Serviçal do inutilitarismo
Ronaldo Coelho Teixeira - na página "Acidez crônica"
Filho dos espelhos borgeanos, sobrinho dos heterônimos pessoanos, neto dos versos sertanejos de Patativa e bisneto da eterna saga quixotesca sigo, cavaleiro andante e errante, combatendo heroicamente meus moinhos de vento.
O primeiro afirmou que bastam dois espelhos para se construir um labirinto. No meu caso, tive (ainda tenho?) de lidar com três: um, do Sistema; outro da escola; e o terceiro da família. Só por isso, dá pra perceber o quanto ainda estou perdido.
O segundo percebeu que só se dividindo em várias figuras poderia suportar esse alucinado velho mundo novo. Mas, distante do gênio português, eu celebro timidamente meus protótipos de transferência pra poder suportar as agruras. Por isso, quando perguntam de mim, eu sou puro Dylan: - Não estou lá!
O terceiro viveu e cantou a vida sertaneja simples, mas heroicamente forte, como já disse o criador de “Os Sertões” e corroborou o grande Ariano. De origem severina, eu também sei da fome de ser.
E o último viu que os dragões da vida real são difíceis de se matar. Optou por combater seus fantasmas. Enquanto eu labuto com meus diabinhos espertalhões e pequeninos, mas hábeis na sua tarefa diária de tentar me desequilibrar.
Isso tudo pra dizer que sim, sou mais um carregador de água na peneira, como bem disse outro grande, o Manoel, sobre o que seja ser poeta.
E esse é o quiprocó: o que é e para que serve a poesia? Muitos já tentaram definí-la, esmiuçá-la, estripá-la, deglutí-la. Mas ela, como uma esfinge, continua ali indiferente e onipresente feito um deus ou um pinguim de geladeira.
Apesar de todas as inovações tecnológicas, continuamos necessitando dela. Vide as pesquisas do Instituto Pro-Livro em 2007 e em 2011 “Retratos da Leitura no Brasil” que apontaram a poesia como um dos gêneros mais lidos. Mas sim, ela é necessária. Ao menos por causa das satisfações intelectuais e afetivas que provoca. E isso, no meu caso, basta.
Autodidata, um ignorante por conta própria como disse Quintana, o que me salva é que a minha ignorância não é especializada, ou seja, ninguém poderá me acusar de nada. (Contribuição do saudoso Millôr).
Sigo contemplando o abismo, mas cuidando para não ser por ele destruído.E já que o Samurai não me aceitou como criado, continuo – espantado e atordoado –um serviçal do inutilitarismo e do inecessário e um eterno aprendiz de mim.
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