Em São Paulo, a cada dia, uma pessoa enlouquece
Eberth Vêncio - colunista "Revista Bula"
Há certas coisas que acontecem no mundo que você nem se dá conta.
No mundo, a cada dez minutos, alguém pega AIDS e o controle remoto da TV. Nos países miseráveis da África, a cada cinquenta anos, um negro come a alcatra de alguém que já morreu.
Em Brasília, a cada quinzena, quinhentos correligionários saem para jantar juntos e tramar contra o erário.
No Congresso Nacional, a cada semestre, dez deputados investem quase todas as suas economias obtidas com propina para abrir uma pizzaria no Plano Piloto.
Na sede campestre do Supremo Tribunal Federal, a cada final de semana, ou um juiz cava um pênalti, ou anula um gol legítimo. A torcida vai à loucura.
No Brasil, a cada quatro anos, um malandro veste a sua armadura de vidro e, na cara dura, garante que vai salvar a pátria amada.
Nos manicômios das cidades cosmopolitas, a cada mês, uma ponte desiludida pula de um homem. Nas contas do capeta, a cada cinco minutos, compra-se um milhão de almas, sem a exigência de CPF no cupom fiscal.
Na Academia Brasileira de Letras, a cada semestre, dez imortais lançam laudos de cateterismo muito elogiados pela crítica da liga dos cardiologistas. No coração de um pensador, a cada hora, uma esperança morre.
No teto estrelado, a cada noite, escorre uma lágrima de luz em prol do ser humano.
Nos cafés de Paris, a cada cinco anos, cerca de vinte poetas escrevem o melhor poema de suas vidas.
Na Amazônia brasileira, a cada meia hora, meio hectare de floresta nativa se transforma em duzentas penteadeiras-de-puta e dez Maracanãs para boi comer.
No baixo meretrício frequentado pelo alto clero, a cada enxadada, uma minhoca.
No paraíso, a cada século, nega-se a entrada de cinco mil homens-bombas. Quanto às virgens, nenhum sinal delas.
No inferno, a cada inverno, um bilhão de almas penadas insiste em dar o fora e reencarnar nos bebês fofinhos.
Na minha cidade, a cada dia, cinquenta carros novos são emplacados, ao passo que cinquenta árvores são trocadas por placas de proibido respirar.
Em Pasárgada, a cada triênio, o rei manda extraditar um milhão de supostos amigos.
Na caatinga, a cada estiagem anual recorde, quinhentos urubus cogitam dominar todas as carniças do mundo. Em São Paulo, a cada dia, uma pessoa enlouquece.
Na Cidade Maravilhosa, a cada mês, cinco balas perdidas são encontradas em massas encefálicas pelos garimpeiros do IML.
No mundo do crime organizado, a cada dia, mata-se um leão e oitenta homens, sejam eles culpados ou inocentes.
No Vaticano, a cada ano, um padre pedófilo entra pelo cano e é enviado para exílio em Liliputi.
Nas maternidades da Síria em guerra civil, a cada três dias, uma dezena de fetos assustados tenta, em vão, retornar para dentro dos úteros maternos.
Em todo o território nacional, a cada verão, setenta clínicas de aborto são fechadas por causa de férias coletivas dos profissionais de saúde.
Nas bancadas evangélicas de todo o território nacional, a cada mandato de quatro anos, nenhum deputado homoafetivo sai do plenário, quem dirá, do armário.
Nas unidades de terapia intensiva do mundo inteiro, a cada turno de doze horas, aproximadamente sete mil pacientes terminais encontram força o bastante para confessarem às enfermeiras que, se pudessem voltar ao início, viveriam suas vidas de forma diferente.
No céu, a cada hora, um arcanjo sugere que Deus vá embora, e comece a coisa toda do zero, noutro limbo de escuridão absoluta.
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