quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Pensa que lavar é fácil?

Tô aqui nem vermelha, nem verde, nem bege.

Tô apenas aqui lembrando alguns ditados - sábios ditados - da vovó: ' a pressa é inimiga..." , "apressado come quente ", essas coisas.

Ainda vem muita tramoia por aí... Tudo mal costurado, mal alinhavado e - perdoem o trocadilho - mal lavado.

Até nosso grande escritor Graciliano Ramos (em outro contexto, por favor), observava com atenção o capricho de um trabalho bem feito:

"...o modo como as lavadeiras lá de Alagoas fazem em seu ofício. 
Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. 
Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. 
Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando água com a mão.
Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar."
**

Chico das Canções

Fragmentos de algumas letras.  Todas de Chico Buarque de Holanda.


"Tenho um peito feito de lata
e um nó de garganta no coração.
Tenho uma vida sensata
sem emoção.
Tenho uma pressa danada
Não paro pra nada
Não presto atenção
nos versos dessa canção
inútil."   (Cara a cara - 1969)
**

"Quer saber o que está havendo
com as flores do meu quintal?
O amor-perfeito, traindo
A sempre-viva, morrendo
e a rosa cheirando mal."   (Agora, falando sério - 1969)
**

"Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
catando a poesia
que entornas no chão." (As vitrines - 1981)
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"Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ai, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz."  (Beatriz - 1982, parceria com Edu Lobo)
**

"Não, solidão, hoje não quero me retocar
nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas.
Deixo que as águas invadam meu rosto
Gosto de me ver chorar.
Finjo que estão me vendo
Eu preciso me mostrar."  (A mais bonita - 1989)
***


Ficam no meu coração o Compositor e o Letrista.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

A Dor maior - trilha na série 'Justiça'




OH PEDAÇO DE MIM
Chico Buarque de Holanda

Análise: José de Matos - Médico Psiquiatra Psicanalista


Autêntica elegia à dor como expressão afetiva, a canção de Chico tem a forma melódica de um réquiem à perda definitiva, sem esperança de restauração.
Compōe uma peça artistica de maior pungência do cancioneiro brasileiro.
A extensão do texto exige sua fragmentação para melhor análise:

Começa a música revelando um ego despedaçado


Oh pedaço de mim

Aqui define-se o despedaçamento e o quê se perde sob a forma de olhar, sinais, vulto e presença.


Oh metade afastada
exilada
arrancada
amputada
adorada
de mim,
Leva o teu olhar
teus sinais
o vulto teu
o que há de ti
os olhos teus

Aqui, a dor da saudade, define-se como tormento mais dramático que o esquecimento ou uma vida vegetativa.


Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do se entrevar

Aqui a dor da saudade equivale a uma partida, uma ida cujo retorno é desconhecido


Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Neste ponto, o revés do parto, é o nascimento para a Morte em que o último cuidado é o de arrumar um quarto que nunca será ocupado por um filho!


Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Nesta colocação, a dor, enquanto presença incômoda, é melhor do que a amputaçao, representando uma perda irreparável.


Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Encerra-se a música em que saudade é um castigo, como um traje fúnebre que decrete a morte do Amor para todo o sempre!


Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor

A despedida é fechada com a derradeira saudação: ADEUS!

Nossa homenagem a mestre Chico!!!
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José de Matos
Médico Psiquiatra Psicanalista

sábado, 27 de agosto de 2016

Resenha 'As meninas' (Lygia F.Telles) - por Laís Calusni

As meninas e o estiramento da realidade
Laís Calusni

Lygia Fagundes Telles

Inúmeros são os relatos, reais ou ficcionais, sobre as atrocidades que se passaram nos famosos “porões” da ditadura militar brasileira. Narrativas e textos críticos ou sociológicos, que buscam esmiuçar e expor cada mínimo detalhe violento do que se passou nos bastidores desse período. Sobre as vítimas mais diretas dos torturadores e da ditadura como um todo muito já se falou, e muito ainda há de ser dito. Muito já se disse e escreveu também sobre a parcela da população que, supostamente, não sabia/compreendia o que se passou no país durante os anos de chumbo. De crianças a idosos, passando por membros das parcelas mais abastadas da sociedade aos mais humildes, e de vidas mais discretas/isoladas das grandes metrópoles econômicas e políticas.

Mesmo após tanto se escrever e estudar os mais diversos perfis que se envolveram, ou deixaram de se envolver, nessa luta diária e violenta, Lygia Fagundes Telles parece ter encontrado se não uma nova “camada social”, um novo jeito de olhar a juventude daquela época. Em As Meninas, a autora expande a narrativa para além da esfera ditatorial na vida pessoal dos jovens do período. 
Lygia focaliza ainda mais o interior de suas personagens, indo o mais adentro que sua estrutura narrativa lhe permitiu, explorando cada pensamento sombrio e imediato que ocorre a suas meninas.


Lia, Lorena e Ana, três jovens universitárias que moram em uma espécie de convento/pensão em São Paulo, no início da década de 70. 
São todas meninas de dezenove ou vinte anos que, como a maior parte da juventude estudantil daquela época, estavam atoladas até o pescoço em mentiras, segredos e uma asmeninasvida “paralela” pela qual deviam zelar.

Seu foco se concentra na vida cotidiana, nas pequenas opções que costuram a existência ainda que a sombra pesada da vida política se faça presente em cada linha […]” 
(Posfácio de Cristovão Tezza à edição revista pela autora (2009) da Companhia das Letras.)

É desse foco diferenciado para a literatura da época que Lygia Fagundes Telles cria toda a magia que permeia o romance, e o torna ao mesmo tempo tão simples e tão emudecedor. 
Não é o caso de o leitor penetrar no mundo íntimo das três meninas; acontece que é apenas isso que há. 
Todo o fervor político, as guerrilhas e o contexto violento do qual já se tem conhecimento, é uma camada pesada que está presente em todos os pensamentos, em todas as ações, mas de forma coadjuvante. Está ali apenas para dar o clima soturno da época, sem pesar o suficiente para acabar com as cotidianidades das personagens.

Acompanhamos o mundo romântico de Lorena, eternamente aguardando o telefonema de seu amante casado; a vida não convencional de Ana Clara em meio a sexo casual e drogas; e a luta de Lia (Lião) para se encontrar com seu namorado, um preso político prestes a ser solto em uma troca entre os guerrilheiros e o governo. E não sabemos nada além daquilo que seus pensamentos nos revelam, estamos inteiramente confinados a suas ideias tendenciosas, suas opiniões momentâneas umas sobre as outras, seus desejos repentinos e efêmeros, suas preocupações diárias fúteis. 
Isso tudo intercalado com longos diálogos sobre a vida, suas escolhas e erros, sempre rasos e cheios de referências que escapam aos leitores – se não reveladas pelos pensamentos imediatos das protagonistas. 
Assim correm os dois dias narrados por Lygia em sua obra.

Contudo, há um fio paralelo, um movimento interno das personagens que passa despercebido por elas – e quase, para o leitor. 
Está entre esse mundo interno e a realidade violenta lá fora, no limite que seus jovens pensamentos nos permitem apreender; e aquilo tudo que já se sabe, por outras fontes, estar acontecendo na cidade. As meninas vão aos poucos sendo esticadas, sutilmente levadas ao limite de seus próprios “eus”. 
Os constantes conflitos morais internos e familiares, o rompimento com tudo que seria esperado delas – social e familiarmente -, a luta por si, suas vontades e seus amores; esse retrato 3×4 de uma geração que tomou como missão desestabilizar todos os padrões até ali aceitos e passados adiante. 
O estar e não estar de acordo, no caso de Lia e Lorena, e o ser nada no caso de Ana Clara, tudo isso se rompe e acaba no final trágico e imprevisível de Telles.

A morte de Ana por overdose, bem na cama do quarto de Lorena no convento. 
A jovem símbolo de todo o desapego e da rebeldia, a única que “cumpriu” com as expectativas de sua geração para si própria; aquela que era peça solta dentro do romance faz sua aparição final para unir todas as pontas soltas, e finalizar todos os rompimentos. 
Lia estava prestes a concretizar sua fuga de encontro a seu namorado, Lorena já voltara a fixar seu pensamento na ligação de seu amante que jamais acontecia. 
Tudo entrava direitinho na ordem rebelde que deveria, até o momento da morte.

Como uma explosão interrompida, as duas protagonistas restantes entram como que em um ruído branco, desligam-se de toda a realidade a sua volta para decidir o que fazer com o corpo. 
A luta pela manutenção das aparências, o manter-se inocente e puro aos olhos dos outros, a incapacidade de empatia: tudo retorna em um jorro alucinante de incertezas, xingamentos e até orações. 
O símbolo da libertação está morto, as sobreviventes lutam para não o reconhecer como real. Abandonada em uma praça, Ana Clara faz sua última aparição; Lia e Lorena, ainda com sentimento de fuga, retomam seus planos.

Lygia nos leva ao limite junto com as meninas. Nos faz questionar até que ponto a negação de uma realidade, ou a luta pela fuga ou por um rompimento, nos altera sem que ao menos possamos perceber. 
A restrição gradual do pensamento, que passa a abarcar apenas o que nos interessa, nos conforta, cria em nós o movimento contrário de estiramento, de distanciamento ilusório da realidade. 
Até que tudo estoura em frieza palpável, tornando impossível continuar envolto unicamente naquilo em que se quer crer.

*            *            *

Palavras, palavras....

O que importa na política
Rubem Alves

"Não existe ideal político mais bonito que a Democracia. Porque ele se baseia na idéia de que o povo tem o direito de decidir sobre os rumos desse barco em que navegamos, e que se chama país.
É preciso cuidar dele porque há suspeitas de que seu casco esteja furado…
Os partidos políticos são as várias tripulações que disputam o controle do barco.

O problema é que todas as tripulações dizem a mesma coisa. Todas prometem consertar os furos do barco, todas prometem navegar na direção do mesmo porto.
E é o povo que deverá escolher a tripulação que vai cuidar do barco e fazê-lo navegar na direção do porto prometido.
Se o povo escolher a tripulação errada, ai de nós: barco furado, naufragado, o povão se afogando…
O que os partidos estão dizendo não faz diferença, porque todos prometem a mesma coisa.

A coisa se complica quando a gente examina a composição das tribulações. Meus Deus, que lapso freudiano acabo de fazer! Minha cabeça queria escrever “tripulação” mas meus dedos escreveram “tribulação”… Com quem estará a verdade? Com a cabeça ou com os dedos? O futuro dirá…

O fato é que se consumam alianças que se acreditavam impossíveis: lobos pastando grama com cordeiros, gaviões chocando ovos de rolinhas, antigos piratas abraçados a pacíficos navegantes…

Coisa complicada é a Democracia, fácil de ser louvada, difícil de ser executada.
No final das contas o ideal da democracia entra pelo esgoto.

O fato é que os eleitores nem sabem o que está acontecendo e nem sabem quem é quem. O que eles sabem são as montagens que aparecem na televisão, produzidas segundo a psicologia das massas, a mesma que se usa para vender cerveja, sabão em pó e absorventes higiênicos.
Aquilo que o povo sabe é o que as imagens produzidas mostram.

O resultado das eleições vai ser, na realidade, a entrega do “Oscar” ao melhor filme: ganha o melhor ator, o melhor roteiro, o melhor diretor…

Cumpre-se o dito por Maquiavel: o que importa na política não é que o governante seja justo, mas que ele pareça ser justo. "

*            *            *

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Popularíssmo 'face'

Às vezes, o facebook se torna uma 'chapa quente'. Geralmente ignoro, mas há ocasiões em que é preciso esclarecer certas coisinhas...

Resultado de imagem para imagens sobre facebook
Em 02 de junho de 2016

- Uma amiga (aliás, amiga mesmo há muitos anos,  não apenas virtual)-
Falo muito sobre política sim. Falo muito sobre esse assunto pq muita gente não fala sobre isso. Algumas pessoas não falam pq não curtem o papo, preferem observar em silêncio... O silêncio em política, significa concordância! Eu sei que as pessoas não concordam com roubalheira, com injustiça, com falta de trabalho, falta de segurança - política não é amor nem desamor, é a natureza humana se manifestando, tem de tudo na política, as pessoas de natureza suave não gostam de tumultuar o ambiente do lado de fora, mesmo que esteja o maior tumulto do lado de dentro!
Eu falo muito sobre política porque gosto de assuntos polêmicos, então eu falo daquilo que observo no cenário externo. Não represento ninguém além de mim mesma, aqui no face encontrei um monte de amigos que tb curtem esse assunto, muitos foram chegando de tanto me ouvirem falar... Vou continuar falando até essa porcaria vermelha que emporcalhou o Brasil inteiro virar uma poeira na lembrança da gente... Uma outra geração antes da minha, já fez isso uma outra vez, eles crescem feito pulgas, invadem o ambiente lentamente, precisam de um hospedeiro, como vírus, atacam na surdina, qdo a gente se dá conta, eles infestaram o ambiente.
Tem um outro tanto de gente falando sobre a Monarquia, o retorno desse jeito "glamoroso" de conduzir pessoas no planeta, Reis, Rainhas, Príncipes e Princesas, Barões e Baronesas, Viscondes e por aí afora, a única diferença que eu vejo do Comunismo para a Monarquia é o glamour, os rituais, as vestimentas, os espetáculos de gala. Na minha singela opinião, a Monarquia gosta dos pobres para trabalhar e colocar o dinheiro no cofre para o Rei e os amigos gastarem à revelia da Coroa, e o Comunismo é o reinado onde um esperto tb gosta de recolher o dinheiro daqueles que produzem para o mesmo propósito! Quer saber a diferença?! O primeiro, passa de pai para filho - o tal do sangue real (coisa que vem desde o Egito Antigo), o segundo é coisa dos plebeus, dos nascidos sem berço! Vê se cria vergonha na cara e vai trabalhar para ganhar o pão de cada dia! Gente folgada! Tô fora! Eu não uso chapéu, mas ando com vontade de abrir uma chapelaria, muita gente gostando de ficar na aba do chapéu dos outros.

Sueli Madeira - Não fujo do assunto, nem morro de amores. O problema é que, no momento atual, a bandalheira é tão grande que enoja a gente e as pessoas estão absolutamente paranoicas e/ou fanáticas diante de QUALQUER tema difícil ou mais complicado de debater. Aliás, não há debates e sim agressões, porque cada um pensa que está com a razão absoluta. Isso é ignorância também no campo da política. Tenho assistido a rompimento de amizades por causa de divergência de pensamento. Faltando Argumentação, Consideração e Educação. " A finalidade da vida política deve ser a justiça na comunidade. Se a política tem como finalidade a vida justa e feliz, isto é, a vida propriamente humana digna de seres livres, é inseparável da Ética."

A amiga -  Vc tem razão viu Sussuca?! Infelizmente... A história da humanidade me conta todos os dias onde a gente pode chegar se fizer corpo mole! Quem se posiciona de forma agressiva tentando impor suas maluquices de cunho político dura pouco por aqui! Vai conversar fiado bem longe de mim. Tenho mania de estudar, esse é o meu passa tempo predileto! Trabalho é um vício e quero morrer com ele!

Sueli Madeira -  Tenho relido com bastante frequência os primeiros grandes mestres do pensamento político: Platão e Aristóteles. Talvez tentando encontrar alguma ressonância com os tempos atuais. Leio também Maquiavel, Marx - ou seja, diversifico o meu olhar e a minha capacidade crítica para não cair no fanatismo E observo, sim. Observo que estamos indo 'para o brejo' em termos de cidadania. E não é apenas no Brasil não.
O tal 'ser político', tão amplamente decantado é, hoje, uma fraude. Nem estou falando daqueles que se propõem ao ingresso partidário (seja ele qual for) na condução dos rumos de uma nação, de uma cidade. Mas do cidadão comum.
Sempre me posiciono quanto aos OBJETIVOS de um candidato a cargo político. Por quê? Quais as diretrizes (plataformas) defendidas por essa pessoa? Ela realmente tem qualificação para o cargo ambicionado? Como votar? Como fazer valer a própria opinião quando sabemos das peripécias e das ações fraudulentas de tantos candidatos? Isso, nós, privilegiados pela Educação, com algum conhecimento.
Mas, num país como o Brasil, não adianta inisistir com esse povo tão ignorado, tão maltratado para que não saia por aí votando nos que prometem vantagens e benesses - aliás como faz e como tem feito a maioria em época de eleições, não é?
É a MAIORIA sem acesso a nada quem decide sobre os rumos do país e também a vida  da tal minoria dita 'privilegiada'.

(...)
*        *        *

"May be I, may be you"

Olá!
Senti vontade de comentar algo e escrevo aqui, mesmo que não tenham paciência para ler meus famigerados 'textões'. Sei que às vezes é chato mesmo.
"Tanta coisa pra fazer e ela vem com esse blablablá sem pé nem cabeça..."

De um tempo pra cá a modinha é descer a lenha na rede facebook. São artigos e artigos, crônicas, ensaios e o que mais houver insistindo na tecla da 'falsa felicidade' da 'ostentação da felicidade', da 'felicidade 24 horas',  esse tipo de coisa.
Ora, para mim, não faz a menor diferença se as postagens revelam ou não a verdade de cada um. A expressão se define: a verdade 'de cada um'. Ainda que sonhada apenas, não vivida, inventada, sei lá. E mais: nem tudo que se posta é realmente expressão do que se pensa ou se vive.
Sei é que me divirto e , muitas vezes, consigo preencher um certo tédio pois nem sempre tenho alguém com quem dividir as ideias, os pensamentos, as sensações do momento.

Outro dia, por exemplo, ao abrir o facebook, deparei-me com uma postagem do programa The Voice, na Ucrânia (distante, né?) -  um casal interpretando 'Maybe I, maybe you' , da banda Scorpions.
Tão lindas as vozes, tão forte a interpretação desses jovens igualmente lindos...

Foi o bastante para me motivar a revisitar - obrigada, Youtube - as músicas dessa banda que eu não ouvia há tempos. Agora estou aqui, bem felizinha, ouvindo Scorpions e cuidando da minha vida.



Pokémon GO segundo Nietzsche, Huxley e Bradbury


Pokémon GO Segundo Nietzsche, Huxley e Bradbury
Erik Morais - sexta-feira, 5 de agosto de 2016


No século XIX Nietzsche anunciou a morte de Deus, colocando, portanto, fim a um modelo de vida que pudesse ser estruturada por uma via religiosa. A bem da verdade, a dupla revolução burguesa do século dezoito, a saber, Revolução Francesa e Industrial, já havia derrubado os resquícios da sociedade feudal. No entanto, coube a Nietzsche dar o golpe de misericórdia, sendo que este não somente definhou aquela estrutura de pensamento, como também colocou em xeque o próprio modelo racional de perceber o mundo, que vivia com os positivistas o seu auge.

O sonhado progresso previsto pelos positivistas e todos entusiastas da modernidade não aconteceu, pelo menos não em um sentido que promovesse a evolução social de forma diretamente proporcional ao desenvolvimento tecnológico, isto é, proporcional às condições materiais. Sendo assim, a solidez dessa modernidade foi paulatinamente encontrando seu ponto de fusão e se liquefazendo, implicando, consequentemente, a confirmação do prenúncio de Nietzsche, no qual teríamos um futuro em que nem a religião, nem a razão seriam capazes de dar uma sustentação sólida à existência humana.

Posto isso, chegamos ao período pós-moderno ou a modernidade líquida como prefere Bauman, em que encontramos um mundo sem referências sólidas, no qual vivemos sem algo que proporcione sentido a nossas vidas. Nesse mundo do absurdo que não possui grandes propósitos, para lembrar Beckett, os indivíduos sentem-se desconfortáveis diante de uma liberdade infinita que caminha para o nada, já que, segundo Nietzsche, os homens sentem enorme dificuldade em viver sem ter algo em que possam apoiar a sua existência, o que ele chamava de muletas existenciais.

Percebendo a problemática e indivíduos desesperados por algo que possa proporcionar algum sentido a suas vidas, o mercado criou uma solução: a sociedade de consumo. O consumismo, assim, se tornou a grande base de sustentação existencial e os shoppings os templos de adoração de um novo fundamentalismo. Como a sustentação proporcionada através de coisas é frágil, novas coisas sempre devem ser criadas, a fim de manter os fiéis cativos aos templos de adoração, muito embora, a mídia não se esqueça da sua função catequizadora.

Nesse processo, encontra-se o Pokémon GO, mais uma ferramenta criada pelo mercado para manter acesa a fé das ovelhas. Obviamente, a ferramenta trata-se (ou deveria tratar) apenas de um jogo, uma forma de lazer. 
Entretanto, o modo desesperador como muitas pessoas ao redor do globo têm se relacionado com algo que é “apenas um jogo”, confirma a insustentabilidade da nossa existência e os meios frágeis que temos buscado para empreender um sentido a ela por meio dos artifícios da sociedade contemporânea, assim como, problemas típicos do nosso tempo como a solidão e o isolamento.

Esse comportamento leva ainda a outros questionamentos, como a questão do tempo, afinal, nós vivemos na era da correria em que ninguém possui tempo para nada, tampouco, para alguém. Como pode haver, então, tanto tempo disponível para se dedicar a um jogo? No mínimo paradoxal. Para Aldous Huxley, esse paradoxo é explicado pela própria estrutura do Admirável Mundo Novo, ou seja, os mecanismos criados dentro da sociedade têm como função elementar a massificação dos indivíduos, tornando o controle social mais fácil, posto a transformação da humanidade em uma grande manada.


Dessa maneira, há a necessidade de um gozo perene, o qual, em uma sociedade sem referências, passou a ser encontrado, como já dito, na sociedade de consumo. Nela, a fragilidade existencial passa a ser “fortificada” por meio da padronização, da adequação, da alienação e, quando isso não for suficiente, há ainda o “soma” que resolve todos os problemas, como o Pokémon GO, que além de proporcionar estabilidade emocional, ainda pode tornar o indivíduo alheio ao que acontece.

Essa fuga de uma realidade não querida é ressaltada também por Ray Bradbury e seus mundos distópicos, como Fahrenheit 451 e O Homem Ilustrado, em que uma série de artifícios, como televisões “interativas”, “superdesportos”, “parques de destruição”, etc., é criada para acalmar os espíritos e eliminar o desejo de pensar. Em outras palavras, instrumentos que acabam se tornando a finalidade de vidas totalmente automatizadas e sem qualquer senso crítico.

Enquanto ferramenta, não existe problema algum com o jogo, a questão se direciona ao modo como nós temos nos comportado. Ou seja, a forma como nós temos transformado instrumentos em finalidade e coisas no sentido de vidas. A forma como estamos cada vez mais dependentes do mundo virtual e alheios ao que acontece na vida real, buscando sempre fugir da dor da existência e das problemáticas relacionadas a ela. Mais uma vez, não há problema em si com o jogo ou com quem venha a jogá-lo, e sim ao modo como temos nos relacionado com coisas, como se fôssemos zumbis a procura de alimento.

Em um contexto líquido como o nosso, de falta de referências e fragilidade dos laços humanos, é necessário reavaliar de que modo temos através desse modus vivendi conseguido melhorar as nossas vidas e o quanto essa barafunda tecnológica-consumista tem nos permitido ter acesso de fato ao mundo. 
Sei que com todas as ressalvas ainda haverá a possibilidade da não associação do “fenômeno” Pokémon GO com o nosso contexto social, de tal maneira que só me resta lembrar Orwell e a transfiguração da realidade pela linguagem, em que “Guerra é Paz”, “Escravidão é Liberdade” e “Pokémon GO é Vida”, mesmo que seja em bolhas chamadas a partir de agora de pokebolas. 


*            *            *

Notinha: Os destaques no texto são por minha conta.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

"Casa de Bonecas" - Henrik Ibsen

Sobre as condições da mulher na sociedade do séc, XVIII. (1788)

Trechos do diálogo final em “Casa de bonecas”, de H. Ibsen: personagens Nora e Torvald Helmer (marido e mulher)

"NORA:
(...) É esse o ponto. Você nunca me compreendeu. Tenho sido tratada muito injustamente,Torvald; primeiro por papai, e depois por você.
(...)
Vocês jamais me amaram, apenas lhes era divertido se encantar comigo.
(...)
É assim mesmo, Torvald; quando eu estava em casa, papai me expunha as suas ideias, e eu as partilhava. Se acaso pensava diferente, não o dizia, pois ele não teria gostado disso. Chamava-me sua bonequinha e brincava comigo, como eu com as minhas bonecas. Depois vim morar na sua casa.
(...)
NORA (imperturbável) 
Quero dizer que das mãos de papai passei para as suas. Você arranjou tudo ao seu gosto, gosto que eu partilhava, ou fingia partilhar, não sei ao certo; talvez ambas as coisas, ora uma, ora outra. Olhando para trás, agora, parece-me que vivi aqui como vive a gente pobre, que mal consegue ganhar o seu sustento. Vivi das gracinhas que fazia para você, Torvald; mas era o que lhe convinha.
Você e papai cometeram um grande crime contra mim. Se eu de nada sirvo, a culpa é de vocês.
(...)

...Creio que antes de mais nada sou um ser humano, tanto quanto você ... ou pelo menos, devo tentar vir a sê-Io. Sei que a maioria lhe dará razão, Torvald,e que essas ideias também estão impressas nos livros. Eu porém já não posso pensar pelo que diz a maioria nem pelo que se imprime nos livros. Preciso refletir sobre as coisas por mim mesma e tentar compreendê-Ias.
(...)
...Não, nada entendo. Mas quero chegar a entender e certificar-me de qual de nós tem razão: se a sociedade ou se eu.
(...)
Eu tornei a ser uma avezinha canora, a sua boneca, que você passaria a proteger com  mais cuidado, pois percebeu quanto era delicada e frágil!”
(...)
 **
Li pela primeira vez essa peça há muitos anos,
Na época, eu não tinha maturidade suficiente para mergulhar no universo intenso da personagem Nora, ela mesma sem compreender suas angústias e dúvidas existenciais, embora tivesse um vislumbre do que era, verdadeiramente, a questão que a incomodava.
No início da leitura eu até pensava nela como uma mulher mimada e voluntariosa, só isso.

Agora, muito tempo depois, relendo e observando o que está por aí, confesso minha emoção com essa peça e admiração sempre maior pelo autor.
Arte é assim.

Guardadas algumas proporções, a condição sociocultural da mulher atual ainda precisa ser pensada, falada e demonstrada o tempo todo.
Soa tristemente como um apelo para sermos consideradas, antes de tudo, seres humanos.

*          *          *

sábado, 20 de agosto de 2016

A QUEM INTERESSAR POSSA:


Tudo,, tudinho o que penso, aí está expresso, Sem tirar nem por. Nada mais a declarar.
**

Histórias 
Ana Bailune -Confissões de Uma Idosa Cínica - Parte IV




Alguns conselhos para os quase velhos e para os velhos  (ou idosos, se preferirem; quem sabe, vocês prefiram , ao meu ver, o pejorativo termo "membros da terceira idade." Ou o mentiroso "membros da melhor idade:):

-Seja independente. Cultive a independência, tanto financeira quanto física e emocional. Cuide bem de sua saúde para que na velhice você tenha a melhor mobilidade física possível, e esteja livres de doenças crônicas, como diabetes e artrites. Exercite-se; faça caminhadas, consulte o médico periodicamente.

-Aprenda a apreciar a solidão, através da criação de momentos mágicos, como o apreciar da chuva, ou do nascer do sol, um passeio à pé por um belo jardim, um bom livro, boa música. 
Abra um blog; aprenda a usar a internet, compre um computador, e dê asas à imaginação. 
Quem sabe, você não possa tornar-se um exímio fotógrafo ou poeta? Enfim, crie alguma coisa que te traga momentos de lazer preciosos. 
Se preferir, entre para um daqueles grupos da terceira idade (ai, ue horror), que se encontram para jantares dançantes ou excursões - embora eu não tenha conseguido adaptar-me a eles.

-Aprenda a fazer-se respeitado! Os mais jovens têm a mania de pensar que somos inúteis ou incapazes de cuidar de nós mesmos. Querem mandar nas nossas vidas.

-More em sua própria casa, nem que seja um pequeno apartamento, mas evite loucuras, como subir em escadas para trocar lâmpadas, por exemplo. 
Preste atenção para não deixar o fogão aceso, e evite os chuveiros a gás. 
Melhor exercitar sua memória fazendo palavras cruzadas, ou se preciso, tome um medicamento para evitar esse tipo de coisa. 
Mas prefira viver sozinho. Por mais encantadores que seus filhos sejam, quando eles o convidam para viver com eles, é porque sentem-se obrigados a isso, e não porque querem realmente conviver com você. Assim que você realmente precisar da ajuda deles, eles se esquecerão dos tempos em que você limpava-lhes as bundas, alimentava-os, levava-os à escola, lia histórias para que dormissem e dedicava todo o seu tempo a cuidar deles. Assim que você tornar-se o que eles consideram  um velho inútil, aqueles que antes brigavam pela sua companhia estarão brigando para ver quem segurará a barra de ficar com você. Eles o empurrarão uns para os outros como se você fosse um velho cão sarnento. Portanto...

-Tenha um plano de saúde. Nem que você precise dar uma grande parte de sua aposentadoria para pagar um. Se não tiver, correrá o risco de, quando precisar, ter que fazer uso dos 'serviços' de um hospital público, pois seus filhos não terão dinheiro para pagar-lhe um tratamento. Já viram quanto custa um dia de UTI?

-Se viver sozinho tornar-se difícil, escolha você mesmo para qual tipo de instituição você quer mudar-se. 
Jamais aceite viver com seus filhos, pois eles o tratarão como um inútil cuja opinião não faz a menor diferença para ninguém. Eles o legarão ao quartinho dos fundos, e adorarão que você permaneça lá a maior parte do tempo. 
Vão querer controlar seus gastos, determinando o que você pode ou não comprar. Vão desejar entupir-lhe de medicamentos que vão acabar com seu estômago e sua boa disposição física. Mas tudo com a melhor das intenções, é claro!

-Mas se a sua única saída for morar com um dos filhos, evite dar opiniões, sejam elas quais forem. Fique lá no seu quartinho a maior parte do tempo, seja gentil, faça tudo o que eles mandarem, não se intrometa nas decisões ou brigas de casal, não queira interferir na educação de seus netos e evite até mesmo regar um vaso de plantas sem antes perguntar se é permitido fazê-lo. A não ser que você queira ver seu pimpolho transformar-se em um monstro em questão de segundos.

-Não deixe que falem de você como se você não estivesse presente. 
Geralmente, os filhos - e até as pessoas que não pertencem à família - gostam muito de fazer esse tipo de coisa. Ficam discutindo sua vida sem pedir a sua opinião. Não permita que isso aconteça. Nem que você precise berrar um palavrão para que a ouçam. A última decisão sobre a sua vida deve ser sempre sua. Não perca sua dignidade como ser humano.

-Torça para que, depois de impor a sua vontade, eles não queiram internar você em uma clínica psiquiátrica...


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sexta-feira, 19 de agosto de 2016

DUO. MELODIA SENTIMENTAL



Composição de Heitor Villa-Lobos

Gravado no ensaio para o concerto 'Amici della musica' no Teatro Toniolo, Veneza, Italia em março de 2013.

Gustavo Tavares - Cello
Nelson Faria - Violão


terça-feira, 16 de agosto de 2016

Diferença ela/ele

Aqui está a diferença entre homens e mulheres

No diário dela:
«Esta tarde meu marido se comportou muito estranhamente; tínhamos ficado de jantar juntos no nosso restaurante favorito.
Todo o dia estive fazendo compras com as minhas amigas, cheguei um pouco tarde ao restaurante e achei que isso o incomodou. A conversa fluiu e sugeri ir a um lugar mais tranquilo para que pudéssemos conversar mais calmamente. Ele concordou, mas ainda não falamos muito. Perguntei-lhe o que acontecia e ele disse que não era nada. Perguntei se eu era a culpada por sua falta de humor e ele respondeu que nada estava errado e que não havia nada com que se preocupar.
No caminho de casa, disse que o amava, ele sorriu e seguiu em frente, sem mais. Não consigo explicar seu comportamento. Não consigo entender por que ele não falou que também me amava. Quando chegamos em casa, senti que o perdera completamente e que não queria mais nada comigo; ele simplesmente ficou sentado no sofá, vendo televisão, com o olhar perdido. Um pouco mais tarde disse que estava indo dormir e ele não me respondeu.
Quinze minutos depois ele entrou no quarto, senti que alguma coisa o preocupava e que os seus pensamentos estavam em outro lugar. Ele adormeceu, mas eu não consegui pegar no sono até meia noite. Não sei o que fazer, sei que a mente dele está em outro lugar, a minha vida está prestes a cair no abismo...»

Um SMS que ele enviou a seu melhor amigo:
«Cara, não sei mesmo o que há de errado com a moto, o motor não está pegando».


*           *            *

Fonte: "Sci  psy"

Pense na morte - Karin Hueck

Para ser feliz, pense na morte
Karin Hueck - 15 de Outubro,  2013 - "Gluck project"


A Dra. Ana Cláudia Arantes tem uma profissão que, aposto, você não queria ter: ela é médica especializada em cuidados paliativos do hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ou seja, ela só cuida de pessoas que não têm chance de cura. 
Entrevistei-a para uma reportagem que fiz para a Superinteressante (que quero retomar aqui no Glück algum dia), numa conversa que não consegui esquecer até hoje. 
Só algumas frases acabaram entrando na revista, mas aqui você pode ler a entrevista inteira. 
Ao final de tudo, aposto o oposto: depois de ler, você bem que queria ter o trabalho dela – uma aula de felicidade e um manual prático de como viver bem.
*
Qual é o seu trabalho exatamente?
A minha formação é geriatria. Desde que me formei, sempre me dediquei a uma área do conhecimento médico que se chama medicina paliativa. Isso quer dizer que dou assistência para as pessoas que não têm possibilidade de cura ou tratamento que prolongue as suas vidas. É câncer, demência, doença cardíaca e pulmonar na fase final. Quando a pessoa chega nesse ponto, olhamos para o seu sofrimento. Eu trato todas as dimensões dele, não só a biológica: o sofrimento físico (dor, falta de ar, fadiga, alterações gastrointestinais) e os sintomas emocionais relacionados ao fim da vida (depressão tristeza, culpa, sensação de abandono, tudo que aparece quando você se despede da vida). Você também tem de cuidar da família da pessoa, porque ninguém fica doente sozinho – mesmo depois que morre, você continua existindo na família. E tem também a dimensão espiritual, que é o grande mistério do ser humano. A gente dá condições para que essa dimensão se manifeste. Nesse momento da vida, ela costuma ser a mais expressiva – e não é necessariamente a religião. É a hora que a pessoa pensa no sentido da vida. Ninguém para para pensar no sentido da vida quando ganha na loteria, ou quando está namorando o cara mais lindo do mundo. Você não diz: “ah, agora que está dando tudo certo, qual é o sentido da vida?” A gente só pensa nisso quando o tapete sai do seu pé. É isso que eu faço.

Você conheceu alguém que chegou ao fim da vida sem arrependimentos?
Sim. São pessoas que fizeram o melhor que puderam. Me lembro de um paciente, um homem que era ateu. A gente teve essa conversa sobre arrependimentos durante um pôr-do-sol. Eu perguntei a ele: “Você se arrepende de alguma coisa? Você faria alguma coisa diferente?” E ele disse que não. Disse: “Se eu tivesse escolhido outros caminhos, teria encontrado outros abismos, outras curvas. As decisões que eu tomei foram as melhores que podia tomar naquele momento. Eu fiz o melhor que pude. Então eu estou em paz.” E ele nunca fez terapia! Ele já nasceu pronto! Ele era ateu, então sua dimensão espiritual era em relação com a natureza e o universo. A pessoa pode ser relacionar consigo mesmo, com os próximos, com o universo ou com Deus. Cada um trabalha em uma dessas dimensões. Esse paciente se relacionava com o universo. Então ele falava para mim: “Ana Paula, olha o sol. O sol está morrendo. Por que eu tenho que viver para sempre, se tudo no universo nasce, tem seu desenvolvimento e morre?” E esse homem morreu no pôr-do-sol, exatamente.

Mas isso é a minoria dos casos…
É mais raro, porque as pessoas na maior parte das vezes tomam decisões que não são baseadas no melhor para elas, mas no que os outros acham que é melhor. O grande dilema do ser humano é ser amado. E quando ele toma essas decisões, se baseia na possibilidade de receber mais amor. O que as pessoas não entendem é que não é um ato de egoísmo você pensar no que é melhor para você. Você escolher algo que vai te fazer mais feliz não é maldade – pelo contrário. Imediatamente você também vai deixar mais felizes as pessoas à sua volta. E você também vai ser amado.

Por que você acha que tanta gente se arrepende de ter trabalhado tanto?
O trabalho tem a ver com o tempo dedicado. Se você pensar, quanto tempo você passa no trabalho por dia?
Nove horas.
Então, nove horas no trabalho, mais oito para dormir, sobram sete horas para viver. E nessas sete você também pensa no trabalho. 
No fim da vida, você olha para trás e vê tudo o que se dedicou ao trabalho – talvez você tenha sido demitida aos 40 anos, ou você não gostava da profissão, ou escolheu a carreira para agradar seu pai ou sua mãe, ou ficou trabalhando para juntar patrimônio para seus filhos. No fim, você não leva nada disso. 
Agora, se você faz um trabalho que realiza você, que a deixe satisfeita consigo mesmo, e que traz resultados bons pra sua vida pessoal, ninguém se arrepende.

Os seus pacientes sofrem alguma mudança quando estão morrendo?
Totalmente. É maravilhoso. 
Quem trabalha com cuidado paliativo vê uma coisa muito clara: ao longo da doença o paciente vai se aprimorando. O paciente consegue evoluir de tal forma e para um sentido da sua existência – já que vai ter que transcender a existência física -, em que o bem que existe dentro dele se manifesta com muita clareza. 
Quando estamos falando de alguém que já era bom, é um processo natural. Agora, as pessoas que eram muito ruins mudam muito – você sabe que tem, né, gente muito ruim por aí, gente que a família sempre soube que era ruim. Esses mudam muito. 
Acontece com todo mundo: por exemplo, aquele cara que foi alcoólatra a vida toda, batia na mulher, não levava dinheiro pra casa. No final da vida ele se transforma. Ele se arrepende, ele pede perdão, ele agradece, ele diz que ama. E sai da vida pela porta da frente. 
Tem um negócio muito misterioso entre os seres humanos. Todo mundo sempre fala que a primeira impressão é a que fica, mas não é. É a última. Quando você sai bem daqui, você para sempre vai ficar bem. Parece que tudo que você aprontou na vida fica menor. “Mas no final ele foi maravilhoso”, lembram.

E todo mundo passa por isso?
Todo mundo. É muito raro não acontecer. 
Quando você dá essa assistência, esse cuidado paliativo, você dá chance a ela de se expressar completamente. 
Ninguém vai ser uma boa pessoa, se estiver com dor. Mas quando você cuida do sofrimento, a pessoa consegue manifestar o que de melhor há dentro dela, a essência de verdade. 
É muito raro alguém chegar no fim amargurado. Geralmente, são pessoas que, ao longo da doença, não tiveram muita chance de ponderar sobre o fim da vida. 
A grande dificuldade que a gente tem no Brasil é que não se fala sobre a doença para o paciente. Os familiares pedem: “Ó, não conta nada, hein”. Como assim não conta nada pra ela? A doença está dentro da pessoa, não no exame que você pode esconder na gaveta. A doença está nela!

Para alguém que vê tão de perto o fim da vida, quais seriam suas dicas para viver bem? Seria não se preocupar?
Não tem essa de não se preocupar. Isso seria muito hedonista, né? “Ah, então vou levar a vida na flauta”, mas a vida não é uma flauta, ninguém veio a passeio. 
A dica não é levar nada a sério, é levar tudo a sério. Mas de maneira que, ao final, você possa dizer que fez escolhas conscientes. Não pode ficar se martirizando. 
Você faz uma escolha com trinta anos e aí aos cinquenta fica se lamentando: “Ai, como pude fazer aquilo”. Isso é roubar no jogo: você é uma criatura de cinquenta anos julgando uma de trinta, que não tinha noção do que podia acontecer. Isso é errado, não é honesto. 
Honesto é olhar para o momento em que você tomou aquela decisão e ver se você seguiu seu coração.

O problema é lembrar disso tudo na vida imediatista…
O problema é que a gente não pensa na morte. A morte é uma excelente conselheira. 
O dia  em que você precisar de um conselho bem bacana, bem verdadeiro, procure alguém que está morrendo e marca um horário (risos).

Por que você escolheu essa carreira?
Veio do sofrimento. 
As pessoas para quem eu dou aula hoje vêm porque acham bonito, uma área humana da medicina. 
No tempo em que eu estudei, eu fiz isso porque a medicina era desumana. 
Lembro que ainda estava na faculdade quando um professor me disse sobre um paciente: “Não tem mais nada que a gente possa fazer”. 
E eu: “Como assim, mais nada? Quando o cara mais precisa de médico, não tem mais nada pra gente fazer?” 
“Ah, tem pouco tempo de vida, não vale a pena.” 
E eu penso, meu, se tiver duas semanas de vida, eu não tenho tempo a perder! Alguém tem de dar atenção pra essa pessoa, tem que dar importância para isso. 
Então escolhi por causa disso: eu valorizo meu tempo.

E você já tirou algum aprendizado para você dessa profissão?
Você não faz ideia do que é isso. É demais, demais. 
Eu estou na primeira fila vendo o que vai acontecer comigo – o que já aconteceu comigo, aliás, porque eu já tive perdas. Isso faz com que eu tenha chance de ponderar sobre essas perguntas antes que a morte venha me convidar pra passear. Isso é uma benção.

Seria bom se todo mundo tivesse essa oportunidade.
Seria ótimo. Acho que passar um dia comigo é um negócio que realmente muda a vida das pessoas. Todo mundo que passa lá diz que muda todas as perspectivas. 
Não adianta nada ver as tragédias que acontecem no mundo pelo jornal. Tem tragédia acontecendo todo dia, isso distrai. Acaba não trazendo sentido pra sua vida. 
Agora, quando você acompanha uma pessoa todo dia, no dia-a-dia, à medida que ela se aproxima da morte, o que ela faz com isso é magnífico. É um negócio encantador o que as pessoas fazem com a própria vida quando elas sabem que está acabando.

Sinto que as pessoas se perdem tentando seguir todas as regras que existem para viver mais e melhor…
Você já fez a conta de quanto tempo se perderia se você mastigar 25 vezes, se você meditar uma hora, se você fizer atividade física? Cai na real. Que horas isso vai acontecer? 
Acho que a medicina é uma forma das pessoas se distraírem um pouco daquilo que realmente importa, que é viver. 
Mas a gente deveria usar a medicina como uma ferramenta para viver melhor. E isso não é uma receita de bolo, porque o meu “viver melhor” não é o seu. 
Não adianta seguir todos os conselhos. Uma coisa que eu aprendi, vendo a morte sempre por perto é que as pessoas nessa situação começam a ter um discernimento que nunca tiveram na vida. Elas sabem. Se ela estiver com uma doença grave e eu tentar enrolar, ela percebe. Não adianta tentar enganá-las com regras.

O que é importante para se despedir bem?
Eu acho que o que é mais difícil é ter pessoas ao teu lado que vão dar conta de cuidar de você nesse momento. Essa área que eu faço precisa de profissionais qualificados. 
Humanidade é um negócio que você desenvolve ao longo da vida. E para você estar do lado das pessoas que estão no fim da vida, você tem de ter formação e conhecimento. Porque é como estar no front. O front da morte. Se você não estiver preparado para estar ali junto com os pacientes, melhor não estar.

Então como amigos e familiares vão saber como lidar com isso? É quase tão difícil pra eles.
O mais difícil é sempre para o paciente. 
Se meu pai morreu, ele se despediu da vida. Eu perdi meu pai, mas ele perdeu tudo. 
Então o luto do paciente é imenso perto do luto das pessoas que vão ficar. 
Mas, para que aqueles ao redor fiquem bem, o doente precisa passar por um processo de fim de vida que ajude esses amigos e a família a aceitar a morte. 
Não quer dizer que não vai doer e que não vai ter tristeza. Isso é legítimo e tem de ter. 
Eu sei que fiz um bom trabalho quando chego para fazer um atestado e constatar a morte de alguém e todo mundo no quarto está com os olhos vermelhos e sorrindo. Porque a tristeza existe, mas existe uma paz de que tudo foi feito. 
A certeza de que o melhor estava disponível. Isso não quer dizer morrer no Einstein, a pessoa pode falecer bem na casa dela. 
Quando os familiares e os amigos têm essa paz, aí sim fica tudo bem. Você passa pelo período de luto, mas em paz.

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Nunca é o suficiente ...- Nicole Ayres

Nunca é o suficiente – e como isso pode ser bom
Nicole Ayres - em "Homo Literatus"

1a

Eu devia ler mais. Escrever mais. Ver mais filmes. 
Mas você já lê tanto, já vê tantos filmes, já escreve tanta coisa, os outros dizem, espantados. Entendam. Nunca é o suficiente. Nunca é bom o suficiente, grande o suficiente, intenso o suficiente. Apenas quem tem essa rigidez crítica consigo mesmo, essa necessidade absurda de querer sempre mais da vida, essa fome infinita de conhecimento, pode compreender a angústia de ter que lidar com a limitação. 
Em primeiro lugar, do nosso corpo, posto que cansamos, adoecemos e, por fim, inevitavelmente, morremos. 
Depois, do nosso tempo, já atribulado com os afazeres cotidianos, rotina menos sofrida quando trabalhamos com o que nos agrada, porém sempre restritiva do nosso lazer.

Essa limitação nos impõe escolhas terríveis, dolorosas, do tipo ai, meu Deus, eu queria ler esse livro, mas já tem pelo menos uns dez na fila, preciso descansar, estou perdendo tempo no Facebook por quê, eu não devia, poderia estar estudando, só que não tenho energia, minha vontade é, cadê minha vontade, vamos tomar mais café, dormir é para os fracos, tá maluco, não tô, não tô conseguindo lidar.

A ansiedade é própria da nossa época, provocada pela aceleração do ritmo de vida na modernidade, o que nos dá a impressão de que as horas voam, e pelo excesso de estímulos, sonoros, visuais, quase nos tornando insensíveis. 
Num cenário de múltiplas opções, a escolha é cada vez mais difícil, o que gera angústia, insegurança, será que eu fiz direito, será que entendi certo, será que é isso mesmo que quero pra minha vida?

Calma. Respira. O mundo não vai acabar hoje (e, mesmo que acabe, não existe nada que você possa fazer a respeito). 
Consideremos a perspectiva positiva dessa inquietação. 
Se nada nunca é o suficiente, tudo sempre pode melhorar. 
Um mundo de possibilidades se abre à nossa frente, para ser explorado, sonhado, vivido, até onde formos capazes. 
Verdade, nunca vai ser o suficiente. 
Mas pode ser bom o suficiente. E isso basta.

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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Arte Fotográfica - Otacílio Rodrigues

Outros lindos trabalhos de OTACÍLIO RODRIGUES

Resende, agosto de 2016.

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Céu de agosto
Foto feita em Resende no dia 6 às 17:21.

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domingo, 14 de agosto de 2016

Abertura Olimpíadas - Sakamoto

Por que criticar a abertura das Olimpíadas me torna
 um pária neste sábado?
Leonardo Sakamoto 06/08/2016,  12:20


Este autor gosta de esportes (tem até amigos que praticam), não desgosta das Olimpíadas (mas acha um crime ela ter passado por cima de tanta gente pobre para ser realizada), não tem complexo de vira-lata (mas pensa que falta autocrítica ao brasileiro) e não é saudosista (apenas considera muito triste as figuras de linguagem estarem caindo em desuso, enquanto a mesóclise volta à moda).

Dito isso, preciso confessar que faço parte do grupo de pessoas que, assistindo à cerimônia de abertura, não caiu em prantos, não achou a coisa mais linda desse mundo, não sentiu mais orgulho por ser brasileiro, não esqueceu seus problemas naquele instante e não saiu transbordando com “espírito olímpico''. Quanto a esse último ponto, vou dar uma passada numa loja licenciada pelo Comitê Olímpico Internacional, logo mais, para ver se compro um pouco e reponho.

O que, de certa forma, me torna um pária, neste sábado, pós-festança no Maracanã.

Teve muita coisa legal, claro. A escolha do maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima para acender a pira, alguém que ganhou apesar de perder – o que diz muito sobre o que deveria ser o esporte. E não tem como ver a Palestina entrar como uma delegação independente, empunhando sua bandeira, e passar incólume. Ou presenciar o time de atletas refugiados ser ovacionado – no que pese a mesma sociedade que aplaude, no dia seguinte, reclama de “haitiano que vem ao Brasil só para roubar nossos empregos''. Ou o Guga. E a Elza. E, é claro, o Gil. E, por fim, pena que Michel Temer não foi à abertura. Pelo menos, não ouvi ele sendo anunciado… (ok, enquanto houver resistência, vai haver figura de linguagem).

E não seria diferente porque foi escalado um time competente para organizar a abertura – time que, com um orçamento pequeno, fez milagre – que é uma palavra melhor que “jeitinho'' ou “gambiarra'', termos que circularam para justificar o ajustes de última hora.

Sabemos fazer uma balada. E sabemos transformar uma grande balada num bom negócio. E transformar tudo em um grande elixir para esquecer, nem que seja por um momento, como a vida tem sido ruim. Afinal de contas, temos a experiência de mais de um século de carnaval.

Invasão portuguesa na terra que era ocupada por indígenas - o "invasão" não foi meu, mas de Glória Maria, na transmissão na noite desta sexta (5). Foto: Issei Kato/Reuters
Invasão portuguesa na terra que era ocupada por indígenas – o “invasão'' não foi meu, mas de Glória Maria, na transmissão na noite desta sexta (5). Foto: Issei Kato/Reuters

E é bom que essas fugas aconteçam, para não enlouquecermos na racionalidade dura do dia a dia. Seria mais fácil se a maconha fosse legalizada e não apenas ansiolíticos de indústrias farmacêuticas, contudo isso é outra história.

Mas a mistura de bombardeio midiático, mais especificamente do poder da narrativa do pão e circo televisivo, em um evento que nos coloca por algumas horas como umbigo do mundo, ajuda a despertar um furor nacionalista, quiçá patriótico, em muita gente. E ai de quem não estiver feliz e radiante nesse momento em que, nós brasileiros, mostramos ao mundo finalmente quem somos. Criticar momentos de catarse é pedir para ser queimado na fogueira da rede social.

Por exemplo, foi importante a mensagem sobre a necessidade de frear as mudanças climáticas. O que ela não diz é que os próprios Jogos Olímpicos contribuem para esse processo, com extensas cadeias produtivas causando impactos ambientais e sociais a milhares de quilômetros do Rio e a falta de comprometimento de muitas empresas envolvidas direta ou indiretamente com o evento com padrões mínimos de sustentabilidade como mostraram estudos divulgados no último ano.

O discurso ambiental posto dessa forma torna-se mais um produto de entretenimento para consumo rápido, a fim de satisfazer nossas ansiedades e resolver nossas contradições. É como se emocionar ao assistir a Wall-E, a simpática animação que trata de um mundo que sofreu um apocalipse ambiental, e logo depois ir comprar os bonequinhos de plástico do robô protagonista da história. E, nós jornalistas, contribuímos com isso ao transmitir tudo de forma acrítica, sem lembrar que nem o governo, nem as empresas, nem a sociedade estão mudando seus hábitos na velocidade necessária para que cidades não sejam invadidas pelo mar nas próximas décadas. É como se tudo fosse culpa de aliens.

Na verdade, nem conseguimos entregar uma baía da Guanabara e uma lagoa Rodrigo de Freitas despoluídas para os jogos. Quiçá adotar uma mudança real em nosso modelo de desenvolvimento.

Modelo de desenvolvimento que segue transformando a vida de populações tradicionais um inferno. Mas tal como em todo 19 de abril, Dia do Índio, resgatamos sua imagem e a usamos para saudar nossa trajetória de harmonia e nossa democracia étnica. E sentimos orgulho em uma história que deveria, pelo contrário, provocar vergonha. E pedidos de desculpas públicos.

Perdoe-me se isso soa chato. Só que chato mesmo é tomar bala de fazendeiro no Mato Grosso do Sul. Ou ver seu rio secar para que Belo Monte possa funcionar. Ou ser queimado vivo em um ponto de ônibus de Brasília. Ou perceber que jovens negros e pobres seguem carregados para uma vida incerta e curta, tal como seus antepassados – roubados da África séculos atrás nas naus representadas na abertura.

É óbvio que ninguém está pedindo para colocar o Banksy como Mestre de Cerimônia. Seria o oposto do que se espera para um evento como esse, que deve ser altivo e inspirador. É um show. Como show cumpriu seu papel. E como show deve continuar.

E, é claro, que analisar a abertura, ao contrário do que afirmam algumas pessoas, não me desautoriza a ver os jogos pela TV. Vou acompanhar e torcer muito.

Mas isso não significa que a divulgação acrítica da história e da realidade do país deva ser o tom predominante em torno do que vemos e ouvimos nesta sexta (5). Essa tarefa não é de quem organizou a festa, mas nossa, de quem a assistiu.

Utilizar esses momentos também para refletir sobre o abismo entre a imagem de país que gostamos de vender ao mundo e o país que realmente somos é fundamental. Para que possamos aproximar desejo e realidade o máximo possível e tornar a efetivação da dignidade algo cotidiano.

Porque as Olimpíadas se vão. Mas o Brasil vai continuar o que era antes, de mãos dadas às suas contradições.

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terça-feira, 9 de agosto de 2016

Foto Arte -Otacílio Rodrigues

"Primeira imagem de domingo na terça"
Otacílio Rodrigues

Foto feita anteontem, Domingo, 07 de agosto 2016, em Resende às 08:06.

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Lua de agosto
Foto feita em Resende no dia 6 de agosto, 2016, às 20:43.


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segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Efeito Estamira



Tento tentado, juro, expor com a maior sinceridade algumas preocupações em relação ao que vivemos atualmente.  Penso que não sou convincente ou digna de crédito.
O que ouço e leio por aí são frases feitas, trechos de livros de autoajuda, filosofias das mais esquisitas e complicadas, receitas de felicidade (!), orações, rezas, simpatias, mandingas de todo tipo pedindo proteção - e  vida 'próspera' (leia-se dinheiro), quase sempre .
Nada relacionado às muitas questões do momento.
Esta postagem reflete um certo temor do que pode acontecer a qualquer um de nós quando nos sentimos sós.
Afastados por não contribuir para aumentar o coro dos que se adaptaram perfeitamente aos 'novos tempos' a tendência é calar, se resguardar e assim, voluntariamente, instala-se o processo de reclusão. O 'diagnóstico' social é implacável: depressão (para ser suave), problemas psíquicos, psiquiátricos ou outro rótulo qualquer amparado por 'referências científicas'  de origem bem duvidosa. A famosa psicologia de botequim.
Isso, sem falar na alegria fabricada, no humor - também duvidoso - das piadas,  do hábito de frequentar multidões em baladas,  festas, shows e o que mais possa atordoar os sentidos.
Confesso que estou com medo de viver.
Há vozes que não são percebidas. Vem então a lucidez dos sentimentos a dizer que não há loucura em se pensar diferente dos demais.

Não consigo coordenar direito os pensamentos, nem as palavras depois de assistir, na tarde de hoje, no Canal Brasil, ao documentário de Marcos Prado sobre  Estamira.
Eu já conhecia alguma coisa - muito pouco - dessa história e até publiquei no outro blog  uma pequena matéria sobre o assunto.
Hoje, entretanto, por motivos particulares, por coisas minhas, o impacto foi maior. Recorri, assim, ao google na página Wikipédia.

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Wikipédia:
Estamira Gomes de Sousa (Estamira), conhecida por protagonizar documentário homônimo, foi uma senhora que apresentava distúrbios mentais, vivia e trabalhava (à época da produção do filme) no aterro sanitário de Jardim Gramacho, local que recebe os resíduos produzidos na cidade do Rio de Janeiro. 
Tornou-se famosa pelo seu discurso filosófico, uma mistura de extrema lucidez e loucura, que abrangia temas como: a vida, Deus, o trabalho e reflexões existenciais acerca de si mesma e da sociedade dos homens. 
"Ela acreditava ter a missão de trazer os princípios éticos básicos para as pessoas que viviam fora do lixo onde ela viveu por 22 anos. Para ela, o verdadeiro lixo são os valores falidos em que vive a sociedade", comentou Marcos Prado, diretor do filme. 
O documentário "Estamira" teve repercussão internacional, angariando muitos prêmios e o reconhecimento da crítica.

Estamira, que sofria de diabetes, morreu aos 70 anos por consequência de uma septicemia; ela foi internada no dia 26 de setembro por causa de uma infecção no braço e após dois dias no aguardo de atendimento no corredor do hospital, o quadro avançou para uma infecção generalizada, à qual ela não resistiu e faleceu no Hospital Miguel Couto, no Rio de Janeiro em 28 de setembro de 2011. 

Marcos Prado, diretor do documentário que retratou parte de sua vida cotidiana, lançou uma nota de pesar e lamentou o descaso que ele e Ernani, filho de Estamira, dizem ter sofrido Estamira.
Na nota, entre outras Marcos Prado relata "Estamira ficou invisível pela falência e deficiência de nossas instituições públicas. Morreu depois de ficar dois dias esperando por atendimento nos corredores da morte do serviço público de saúde do Hospital Miguel Couto. 
Ela estava com uma grave infecção no braço, mas foi tardiamente atendida. Obrigado meus políticos de Brasília, do Rio de Janeiro, que roubam nosso dinheiro e enfiam sei lá onde".
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Dizeres de Estamira
Brasigois Felício - 'Revista Bula' 29/06/2010, 03:31 PM


Estamira é uma mulher do povo, catadora em um dos lixões da Baixada fluminense. Dizem que é doida de pedra, mas é de uma lucidez delirante, tem um discurso apocalíptico, o que teria um Nietzsche antes de mergulhar na escuridão, ou de um Glauber Rocha, na fase em que anunciou ao universo ser o General Golbery do Couto e Silva um gênio da raça, ou um Geraldo Vandré, ao propor uma santa como padroeira do Exército. 

Mire e veja: louco talvez seja quem assim o diz — e não é feliz. Estamira jura de pés juntos que é melhor não ser um normal, normoticamente encaixotado na vidinha hipócrita e trivial do burguês com 90% de cifras na alma enferrujada. 

Pouco e malmente esquentou bancos de escola. Menos ainda leu Clarice Lispector, nem sabe quem ela foi — nem é afeita à leitura de livros, menos ainda tem rompantes de ser leitora ou poetisa. Contudo, uma poesia alucinada brota, em cascata, por sua boca sempre sorridente, a não ser quando fica brava com a humanidade, e dana a lançar faíscas, estalos de Vieira, em frases cortantes como navalha. 

Coerência em sua fala catártica e apoplética quase não há — mas perguntar não ofende, lógica e acessibilidade à mente cartesiana e superficial também não existe nas obras de James Joyce, de Clarice Lispector, de Guimarães Rosa, Sousândrade, e de certos poetas vanguardistas? 
Como no discurso viperino, lançado às escuta impossível da cidade vertiginosa, repleto de indignação e raiva, que proferiu no lixão, diante de cineastas que a filmavam: “Existe a lucidez e a ilucidez. A gente aprende alguma coisa de tanto lucidar”. 

Mais adiante, assumindo a postura de um Antonio Conselheiro de saias, pregando aos fanáticos insurrectos, antes do trágico e covarde assalto final aos casebres de Canudos: “Vocês não aprenderam nada na escola. Vocês só copiam hipocrisias e mentiras charlatais!”. 

Não bastando o peso da acusação, dirigida a toda a humanidade, e sem excluir a equipe de cineastas que filmava seu discurso apocalíptico: “Eu não sou como vocês, que são apenas robôs sanguíneos!”. 

Para Estamira, “Neste mundo de maldades não tem mais o inocente. O que tem, isto sim, por todo lado, é o esperto ao contrário”. 

Comovente de se ver é o prazer de Estamira no cozinhar para suas netas, que de vez em quando a visitam, em seu barraco, na favela. Ou a ternura e cuidado com que cuida de seus muitos cães e gatos. Tudo em seu casebre é limpo. 

Psiquiatras que lhe passam remédios para amenizar o que chamam de surtos de alucinação, tratam de Estamira como uma delirante, apenas. 
Não é de se espantar: Lima Barreto, Antonin Artaud, Cruz e Sousa, José Décio Filho, e outros gênios da literatura foram internados como doidos de pedra — sendo que este último escreveu suas melhores obras no hospício, entre uma e outra sessão de eletro-choque. 

Para não dizerem que não terminei esta crônica com os dizeres de Estamira, vão aqui mais umas faíscas de seu lucidar delirante: 
“Tempo eterno é tempo infinito, mas tem o além e o além do além. Nenhum cientista foi até o além, quanto menos no além do além. Para mim, tudo o que nasce é nativo, isto é, natal”. 

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Morre Estamira, personagem-título 
de premiado documentário brasileiro

Ela estava internada desde terça (26), no Hospital Miguel Couto, no Rio.

Estamira
 Estamira Gomes de Sousa, personagem-título do premiado documentário brasileiro "Estamira", morreu no início da noite desta quinta-feira (28), no Rio.

Segundo a Secretaria municipal de Saúde, Estamira, de 70 anos, estava internada no Hospital Miguel Couto, na Gávea, Zona Sul da cidade, desde a última terça-feira (26) e morreu com consequência de uma septicemia (infecção generalizada).

Marcos Prado, diretor do documentário, falou sobre o convívio com a catadora de lixo, que também era diabética, e que há mais de 20 anos trabalhava no aterro sanitário em Gramacho, localizado no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

"Foi fascinante. Ela era quase que uma profetisa dos dias atuais, uma pessoa muito legítima. Jamais montamos suas frases na edição. Todos os discursos incluídos no filme são contínuos. Ela acreditava ter a missão de trazer os princípios éticos básicos para as pessoas que viviam fora do lixo onde ela viveu por 22 anos. Para ela, o verdadeiro lixo são os valores falidos em que vive a sociedade", comentou Prado.

 Ernani, um dos três filhos deixados por Estamira, ainda não sabe exatamente qual será o destino do corpo da mãe. "Estamos querendo fazer o sepultamento no Cemitério do Caju, onde minha avó foi enterrada, mas ainda não tive muito tempo para resolver essas coisas. Por isso, não sei quando será o enterro".

Negligência

 Tanto Ernani quanto o diretor Marco Prado, que ajudou na internação da catadora, acusam o hospital de negligência. "Ela foi inadequadamente atendida. Ficou literalmente abandonada nos corredores do hospital sem nenhum tipo de atendimento, só com o filho como testemunha. E isso quando já existia o diagnóstico de infecção generalizada. A indignação é grande. E é triste saber que outras Estamiras vão morrer pelo mesmo descaso", destacou o cineasta.

 Procurada pelo G1, a Secretaria municipal de Saúde negou as acusações e afirmou que em momento algum a paciente foi acomodada em um dos corredores do hospital, onde, segundo a administração da unidade, é proibido internar pacientes.

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Documentário relata a história 
de uma senhora que cata lixo em Gramacho 

'Estamira' relata a vida de uma senhora tachada como louca pela família e médicos, porém de uma lucidez incrível. 
Este foi o primeiro documentário do fotógrafo Marcos Prado, vencedor de um total de 23 prêmios nacionais e internacionais. 
O cenário é no aterro sanitário do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro, onde são jogadas, por dia, mais de 8 mil t de lixo.


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