. 
Não ser burro é não se colocar no lugar de vítima, é não tirar de nós a responsabilidade que temos sobre nossas vidas. É não aceitar o mais fácil, o mais lucrativo, o mais simples. 
É criar o gosto pela virtude, e por virtude entenda tudo o que nos faz melhor para nós e para os outros. 
É não pesar pessoas com medidas diferentes, não considerar cultura apenas o que gostamos, não achar que não saber seja mais fácil do que saber. Porque não é. 
A ignorância tem seu preço. Ser burro custa caro. 
Só temos uma vida para viver, só temos uma chance de fazermos as coisas darem certo. 
Essa é a verdadeira sabedoria, a de saber viver. O resto é apenas burrice.

Ninguém combateu mais a burrice do que Michel de Montaigne, por isso indico alguns livros dele ou sobre ele que ensinam mais sobre a arte de viver:


- Ensaios, de Montaigne. Editora Penguin / Companhia das Letras.


- Quando brinco com a minha gata, como sei que ela não está brincando comigo?, de Saul Frampton. Editora Record.


- Como viver ou Uma biografia de Montaigne em uma pergunta e vinte tentativas de resposta, de Sarah Bakewell. Editora Objetiva.


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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Culto do espelho - Marcia Tiburi

Culto do espelho
Selfie e narcisismo contemporâneo

Marcia Tiburi –  (trechos) Revista Cult, Ed. 194

(...)
Não se pode dizer que a invenção da fotografia digital tenha intensificado apenas quantitativamente a arte do autorretrato.
Selfie não é fotografia pura e simplesmente, não é autorretrato como os outros.
A selfie põe em questão uma diferença qualitativa. Ela diz respeito a um fenômeno social relacionado à mediação da própria imagem pelas tecnologias, em específico, o telefone celular.
De certo modo, o aparelho celular constitui hoje tanto a democratização quanto a banalização da máquina de fotografar; sobretudo, do gesto de fotografar.
O celular tornou-se, além de tudo o que ele já era, enquanto meio de comunicação e de subjetivação, um espelho.

Nosso rosto é o que jamais veremos senão por meio do espelho. Mas é o rosto do outro que é nosso primeiro espelho. O conhecimento de nosso próprio rosto surge muito depois do encontro com o rosto do outro.
Em nossa época, contudo, cada um compraz-se mais com o próprio rosto do que com o alheio.
O espelho, em seu sentido técnico, apenas nos dá a dimensão da imagem do que somos, não do que podemos ser.
Ora, no tempo das novas tecnologias que tanto democratizam como banalizam a maior parte de nossas experiências, talvez a experiência atual com o rosto seja a de sua banalização.

Culto do espelho:
(...)
A autoimagem foi, desde sempre, fascinante. Daí o verdadeiro culto que temos com os espelhos.

A história clássica de Narciso vitimado por sua imagem na água alertava sobre o perigo de perder-se em si mesmo, o risco da autonarcotização com a própria aparência.
Assim é que Narciso é o personagem da autoadmiração, que em um grau de desmesura, destrói o todo da vida.
Representante da vaidade como amor à máscara que todos necessariamente usamos para apresentarmo-nos uns diante dos outros, Narciso foi frágil diante de si mesmo.

Não escaparemos dessa máscara e de seus efeitos perigosos se não meditarmos no sentido do
próprio fato de “aparecer” em nosso tempo.
Por trás da máscara deveria haver um rosto. Mas não é esse que o espelho captura.
(...)
No tempo da exposição total criamos a dialética perversa entre amar a própria imagem, sermos vistos e acreditarmos que isso assegura, de algum modo, nosso existir.

No tempo da existência submetida à aparência, em que falar de algo como “essência” tem algo de bizarro, talvez que, com a selfie fique claro que somos todos máscaras sem rosto e que este modo de aparecer seja o nosso novo modo de ser.

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Gente que julga...

Visitando algumas páginas de que gosto muito - no facebook - me deparo com uma postagem interessante, ilustrada com a fotografia de Simone de Beauvoir.

Quer saber? O nome da página onde li o comentário é "Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso", aliás, uma página linda, bem elaborada e com ótimo conteúdo.

Li a mensagem e também o único comentário do post. Transcrevi abaixo, para não esquecer que, muitas vezes, somos julgados por uma parcela do que somos ou fazemos. Nunca se vê o todo, nunca se pensa que uma pessoa é muito mais do que aquilo que está exposto.


Foto: "Na infância, na adolescência, a leitura não era apenas minha distração predileta, mas também a chave que me abria o mundo. Ela me anunciava meu futuro: identificando-me com heroínas de romance, através delas pressentia meu destino. Nos momentos ingratos de minha juventude, salvou-me da solidão."

—Simone de Beauvoir
"Na infância, na adolescência, a leitura não era apenas minha distração predileta, mas também a chave que me abria o mundo. Ela me anunciava meu futuro: identificando-me com heroínas de romance, através delas pressentia meu destino. Nos momentos ingratos de minha juventude, salvou-me da solidão."
—Simone de Beauvoir

Comentário de alguém que, provavelmente, se sente autorizada a julgar os outros:

"...pena que não salvou sua vida, já que era dependente de heroína, e wisky,  fumava 50 a 100 cigarros por dia e foi se autodestruindo e destruindo o dom que tinha para escrever e expressar tanto os sofrimentos como as hipocrisias humanas.... Morreu sozinha num hospital de Paris, sem ter compreendido em profundidade o sentido da vida...."
**

Vou fazer o mesmo - 'julgar' a comentarista, uma tal de  "Marie Daconsciencia" ... que até pelo codinome (espero que seja mesmo um codinome...rssrs) já nos permite deduzir o tamanho do ego.
Será que com o comentário a pessoa quis demonstrar erudição, conhecimento ou foi apenas uma escorregadinha no esnobismo?

Outra perguntinha: será que a comentarista já  "tem compreendido em profundidade o sentido da vida" ?

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quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Filme da tarde- "As aventuras de Pi"

Fui à aula de pintura na parte da manhã. Voltei caminhando, com uma colega de curso, a Lúcia.
Meio dia, muito calor e um sol mesmo de verão.
Cheguei muito cansada, fiz o almoço apenas para mim e, depois de um banho, deitei no sofá da sala...acordei eram quase quatro da tarde.
Um desses canais a cabo iniciava o filme "As aventuras de Pi". Sem vontade de fazer nada fiquei ali assistindo a um linda e poética história.


Inspirado no livro "A vida de Pi", escrito em 2001 por Yann Martel, me pareceu uma fábula, cheio de símbolos e ensinamentos.

É a história de Pi, (competente atuação de Surai Shama) um garoto de  Pondicherry, na Índia,  cujo verdadeiro nome é Piscine (em homenagem à Piscina Molitor, em Paris), hoje aos 40 anos é entrevistado por um jornalista sobre suas incríveis aventuras como único sobrevivente do naufrágio que dizimou toda a sua família.

Seu pai era dono de um zoológico e, por motivos financeiros, decide recomeçar a vida no Canadá.
O navio que levava a família  e os animais do zoo naufraga em pelo Oceano Pacífico.
Ficam à deriva em um pequeno bote o rapaz Pi, uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre de Bengala.

Começam então os mais extraordinários acontecimentos , tendo como sustentação na trama vários indícios de religiosidade tanto oriental quanto ocidental.

Embora não seja o gênero que mais aprecio, valeu pelas belas imagens, efeitos especiais e mesmo pelos diálogos, evidentemente poucos (apesar de que o garoto 'conversa' bastante com o tigre....).

O final também é interessante.

Enfim, ajudou a passar o final de tarde.


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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Pura identificação


Serviçal do inutilitarismo
Ronaldo Coelho Teixeira - na página "Acidez crônica"

Filho dos espelhos borgeanos, sobrinho dos heterônimos pessoanos, neto dos versos sertanejos de Patativa e bisneto da eterna saga quixotesca sigo, cavaleiro andante e errante, combatendo heroicamente meus moinhos de vento.

O primeiro afirmou que bastam dois espelhos para se construir um labirinto. No meu caso, tive (ainda tenho?) de lidar com três: um, do Sistema; outro da escola; e o terceiro da família. Só por isso, dá pra perceber o quanto ainda estou perdido.

O segundo percebeu que só se dividindo em várias figuras poderia suportar esse alucinado velho mundo novo. Mas, distante do gênio português, eu celebro timidamente meus protótipos de transferência pra poder suportar as agruras. Por isso, quando perguntam de mim, eu sou puro Dylan: - Não estou lá!

O terceiro viveu e cantou a vida sertaneja simples, mas heroicamente forte, como já disse o criador de “Os Sertões” e corroborou o grande Ariano. De origem severina, eu também sei da fome de ser.
E o último viu que os dragões da vida real são difíceis de se matar. Optou por combater seus fantasmas. Enquanto eu labuto com meus diabinhos espertalhões e pequeninos, mas hábeis na sua tarefa diária de tentar me desequilibrar.

Isso tudo pra dizer que sim, sou mais um carregador de água na peneira, como bem disse outro grande, o Manoel, sobre o que seja ser poeta.

E esse é o quiprocó: o que é e para que serve a poesia? Muitos já tentaram definí-la, esmiuçá-la, estripá-la, deglutí-la. Mas ela, como uma esfinge, continua ali indiferente e onipresente feito um deus ou um pinguim de geladeira.

Apesar de todas as inovações tecnológicas, continuamos necessitando dela. Vide as pesquisas do Instituto Pro-Livro em 2007 e em 2011 “Retratos da Leitura no Brasil” que apontaram a poesia como um dos gêneros mais lidos. Mas sim, ela é necessária. Ao menos por causa das satisfações intelectuais e afetivas que provoca. E isso, no meu caso, basta.

Autodidata, um ignorante por conta própria como disse Quintana, o que me salva é que a minha ignorância não é especializada, ou seja, ninguém poderá me acusar de nada. (Contribuição do saudoso Millôr).

Sigo contemplando o abismo, mas cuidando para não ser por ele destruído.E já que o Samurai não me aceitou como criado, continuo – espantado e atordoado –um serviçal do inutilitarismo e do inecessário e um eterno aprendiz de mim.

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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Um tempo...

Há mais de uma semana não venho aqui.
Não estava com vontade de relatar nada, embora o carrossel continue girando ao som da musiquinha repetitiva.
Assim têm corrido os dias, em rota circular, aqui e ali uma paradinha para subir ou descer algo ou alguém.
(...)

"Cai o rei de Espadas
Cai o rei de Ouros
Cai o rei de Paus
                                               Cai, não fica nada." (Ivan Lins e Vitor Martins)
**

Estive encrencada algum tempo por burrice, teimosia, seja lá o nome que tenha a coisa.
Insisti em estar com pessoas que absolutamente nada têm a ver comigo. Não poderia mesmo dar certo. Felizmente consegui desvencilhar-me sem muitos estragos. Não quero confusão mas também não me faço mais de idiota.  Chega.
**

Sem planos ou projetos, a vida segue naquela chatice sem fim. Não é hora nem ocasião de me comprometer com nada, de dar início a nada, Então tá...

Em casa até que está bem melhor. Tenho cuidado mais das coisas, produzido telas novas. Estou pintando um geométrico bem trabalhoso e, caso se confirme o pedido, já tem endereço certo.

Na maioria das vezes, sinto-me bem feliz assim isolada, meio afastada das pessoas e dos acontecimentos.  Claro que também bate aquele sentimentozinho bobo da indiferença alheia, mas logo me recobro.  É assim mesmo.  A vida vai seguindo e nos levando ao destino final que acaba sendo o mesmo pra todo mundo.
(...)
"Por cima uma lage, embaixo a escuridão.
                    É fogo, irmão, é fogo, irmão!"  (VInícius de Moraes)

Não adianta, hoje mesmo respondi a um desses testes malucos de 'personalidade' - onde mais? No facebook, a terra de ninguém... e o tal teste apontou que meu pensamento se realiza musicalmente.

Recebi convite para um evento cultural no próximo sábado, dia 6  em Resende. Não me decidi ainda. Sou mesmo um bicho do mato...
(...)
No mais, "a gente vai levando, a gente vai levando..." (Chico Buarque)



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