domingo, 5 de maio de 2013

ROSANA HERMANN - 'Prato cheio de vida'


Comida, comédia, comídia
Rosana Hermann

Todo mundo diz que ‘você é o que você come’. É uma afirmação clichê, mas que faz sentido, porque o alimento que você ingere passa a ser parte de seu corpo. Ou seja, parte de você.

Mais além, pessoas que já mudaram padrões de alimentação de forma radical, como carnívoros que passaram a ser vegetarianos, sabem que a alteração da dieta muda não apenas nossa a parte fisiológica, mas também a emocional.

Seguindo esse raciocínio, se o alimento que ingerimos altera o que somos, podemos dizer que o que consumimos através dos meios de comunicação também causa alterações importantes no nosso comportamento. A comida que vem da mídia, a ‘comídia’, certamente influencia nosso humor.

Quer um exemplo? Você começa a consumir notícias de crimes, violência, mortes, sem parar. Depois de um tempo você sente que está contaminado com algo que você descreve genericamente como ‘um certo baixo astral’. Você pode quase ver aquela nuvenzinha dos desenhos animados seguindo sua cabeça e emanando pequenos raios de irritação e mau humor. É batata.

A mesma coisa acontece com o consumo desenfreado de comédia. A pessoa passa os dias vendo vídeos trash de humor, piadinhas, tirinhas e tudo que contém LOL. Não sei se há estudos que comprovam, mas suspeito que excesso de LOL possa causar apatia ou abobalhamento, se ingerido continuamente durante alguns anos. :)

O fato é que hoje, quando a obesidade é uma epidemia global e atinge até mesmo crianças, a sociedade começa a se preocupar com a alimentação. Lemos os ingredientes dos produtos industrializados, diminuímos o sal, controlamos o colesterol, fazemos mais exercícios. Parece uma boa medida para uma qualidade de vida melhor.

Mas… e a nossa comídia? O alimento trash que estamos consumindo na TV e na Internet? Será que estamos atentos para os nutrientes que estamos dando pros nossos cérebros? Será que assim como as doenças do corpo que se ressente com o excesso de conservantes químicos, nosso cérebro não sofre consequências do consumo excessivo de bobagens? Será que a bobagem não é só um tempero e nós a transformamos em alimento, como se estivéssemos almoçando um pote de orégano?

Tem dias que eu tenho certeza que sim. É muita gente sem noção, incapaz de raciocinar, de formular um pensamento. Muita gente aplaudindo maluco, transformando idiotas em ícones, agindo com boa intenção, mas gerando exatamente o efeito contrário do desejado. Deve ser efeito colateral da comídia que estamos engolindo.

A mídia, como a indústria de alimentos, só quer dinheiro. Faz sentido, o mundo é capitalista e hedonista, todos nós queremos dinheiro e prazer. E, em busca do caminho mais curto, do clique mais fácil, a indústria alimentícia enche tudo de sal, gordura e açúcar, para produzir guloseima atraentes. A indústria da mídia enche tudo de fofoca, bizarrice e humor, para atrair nossa curiosidade. Claro que ninguém aqui está pregando um mundo sem tempero nem uma mídia sem besteirol, mas tempero é tempero, não é prato principal. Mas é o que virou. Tem muita gente que passa o dia comendo fritura e lendo fofoca. Ou comendo farinha e ouvindo funk.

Claro que é bom comer coxinha e ver pegadinha, tomar tubaína e ver a twitcam tosca da menina, assistir um vídeo de um coitado comendo um bacon bem passado. Churras na laje, com muita piada e pouco traje, excelente. É tudo bom, só que mata quando consumido em excesso.

Mas somos todos livres. A vida é sua, caso você queira jogá-la fora.

Somos o que consumimos. E o que tenho visto no grande buffet da mídia e no self-service das redes sociais é de explodir as artérias de qualquer um.

Comida, comédia, comídia.
Aprecie com moderação.

*            *            *

Nenhum comentário:

Postar um comentário