segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Efeito Estamira



Tento tentado, juro, expor com a maior sinceridade algumas preocupações em relação ao que vivemos atualmente.  Penso que não sou convincente ou digna de crédito.
O que ouço e leio por aí são frases feitas, trechos de livros de autoajuda, filosofias das mais esquisitas e complicadas, receitas de felicidade (!), orações, rezas, simpatias, mandingas de todo tipo pedindo proteção - e  vida 'próspera' (leia-se dinheiro), quase sempre .
Nada relacionado às muitas questões do momento.
Esta postagem reflete um certo temor do que pode acontecer a qualquer um de nós quando nos sentimos sós.
Afastados por não contribuir para aumentar o coro dos que se adaptaram perfeitamente aos 'novos tempos' a tendência é calar, se resguardar e assim, voluntariamente, instala-se o processo de reclusão. O 'diagnóstico' social é implacável: depressão (para ser suave), problemas psíquicos, psiquiátricos ou outro rótulo qualquer amparado por 'referências científicas'  de origem bem duvidosa. A famosa psicologia de botequim.
Isso, sem falar na alegria fabricada, no humor - também duvidoso - das piadas,  do hábito de frequentar multidões em baladas,  festas, shows e o que mais possa atordoar os sentidos.
Confesso que estou com medo de viver.
Há vozes que não são percebidas. Vem então a lucidez dos sentimentos a dizer que não há loucura em se pensar diferente dos demais.

Não consigo coordenar direito os pensamentos, nem as palavras depois de assistir, na tarde de hoje, no Canal Brasil, ao documentário de Marcos Prado sobre  Estamira.
Eu já conhecia alguma coisa - muito pouco - dessa história e até publiquei no outro blog  uma pequena matéria sobre o assunto.
Hoje, entretanto, por motivos particulares, por coisas minhas, o impacto foi maior. Recorri, assim, ao google na página Wikipédia.

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Wikipédia:
Estamira Gomes de Sousa (Estamira), conhecida por protagonizar documentário homônimo, foi uma senhora que apresentava distúrbios mentais, vivia e trabalhava (à época da produção do filme) no aterro sanitário de Jardim Gramacho, local que recebe os resíduos produzidos na cidade do Rio de Janeiro. 
Tornou-se famosa pelo seu discurso filosófico, uma mistura de extrema lucidez e loucura, que abrangia temas como: a vida, Deus, o trabalho e reflexões existenciais acerca de si mesma e da sociedade dos homens. 
"Ela acreditava ter a missão de trazer os princípios éticos básicos para as pessoas que viviam fora do lixo onde ela viveu por 22 anos. Para ela, o verdadeiro lixo são os valores falidos em que vive a sociedade", comentou Marcos Prado, diretor do filme. 
O documentário "Estamira" teve repercussão internacional, angariando muitos prêmios e o reconhecimento da crítica.

Estamira, que sofria de diabetes, morreu aos 70 anos por consequência de uma septicemia; ela foi internada no dia 26 de setembro por causa de uma infecção no braço e após dois dias no aguardo de atendimento no corredor do hospital, o quadro avançou para uma infecção generalizada, à qual ela não resistiu e faleceu no Hospital Miguel Couto, no Rio de Janeiro em 28 de setembro de 2011. 

Marcos Prado, diretor do documentário que retratou parte de sua vida cotidiana, lançou uma nota de pesar e lamentou o descaso que ele e Ernani, filho de Estamira, dizem ter sofrido Estamira.
Na nota, entre outras Marcos Prado relata "Estamira ficou invisível pela falência e deficiência de nossas instituições públicas. Morreu depois de ficar dois dias esperando por atendimento nos corredores da morte do serviço público de saúde do Hospital Miguel Couto. 
Ela estava com uma grave infecção no braço, mas foi tardiamente atendida. Obrigado meus políticos de Brasília, do Rio de Janeiro, que roubam nosso dinheiro e enfiam sei lá onde".
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Dizeres de Estamira
Brasigois Felício - 'Revista Bula' 29/06/2010, 03:31 PM


Estamira é uma mulher do povo, catadora em um dos lixões da Baixada fluminense. Dizem que é doida de pedra, mas é de uma lucidez delirante, tem um discurso apocalíptico, o que teria um Nietzsche antes de mergulhar na escuridão, ou de um Glauber Rocha, na fase em que anunciou ao universo ser o General Golbery do Couto e Silva um gênio da raça, ou um Geraldo Vandré, ao propor uma santa como padroeira do Exército. 

Mire e veja: louco talvez seja quem assim o diz — e não é feliz. Estamira jura de pés juntos que é melhor não ser um normal, normoticamente encaixotado na vidinha hipócrita e trivial do burguês com 90% de cifras na alma enferrujada. 

Pouco e malmente esquentou bancos de escola. Menos ainda leu Clarice Lispector, nem sabe quem ela foi — nem é afeita à leitura de livros, menos ainda tem rompantes de ser leitora ou poetisa. Contudo, uma poesia alucinada brota, em cascata, por sua boca sempre sorridente, a não ser quando fica brava com a humanidade, e dana a lançar faíscas, estalos de Vieira, em frases cortantes como navalha. 

Coerência em sua fala catártica e apoplética quase não há — mas perguntar não ofende, lógica e acessibilidade à mente cartesiana e superficial também não existe nas obras de James Joyce, de Clarice Lispector, de Guimarães Rosa, Sousândrade, e de certos poetas vanguardistas? 
Como no discurso viperino, lançado às escuta impossível da cidade vertiginosa, repleto de indignação e raiva, que proferiu no lixão, diante de cineastas que a filmavam: “Existe a lucidez e a ilucidez. A gente aprende alguma coisa de tanto lucidar”. 

Mais adiante, assumindo a postura de um Antonio Conselheiro de saias, pregando aos fanáticos insurrectos, antes do trágico e covarde assalto final aos casebres de Canudos: “Vocês não aprenderam nada na escola. Vocês só copiam hipocrisias e mentiras charlatais!”. 

Não bastando o peso da acusação, dirigida a toda a humanidade, e sem excluir a equipe de cineastas que filmava seu discurso apocalíptico: “Eu não sou como vocês, que são apenas robôs sanguíneos!”. 

Para Estamira, “Neste mundo de maldades não tem mais o inocente. O que tem, isto sim, por todo lado, é o esperto ao contrário”. 

Comovente de se ver é o prazer de Estamira no cozinhar para suas netas, que de vez em quando a visitam, em seu barraco, na favela. Ou a ternura e cuidado com que cuida de seus muitos cães e gatos. Tudo em seu casebre é limpo. 

Psiquiatras que lhe passam remédios para amenizar o que chamam de surtos de alucinação, tratam de Estamira como uma delirante, apenas. 
Não é de se espantar: Lima Barreto, Antonin Artaud, Cruz e Sousa, José Décio Filho, e outros gênios da literatura foram internados como doidos de pedra — sendo que este último escreveu suas melhores obras no hospício, entre uma e outra sessão de eletro-choque. 

Para não dizerem que não terminei esta crônica com os dizeres de Estamira, vão aqui mais umas faíscas de seu lucidar delirante: 
“Tempo eterno é tempo infinito, mas tem o além e o além do além. Nenhum cientista foi até o além, quanto menos no além do além. Para mim, tudo o que nasce é nativo, isto é, natal”. 

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Morre Estamira, personagem-título 
de premiado documentário brasileiro

Ela estava internada desde terça (26), no Hospital Miguel Couto, no Rio.

Estamira
 Estamira Gomes de Sousa, personagem-título do premiado documentário brasileiro "Estamira", morreu no início da noite desta quinta-feira (28), no Rio.

Segundo a Secretaria municipal de Saúde, Estamira, de 70 anos, estava internada no Hospital Miguel Couto, na Gávea, Zona Sul da cidade, desde a última terça-feira (26) e morreu com consequência de uma septicemia (infecção generalizada).

Marcos Prado, diretor do documentário, falou sobre o convívio com a catadora de lixo, que também era diabética, e que há mais de 20 anos trabalhava no aterro sanitário em Gramacho, localizado no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

"Foi fascinante. Ela era quase que uma profetisa dos dias atuais, uma pessoa muito legítima. Jamais montamos suas frases na edição. Todos os discursos incluídos no filme são contínuos. Ela acreditava ter a missão de trazer os princípios éticos básicos para as pessoas que viviam fora do lixo onde ela viveu por 22 anos. Para ela, o verdadeiro lixo são os valores falidos em que vive a sociedade", comentou Prado.

 Ernani, um dos três filhos deixados por Estamira, ainda não sabe exatamente qual será o destino do corpo da mãe. "Estamos querendo fazer o sepultamento no Cemitério do Caju, onde minha avó foi enterrada, mas ainda não tive muito tempo para resolver essas coisas. Por isso, não sei quando será o enterro".

Negligência

 Tanto Ernani quanto o diretor Marco Prado, que ajudou na internação da catadora, acusam o hospital de negligência. "Ela foi inadequadamente atendida. Ficou literalmente abandonada nos corredores do hospital sem nenhum tipo de atendimento, só com o filho como testemunha. E isso quando já existia o diagnóstico de infecção generalizada. A indignação é grande. E é triste saber que outras Estamiras vão morrer pelo mesmo descaso", destacou o cineasta.

 Procurada pelo G1, a Secretaria municipal de Saúde negou as acusações e afirmou que em momento algum a paciente foi acomodada em um dos corredores do hospital, onde, segundo a administração da unidade, é proibido internar pacientes.

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Documentário relata a história 
de uma senhora que cata lixo em Gramacho 

'Estamira' relata a vida de uma senhora tachada como louca pela família e médicos, porém de uma lucidez incrível. 
Este foi o primeiro documentário do fotógrafo Marcos Prado, vencedor de um total de 23 prêmios nacionais e internacionais. 
O cenário é no aterro sanitário do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro, onde são jogadas, por dia, mais de 8 mil t de lixo.


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