Sir Alfred Joseph Hitchcock (Leytonstone, Londres, 13 de agosto de 1899 — Bel Air, Los Angeles, 29 de abril de 1980) |
Alfred Hitchcock: um mestre da manipulação
Graça C. Moniz - 'Obvious', página do facebook
Tinha realizado mais de 50 filmes, várias nomeações para Oscar e algumas vitórias, conquistara o título de Sir, além de uma imagem cada vez mais lendária no mundo da crítica do cinema (graças, principalmente, a um grupo de jovens fãs franceses e aspirantes a cineastas, incluindo François Truffaut e Claude Chabrol, que escreviam no final dos anos 50 e início dos anos 60 para a revista francesa mundialmente famosa “Cahiers du Cinema”).
Na verdade, os seus filmes, desde clássicos como Sabotage (1929) até posteriores thrillers mais dark, como Marnie (1964), eram entendidos como verdadeiros manuais escolares sobre a arte ilustrada de criar suspense.
Ele era, assumidamente, o mestre do suspense. Foi considerado, ao lado dos mestres do filme mudo como D.W. Griffith, um verdadeiro pioneiro por ter mudado a forma e o significado daquilo que era transmitido através do ecrã.
Hitchcock era conhecido pelo seu desprezo pelos diálogos. Segundo o próprio, o diálogo era uma ferramenta do palco, enquanto um filme era, antes de tudo, visual.
O resultado deste estilo marcadamente visual é visível na maioria dos dramas hitchcockianos, sendo comum o recurso ao silêncio para adensar a apreensão e pouco frequentes os diálogos, ainda que com a presença constante das sinistras produções de Bernard Herrmann, o compositor preferido de Hitchcock.
Este estridente clímax que muitas vezes Sir Alfred queria transmitir está muitíssimo bem retratado na famosa cena de assassinato filmada no Royal Albert Hall, em O Homem que Sabia Demais (1956). São 12 minutos sem qualquer diálogo ao som das notas estripadas de Storm Clouds, do compositor australiano Arthur Benjamin.
Também em Pássaros (1963), Sir Alfred recorre a um simples movimento de câmara, enquanto a heroína Melanie Daniels (Tippi Hedren) se senta num banco no pátio da escola de Bodega Bay para fumar tranquilamente um cigarro.
Aqui, enquanto vão surgindo pássaros num baloiço atrás de Melanie, e esta inocentemente segue com o olhar o voo de um corvo no céu, a câmara afasta-se também para seguir o corvo. Quando o pássaro pousa no baloiço descobrimos, graças ao regresso da câmara à posição anterior, que a estrutura do baloiço está literalmente carregada com os pássaros assassinos.
E, de novo, a música: um coro de crianças a anunciar a tragédia (incrível o quão sinistro pode ser um coro de vozinhas suaves e delicadas a cantarolar tão harmonicamente).
Esta técnica tornou-se um marco para os filmes de terror e é normalmente usada para as heroínas ou para vítimas em frente aos espelhos.
Já em Rear Window (1954) - Janela Indiscreta - tentou levar este conceito ainda mais longe, fazendo um thriller num apartamento - aqui, não por qualquer razão experimental, mas antes por imposição da imobilidade do protagonista, o fotógrafo na cadeira de rodas L.B. Jeffries desempenhado por James Stewart.
As emoções induzidas neste filme são quase nauseabundas no momento em que Jeffries se torce e contorce, desesperado e impotente, ao ver a sua namorada Lisa Fremont (Grace Kelly) lutar contra o assassino Thorwald (Raymond Bur) no apartamento oposto ao de Stewart.
O “observador indefeso” é um marco nos thrillers modernos (basta pensar em Blow-Out, de Antonioni, ou Dressed to Kill, de Brian DePalma, ou em Disturbia, de D.J. Caruso e com Shia LaBeouf, no qual um adolescente de castigo vê um assassino do outro lado da rua, frente ao seu quarto).
E seria um crime esquecer, por um lado, as reviravoltas de última hora nas tramas de filmes como Vertigo, Stage Fight e Psycho, finais "saborosos" e repentinos que inspiraram a carreira de realizadores como M. Night Shyamala (O Sexto Sentido) e, por outro, as irônicas “participações especiais” de Hitchcock, com aparições breves nos seus filmes, sublinhando o seu próprio gênio e simultaneamente espalhando a sua arrogância.
Alguns dos filmes feitos por Hitchcock começam por contar enganosamente historinhas triviais sobre ninharias, explorando lugares comuns mas que de repente se transformam em revelações assombrosas.
A morte de Judy (Kim Novak) em Vertigo é particularmente insensível e macabra – a queda da torre é quase humor negro… Tal como a morte de Marion Crane (Janet Leight) em Psycho.
Além de todas as suas habilidades e criações indiscutíveis, o legado de Hitchcock é uma faca de dois gumes.
A crueldade, a maldade e o humor negro marcam toda a sua obra. Quem sabe foram usadas como coups de cinema para estimular ainda mais o suspense, mas podem também ser lidas, em retrospectiva, como o início da estética do niilismo moderno.
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