terça-feira, 17 de março de 2015

Breve análise de "V" - 'Homo Literatus'



Arte: Sueli Madeira (*)
(*) Pintei essa tela em 2011, muito antes de virar 'modinha'


V de Vingança, revolução e outros problemas
José Figueiredo - in 'Homo Literatus'

Chega ser irônico que V tenha como inspiração Guy Fawkes, um católico exasperado disposto a matar e destruir pela fé. 
A Revolução da Pólvora, que acabou nunca acontecendo, era nada mais que a tentativa de colocar no poder um sistema autoritário com ecos de Inquisição Espanhola. 
V, por seu turno, vive num mundo onde um sistema autoritário domina uma Inglaterra alternativa (versões alternativas da História são a especialidade de Alan Moore; veja-se Watchmen, por exemplo) e tenta derrubá-lo usando preceitos do Anarquismo e do Socialismo.

V pode representar várias perspectivas do mundo contemporâneo e de suas facetas: a maioria silenciosa que opera contra um sistema estabelecido por achá-lo autoritário; a insurgência de anônimos da sociedade frente ao poder estabelecido; o desejo da maioria silenciada por liberdade e condições mais dignas de vida. 
As possibilidades interpretativas de V são múltiplas e multifacetadas; todas, porém, correm sob o signo da revolução.

Embaixo da máscara há um homem com desejos de luta e mudança (quer ele seja um representante de um coletivo, quer seja um homem apenas que não represente ninguém). 
O mundo em seu entorno é uma mistura cruel de 1984, de George Orwell, misturado com o Terceiro Reich (Adam Sutler e Adolf Hitler têm tantas semelhanças e pontos de contato, o que torna difícil saber onde um termina e outro começa). 
Em meio a esse mundo, V representa a tentativa de mudança da massa estagnada nos seus medos e receios, mesmo sabendo que está sendo oprimida “pelo bem de todos e da nação”. 
Aqui a misteriosa figura por trás da máscara nunca se revela, podendo ser um dos muitos grupos oprimidos por Sutler, por seu partido totalitário e  por seus discursos, coincidentemente, semelhantes aos da então primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher.

É interessante que hoje vários movimentos diferentes e antagônicos tenham como base e inspiração a mesma figura, todos gritando por liberdade, mudanças e um suposto mundo melhor. 
Alan Moore, ao ver que o grupo Anonymus começou a usar as máscaras de Guy Fawkes, disse estar satisfeito com o rumo e o impacto da sua obra. 
V se tornou um símbolo de quem quer algo diferente do que está estabelecido, e sua história a base de como uma pessoa em meio à massa pode ser a pólvora (perdão pelo trocadilho) de uma revolução da massa. 
A tentativa de implodir o establishment por dentro, mostrando suas deturpações e bizarrices, é o caminho para um futuro melhor – e tudo passa, mais uma vez, pela informação ou conscientização da maioria silenciosa e estagnada.

Mas cuidado aos que leem V de Vingança e o clamam como um canto ao apartidarismo ou a falta de ideologia. 
O homem por trás da máscara tem ideias bem definidas: de Bakunin a Thoureau, passando por Hannah Arendt, George Orwell. 
Ele é uma síntese do pensamento de esquerda a pender ao anarquismo como via de solução ao mundo moderno e suas complicações. 
O momento histórico em que foi escrito, de uma retomada do liberalismo econômico e de avanço de pautas retrógradas feito por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, sempre sobra V de Vingança no discurso de ódio a grupo minoritários “que nos causam problemas”.

Sabe-se muito bem que o discurso humano, por mais neutro que seja, é carregado pela ideologia de quem o transmite (Foucault, Benveniste e outros mostram-nos esse fato claramente).

V representa a mudança para um mundo mais perto da igualdade e união dos homens, não sendo um veículo do ódio entre semelhantes (mas um expurgo aos que subjugam estes).

V representa a mudança constantemente ansiada pela sociedade, mas nunca traduzida em ações concretas.


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