quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Casualmente...


Dia desses precisei ir a Resende e, como sempre acontece, já "bateu" aquela má vontade. Verdade. Não gosto de sair de casa, ainda mais para resolver coisinhas do cotidiano. Fazer o quê?

Sei que posso perambular pelo bairro comercial o dia inteiro e não encontrar nem ver uma pessoa conhecida. A cidade cresceu em nível populacional e para quem envelheceu na região as caras novas são uma constante.  Daí que as pessoas nem se cumprimentam mais - sou do tempo em que se cumprimentava mesmo um desconhecido - e fico observando a pressa, a desatenção, a expressão das pessoas, todas aparentemente com um objetivo, seja lá qual for, e sem tempo...

Nesse dia, quando já voltava para casa, encontrei uma velha amiga. Encontro-relâmpago, como todos, porque mesmo essa senhora de 81 anos, acompanhada de um dos netos, estava apressada, como todo mundo. Aliás, penso que a pressa não era dela, mas do neto que talvez quisesse se livrar logo da obrigação chata de acompanhar a avó e esta fica de conversa com alguém que ele nem conhece. O que é isso, menino? Vi você bem pequenininho, e agora o belo rapaz em que se transformou mostra-se impaciente, ansioso por terminar tarefa tão ingrata..

Minha amiga pareceu-me bem disposta, alegre como sempre foi e muito agradável. Tão bonitinha... perguntou se poderia vir à minha casa, acredita?  Imagina! Uma pessoa que me ajudou tanto quando minhas filhas eram pequenas, que me visitava com frequência, que alegrava nossos dias com sua disposição e bom humor... Fiquei comovida, agradecida, sei lá, abracei-a com carinho e lhe disse para vir quando quiser  pois só trará alegria.

Depois, já em casa, fiquei relembrando quantas vezes ela esteve realmente comigo, me apoiando quando eu precisava, me repreendendo quando eu também necessitava de uma tomada de consciência, ela que me orientava sempre com a experiência de seus anos a mais...

Enfim, um tipo de pessoa raríssimo, dessas que o mundo atual não reconhece mais.

Pobre de quem não teve ou não conservou amizades assim.
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Certa vez, ouvi do Padre Fábio de Melo uma palestra sobre a utilidade e o significado das pessoas em nossa vida. Dizia ele que quando envelhecemos e "perdemos a utilidade" é que podemos avaliar quem realmente gosta de nós.
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Pós postagem:
Sincronicidade, de novo. Comigo acontece sempre. Alguns trechos de um artigo sobre o filme "Era uma vez em Tóquio", que acabei de ler no blog Revista Bula, depois de ter publicado esta postagem:
(...)
A viagem a Tóquio é o mote de um drama familiar que se descostura na tela conforme se nota o impacto causado pela chegada do casal Hirayama. De início, os velhos se hospedam na casa do primogênito Koichi (So Yamamura), que é médico e tem dois filhos com a esposa Fumiko (Kuniko Miyake). 
 Ozu (diretor do filme) mostra, então, o desconforto causado na família: o filho mais velho de Koichi irrita-se por ter de ceder seu espaço aos avós. O próprio Koichi, sempre muito ocupado, quase não para em casa. E, quando chamado à presença de um paciente, prioriza o trabalho, em detrimento ao compromisso de fazer um passeio pela cidade de Tóquio com os pais.
(...)
Há uma cena particularmente importante nesse prisma. Ela ocorre quando Koichi e Shige, sentindo-se culpados pelo fato de que seus pais quase nada aproveitaram da cidade, decidem enviá-los para “aproveitar o feriado” no conhecido balneário de Atami. 
No hotel para onde os velhos são “despachados” como uma bagagem difícil de carregar, veem gente jovem a comer, a beber, a dançar. Não era lugar para eles. 
Quando viajaram a Tóquio não estavam em busca de “agitação”; queriam era placidez, era tranquilidade; queriam era aproveitar o tempo na presença dos filhos e dos netos. Queriam um pouco de amor. 
Cansados, decidem voltar antes do combinado para casa. 
O retorno antecipado irrita ainda mais os filhos, que tinham feito planos contando com a ausência dos pais.
Em passagens como essa, Ozu, com uma sutileza absolutamente genial, aprofunda o abismo entre as gerações. Da vida rural apegada à família, somos conduzidos ao Japão da sua metrópole — um lugar de vazio e impessoalidade. Todos estão sempre mui ocupados, mui atarefados. Todos estão preocupados com suas carreiras, com suas vidas particulares, com seus projetos ambiciosos. Já ninguém tem tempo para os pais.
(...)
Há, de maneira insofismável, um forte componente melodramático no filme. 
Ao opor gerações, Ozu expõe o esqueleto de uma sociedade japonesa capitalista no pós-Segunda Guerra Mundial. 
Retrata-se o esplendor de uma frieza citadina crescente, para a qual as relações humanas estão em um plano secundário. Há o primado do trabalho, porque há o primado do dinheiro. Mas, acima de tudo, há o desprezo pela ascendência, pelos mais velhos, pelos próprios pais — vistos agora como símbolos do estorvamento de um cotidiano mecânico e maquinal. 
Na frialdade da Tóquio de Yasujiro Ozu, as famílias são reles peças de uma engrenagem maior, que não cessa nunca de trabalhar. 
Tais constatações, muito graves para a sociedade japonesa, decerto estão a valer para o resto do mundo, dada a linguagem universal da geografia de ausências das grandes metrópoles, esvaziadas de uma perspectiva humana conjunta, perdidas em meio a existências inautênticas, atabalhoadas pela rotina impessoal de uma dominância invisível e, portanto, inexpugnável.
(...)
Em “Era Uma Vez em Tóquio” o tempo não está parado, ele apenas corre vagarosamente, de modo a completar, assim, um ciclo existencial ininterrupto. Porque as gerações se sucedem umas as outras, e porque todos vamos morrer um dia, o efêmero da vida precisa adquirir uma dimensão de sentido que só o próprio homem é capaz de dar, percebendo-se a si mesmo e, em consequência, percebendo o outro.
Na geografia de ausências da Tóquio de Yasujiro Ozu, onde o tempo corre lento, porém inexorável, o sinal mais visível de que o fim aproxima-se não são os cabelos esbranquiçados ou a tez rugosa, mas sim o desprezo dos mais novos pelos mais velhos, ora abandonados à própria sorte, ou, melhor dizendo, abandonados à espera — cruelmente solitária — da própria morte.

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