segunda-feira, 24 de junho de 2013

XICO SÁ - para acalmar os ânimos...


Amor de passeata
Xico Sá - Folha de S.Paulo, 24 de junho de 2013

A onda de manifestações também deixa seus amores, seus quase amores, suas paqueras à espera de uma certa primavera, suas promessas de felicidade dispersadas à base das balas de borracha.

Amor de passeata pode durar apenas um beijo, amor de troco, amor tipo 20 centavos, amor de passeata é amor volúvel que pode durar apenas uma palavra de ordem, abaixo alguma coisa e pronto.

Amor de manifestante é amor de causa… Depois daquela noite cada um vai cuidar de salvar a própria pele em outra barricada.

Amor de passeata é o amor que conjuga o verbo ocupar no sentido mais amplo: eu te ocupo, tu me ocupas e nós ocupamos juntos o espaço sideral dos nossos sonhos, meu amor de  Barbarella.

Amor de passeata é do tipo toda forma de amar vale a pena, tipo assim o melhor cartaz contra o Feliciano: “meu cu é laico”.

A falta de uma causa bem definida também pode ser um bom motivo amoroso. A história como pano de fundo, mesmo em um triângulo que ocupa mais a banheira do que as ruas, a causa com bouquet de vinho francês, por que não? Viva Paris 68 no retrovisor dos passos da rapaziada de hoje.  Afinal de contas o amor por si já é uma puta bandeira e acaba empurrando para as ruas naturalmente -estou falando, evidentemente, do  filme que ilustra esse post, “Os Sonhadores”, do gênio Bernardo Bertolucci.

Amor de passeata também pode lembrar, caro Marechal, aquele maluco do “bloco do eu sozinho”, cá do Rio de Janeiro, cada um com o seu motivo de protesto em busca de um cordão de isolamento.

Amor de passeata é indecifrável como foi inicialmente a onda dos manifestos. Amor de passeata é rachado, porque meu partido é um coração partido, como disse o poeta do Baixo.

Pode ser anarco-punk o amor no meio do tumulto, faça você mesmo, não espere o movimento tomar corpo.

Duro é proteger a amada, a amante, no meio daquela nuvem de efeito moral e covardia fardada.

A passeata também é uma boa hora para dar um sacode naquele amor acomodado, aquele amor oficial que repete as práticas demodês, aquele amor ressentido, resquícios autoritários, aquele amor que gostava de política ainda no Collorgate.

Manifeste-se, Lola, contra esses tempos de homem frouxo, o homem de Ossanha, aquele do samba do Vinícius e do Baden, o cara do diz que vai-não-vou, eterno chove-não-molha.

Duro é amar de verdade, pois o amor, assim como o mar dos protestos, não tem uma pauta definida. Decifra-me ou me apavoro, ameixas, ame-as ou deixe-as, já avisou o cartaz do samurai-polaco.

Em compensação, quando vinga, o amor de passeata é por muito tempo… E o fim, um dia, quem sabe, será com as lágrimas sinceras do luto, vai lembrar que vocês se conheceram chorando gás lacrimogêneo.

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