quinta-feira, 5 de março de 2015

EBERTH VÊNCIO - Revista Bula


Em São Paulo, a cada dia, uma pessoa enlouquece
Eberth Vêncio - colunista "Revista Bula"

Há certas coisas que acontecem no mundo que você nem se dá conta. 
No mundo, a cada dez minutos, alguém pega AIDS e o controle remoto da TV. Nos países miseráveis da África, a cada cinquenta anos, um negro come a alcatra de alguém que já morreu. 
Em Brasília, a cada quinzena, quinhentos correligionários saem para jantar juntos e tramar contra o erário. 
No Congresso Nacional, a cada semestre, dez deputados investem quase todas as suas economias obtidas com propina para abrir uma pizzaria no Plano Piloto. 
Na sede campestre do Supremo Tribunal Federal, a cada final de semana, ou um juiz cava um pênalti, ou anula um gol legítimo. A torcida vai à loucura. 
No Brasil, a cada quatro anos, um malandro veste a sua armadura de vidro e, na cara dura, garante que vai salvar a pátria amada.

Nos manicômios das cidades cosmopolitas, a cada mês, uma ponte desiludida pula de um homem. Nas contas do capeta, a cada cinco minutos, compra-se um milhão de almas, sem a exigência de CPF no cupom fiscal. 
Na Academia Brasileira de Letras, a cada semestre, dez imortais lançam laudos de cateterismo muito elogiados pela crítica da liga dos cardiologistas. No coração de um pensador, a cada hora, uma esperança morre. 
No teto estrelado, a cada noite, escorre uma lágrima de luz em prol do ser humano. 
Nos cafés de Paris, a cada cinco anos, cerca de vinte poetas escrevem o melhor poema de suas vidas.

Na Amazônia brasileira, a cada meia hora, meio hectare de floresta nativa se transforma em duzentas penteadeiras-de-puta e dez Maracanãs para boi comer. 
No baixo meretrício frequentado pelo alto clero, a cada enxadada, uma minhoca. 
No paraíso, a cada século, nega-se a entrada de cinco mil homens-bombas. Quanto às virgens, nenhum sinal delas. 
No inferno, a cada inverno, um bilhão de almas penadas insiste em dar o fora e reencarnar nos bebês fofinhos. 
Na minha cidade, a cada dia, cinquenta carros novos são emplacados, ao passo que cinquenta árvores são trocadas por placas de proibido respirar.

Em Pasárgada, a cada triênio, o rei manda extraditar um milhão de supostos amigos. 
Na caatinga, a cada estiagem anual recorde, quinhentos urubus cogitam dominar todas as carniças do mundo. Em São Paulo, a cada dia, uma pessoa enlouquece. 
Na Cidade Maravilhosa, a cada mês, cinco balas perdidas são encontradas em massas encefálicas pelos garimpeiros do IML. 
No mundo do crime organizado, a cada dia, mata-se um leão e oitenta homens, sejam eles culpados ou inocentes.

No Vaticano, a cada ano, um padre pedófilo entra pelo cano e é enviado para exílio em Liliputi. 
Nas maternidades da Síria em guerra civil, a cada três dias, uma dezena de fetos assustados tenta, em vão, retornar para dentro dos úteros maternos. 
Em todo o território nacional, a cada verão, setenta clínicas de aborto são fechadas por causa de férias coletivas dos profissionais de saúde. 
Nas bancadas evangélicas de todo o território nacional, a cada mandato de quatro anos, nenhum deputado homoafetivo sai do plenário, quem dirá, do armário.

Nas unidades de terapia intensiva do mundo inteiro, a cada turno de doze horas, aproximadamente sete mil pacientes terminais encontram força o bastante para confessarem às enfermeiras que, se pudessem voltar ao início, viveriam suas vidas de forma diferente.

No céu, a cada hora, um arcanjo sugere que Deus vá embora, e comece a coisa toda do zero, noutro limbo de escuridão absoluta.


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