Coisas que você vai pedir, mas Papai Noel não vai trazer
Eberth Vêncio - "Revista Bula", 20 de dezembro de 2013
Lamento empatar o seu amigo oculto, arranhar a lataria do espírito natalino que se apoderou da redoma planetária nos últimos dias, mas, existem certas coisas que você vai pedir ao Papai Noel e ele não vai trazer de jeito nenhum. Eu sei que já estou até ficando com fama de escritor maldito de tanto destilar as mazelas humanas nos meus textos, portanto, se você prefere sair para doar (se desfazer) a sua sacola de roupas velhas e puídas para os relegados de um asilo ou, ainda, se propõe a assistir da última fila, por questões de presbiopia e segurança, ao coral de facínoras desafinados da penitenciária local cantando o Jingle Bells, ao invés de ler esta crônica burlesco-natalina, fique à vontade.
Cada um que domestique os seus demônios nesse inferninho misterioso denominado vida.
Conversando com os meus botões, consultando a árvore genealógica dos dilemas e das celeumas, listei um punhado de reivindicações natalinas que muitos, por ingenuidade ou má fé, farão ao artrítico velhinho nos próximos dias e, claro, ficarão fora do trenó, não por falta de espaço (o trenó e a paciência de Papai Noel são enormes), mas sim, por falta de sensatez, porque o tempo não para, um caminhão carregado de bananas ladeira abaixo não para, e as mulheres tagarelas também não param de falar.
São os imponderáveis do viver. Eis a inconveniente lista:
Um relógio cujos ponteiros rodem para trás.
Que pedido mais besta. Você não pensa em fazer as henas rirem, pensa? Até porque hena é arbusto, meu chapa. Aprenda: os quadrúpedes voadores que arrastam trenós pelos céus de brigadeiro chamam-se renas, escreve-se com érre.
Depois que a bala saiu do cano fumegante, depois que a bola cruzou completamente a linha divisória do campo, depois que as belas se deixaram fotografar nuas pelos celulares dos namorados, depois que as palavras saíram impensadas da garganta, depois que o último emiéle de esperma foi semeado em terreno fértil, não há nada mais o que se possa fazer.
O tempo — cruel como só — não somente não para, como jamais retrocede. O tempo age como um psicopata e jamais sente remorso pela miserável condição humana.
A paz na terra.
“Eu sei que a vida parece uma merda, meu filho, mas procure relevar…” — disse-me mamãe, enquanto coava o café.
Não sei se é pelo excesso de pensamentos ou de cafeína, mas, desde que um raio caiu na coivara e acendeu o ódio nos corações dos nossos cavernosos ancestrais, eu ando descrente à beça com os desígnios da humanidade.
Apesar do tema “paz na terra” servir de excelente mote aos compositores de música gospel e de repertório palpitante para a ladainha dos padres nas missas dominicais, eu não consigo, por mais que me esforce, conceber que, nalgum dia, os homens se sentarão ao redor de uma mesa para tomarem café com broas de milho, sem que algum deles tente se apoderar da bandeja inteira.
A dominação, a violência, a crueldade simplesmente exercem um fascínio incrível sobre o ser humano. Vejam a mamãe, por exemplo: ela matou a minha fome de vingança com uma reles xícara de café mais três biscoitos de queijo. Esta, sim, uma mulher senil merecedora, senão de um Prêmio Nobel da Paz, do Troféu Aventalzinho de Ouro da Dona Ofélia.
Um ex-amor do passado.
Não seja estúpido, gracinha. Se a pessoa em questão é um ex-amor, fica implícito que ela pertença ao passado. Isto não é pleonasmo literário, mas, uma tolice redundante da sua parte.
Papai Noel não é uma cigana gorda para sair por aí restaurando castelinhos de amor.
Pior que se submeter ao ridículo de implorar para ser amado é reivindicar ao obeso da farda vermelha com pompons que traga de volta um amor que se acabou. Mesmo que esteja combalido ou acometido pela Doença de Alzheimer, Papai Noel não é idiota. Você, sim, parece um animalzinho irracional (uma rena saltitante, na melhor das hipóteses), ao pedir que alguém volte a lhe amar como nos velhos tempos. Isso é muito constrangedor, muito mais constrangedor do que o tiro que eu pretendo dar indagorinhamesmo na rena voadora que pousou no meu terraço.
Adendo: encomendei ao pançudo escarlate um fuzil israelense de uso exclusivo do crime organizado no Rio, e ele vai doá-lo ao exército brasileiro. Vai ser bonzinho assim lá na Faixa de Gaza.
A boa e velha dignidade de volta.
É mais fácil pedir “muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”.
Falando em negócios, a Copa do Mundo de Futebol está chegando e tem muita gente por aí cobrando que Papai Noel e Papai do Céu façam, não uma nova dupla sertaneja, mas, uma parceria exitosa com Joseph Blatter, para que o triunvirato nos presenteie com mais um título mundial, providência fundamental para ir tocando em frente a vida. Tipo assim, como se Blatter comprasse o árbitro, Noel descesse perigosamente pela direita, cruzasse na área e Deus — numa jogada milagrosa — metesse de bicicleta a bola na gaveta.
Eu me pergunto, aturdido, entregue, resignado, puto da vida: o que seria deste país se não existisse o futebol? Uma nação mais cidadã, quem sabe.
A capacidade de voltar a sonhar.
Sei que está meio em cima da hora, mas fica aqui um pedido pessoal ao velhinho do trenó cor de sangue. Vai que cola…
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